A economia circular já é mais do que um mero conceito: é vista como um elemento-chave para promover o crescimento económico sem que isso leve a um aumento do consumo de recursos. É aqui que entra o mais recente projeto da Associação Smart Waste Portugal (ASWP): “Be Smart – Be Circular” é o nome desta iniciativa com o “objetivo estratégico” de “sensibilizar, dinamizar e capacitar as Pequenas e Médias Empresas (PME) nacionais com relevância para o setor dos resíduos, dotando-as de conhecimento, informação e ferramentas que contribuam para a transformação empresarial, numa ótica de transição para a Economia Circular”, referiu Luísa Magalhães, diretora executiva da ASWP, à Ambiente Magazine.
Além de querer maximizar o aproveitamento económico dos resíduos para diminuir a necessidade de extrair mais recursos da natureza, o projeto, através da informação que será passada às várias entidades e empresas, vai permitir ajudá-las “nas tomadas de decisão e na transição para uma economia mais circular. Com este projeto, a ASWP pretende trazer temas como a “simplificação dos processos de desclassificação de resíduos, a necessidade do desenvolvimento de um mercado de subprodutos e resíduos, a promoção do ecodesign, promovendo assim o envolvimento de toda a cadeia de valor”, bem como a “necessidade de haver uma comunicação informada, que consideramos fundamentais para ultrapassar algumas barreiras ainda existentes para a transição para uma economia mais circular”, refere.
O projeto, iniciado em 2020 e com duração prevista de dois anos, divide-se em seis atividades principais, sendo a criação e lançamento da plataforma digital “myWaste” o ponto principal da iniciativa. Ainda em desenvolvimento e com previsão de disponibilização em setembro, a plataforma será aberta a todas as entidades: “Pretende constituir-se como uma plataforma online para alojamento de uma bolsa nacional de subprodutos para valorização, que consiste numa rede Business to Business (B2B) de partilha de desperdícios e resíduos pós-consumo/pós-produção e outros subprodutos indesejáveis passíveis de serem valorizados”, descreve Luísa Magalhães. Outra das iniciativas é o lançamento do “Guia de Boas Práticas para os Serviços”, que conterá “recomendações que possam ser aplicadas transversalmente nas entidades. Pretende-se que o guia seja uma ferramenta simples e de fácil replicabilidade a nível nacional”, acrescenta a responsável, acrescentando que o guia será apresentado no mês de junho. Há ainda a referir a Conferência Nacional para a Economia Circular, realizada em maio passado em parceria com a Fundação Serralves, e que contou com 500 inscritos ou os Workshops de Ecodesign, que se realizarão no final do ano. “Podemos considerar que o Projeto, que vai a meio da sua duração, tem um balanço muito positivo e que a temática da economia circular está cada vez mais na ordem do dia das empresas, que a veem como uma oportunidade”, adianta.
Todas as atividades do grupo são acompanhadas duma “forte componente de comunicação para criar dinamismo e ligação entre todos os potenciais stakeholders públicos e privados”, através de newsletters e notícias sobre as atividades do projeto.
Ao todo, o “Be Smart – Be Circular” representa um investimento de 200 mil euros, cofinanciados pelo programa COMPETE2020, mas que a associação considera com propósito: “É um investimento muito relevante, pois apoiará os Associados e o setor empresarial nacional numa transição para uma economia mais circular, dotando-os de ferramentas que consideramos fundamentais, para aligeirar constrangimentos que ainda existem na promoção desta transição”.
[blockquote style=”2″]“Pandemia: Nova realidade para as empresas e cidades”[/blockquote]
A ASWP classifica-se como “um polo aglutinador e agregador de interesses, numa perspetiva focada para o negócio, sendo um interlocutor ativo junto das tutelas, sob o princípio norteador da Economia Circular”, afirma Luísa Magalhães. Fundada em 2015, a associação quer “criar uma plataforma de âmbito nacional, que potencie o resíduo como um recurso, atuando em toda a cadeia de valor do Setor, promovendo a Investigação, o Desenvolvimento e a Inovação, potenciando e incentivando a cooperação entre as diversas entidades, públicas e privadas, nacionais e não nacionais”. Aliás, a associação é recorrentemente consultada aquando a “definição das políticas nacionais e regionais na área da Economia Circular, garantindo o envolvimento das empresas e promovendo as ações e prioridades nacionais nesta matéria junto de instituições internacionais”, potenciando a economia e “conferindo dimensão ao setor dos resíduos junto dos decisores nacionais e europeus, assim como a criação de novos modelos de negócio sustentáveis e a potenciação da empregabilidade associada”.
A transição para um modelo circular é algo que começa a estar presente nas empresas, com os empresários a estarem mais atentos às questões da sustentabilidade: “Atualmente, estes são temas relevantes no seu dia-a-dia, não sendo apenas considerados uma imposição, mas sim vistos como uma oportunidade para o desenvolvimento de novos negócios, adaptação e resiliência a adversidades e criação de valor acrescentado”, refere. Luísa Magalhães vai mais longe e acrescenta que a promoção da circularidade deve também passar por “uma aposta na educação e capacitação das empresas para estas temáticas, na inovação, na investigação e desenvolvimento, através da ligação às universidades e ainda, na colaboração com outras entidades e na partilha. Consideramos, assim, que estes são fatores chave para que as empresas consigam ser mais resilientes e sustentáveis”.
A pandemia de Covid-19 trouxe uma nova realidade para as empresas e cidades, sendo que o setor dos resíduos se foi adaptando às circunstâncias. O futuro “não será independente do posicionamento que as organizações que o compõem, a indústria e os consumidores adotarem em relação à evolução do contexto”, sustenta a responsável, acreditando que temas como “circularidade, o repensar os seus modelos de negócio, fomentando iniciativas de redução, reutilização, reparação, reciclagem e criação de valor” têm de ser trazidos à discussão para que todas as empresas desempenham “um papel crucial” e garantam “a transição para uma economia circular, valorizando recursos, naturais e humanos, no processo de crescimento económico, promovendo a digitalização e a servitização nas suas atividades e reduzindo assim o impacte no ambiente. É fundamental garantir que o processo de reconstrução da economia no pós-pandemia, seja baseado nas premissas da sustentabilidade, circularidade e respeito pelo ambiente”, justifica.
No meio desta rede, os políticos serão um papel fundamental nesta transição, “incentivando, financiando e legislando. No entanto, todos os elementos da cadeia de valor têm um papel nesta transição para uma economia mais circular”, clarifica Luísa Magalhães, sublinhando a necessidade de uma “estratégia colaborativa” que potencie “a colaboração” entre “os diversos atores das diferentes cadeias valor”, “academia e associações” e os setores público e privado, “estimulando boas práticas de circularidade nos seus modelos de negócio e tentando dar dimensão e força ao setor, influenciando a tutela para a agilização de algumas barreiras”.
Como perspetiva o setor industrial nos próximos 10 anos?
No estudo promovido pela ASWP, pode ler-se que os dados do último Community Innovation Survey revelam que, entre as empresas portuguesas, existe alguma sensibilidade para a introdução de inovações com benefícios ambientais, sobretudo em algumas atividades industriais. Contudo, essas motivações estão muito centradas na redução dos custos da energia, água e materiais, o que indicia uma reduzida sensibilidade e motivação empresarial para o tema da circularidade como um todo.
Esta realidade ocorre num quadro em que existem oportunidades relevantes e que beneficiam de um momento propício ao impulso do modelo circular nas economias avançadas e, em particular, na economia portuguesa, designadamente, no compromisso com modelos circulares (e que estes sejam o motor da recuperação económica, criando as bases para um crescimento mais sustentável).
O desenvolvimento da economia circular é bastante promissor, pois esta temática começa a constar na ordem do dia, havendo vários projetos demonstradores de boas práticas de circularidade, em diversos setores industriais, e algum financiamento europeu e nacional para tal. A educação é fundamental e o tema da economia circular tem sido integrado em alguns currículos de universidades e apresentado em escolas, pelo que a próxima geração de profissionais já terá estes conceitos presentes, que poderão ser pessoas chave na indústria nos próximos anos. A existência de laboratórios colaborativos, centros de investigação e universidades que trabalham nestas temáticas é um fator chave para as indústrias nacionais adotarem novas práticas de circularidade.
Perspetivamos assim que a indústria nos próximos 10 anos será mais circular, extraindo menos recursos, reduzindo o consumo de resíduos e mais colaborativo, havendo recurso a simbioses industriais.