Foi em 2015 que a Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) lançou, com base nas indicações de sustentabilidade para o setor da Organização Internacional do Vinho (OIV), o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA). Esta iniciativa é resultado de um “caminho pioneiro e revolucionário” que a CVRA tem tração no setor vitivinícola, no que concerne à sustentabilidade.
Numa entrevista à Ambiente Magazine, João Barroso, coordenador do PSVA, explica que o programa foi pensado para trazer a produção sustentável, como um todo, à produção vitivinícola da região do Alentejo, ao trabalhar de forma transversal e integrada a atividade económica, o tecido laboral e social e a envolvente ambiental: “Mais do que benefícios ecológicos, quisemos trazer à produção vitivinícola uma visão concertada, que pretende que os mais pequenos e os maiores produtores possam, durante muitos anos, continuar a produzir vinhos de excelente qualidade sem pôr em causa os recursos naturais, a sua viabilidade económica e influenciando, ainda, a mudança de hábitos de cada um dos colaboradores e respetivas famílias”. É assim que, desde o início deste caminho, foi tomada a consciência de que a sustentabilidade no setor vitivinícola, e não só, está associada a três variáveis que não podem ser dissociadas: “o planeta, as pessoas e o progresso”, destaca. A CVRA acredita que ser sustentável é, entre outros aspetos, “saber respeitar a natureza”, através da “promoção da regeneração e da resiliência dos sistemas naturais”, de “implementar medidas de eficiência energética, de poupança dos recursos hídricos, de reutilizar e reduzir os desperdícios”, de “usar menos pesticidas” e de “potenciar a biodiversidade”. A isto acresce ainda a importância de se assegurar que os negócios são “rentáveis” que contribuem para a “dinamização da economia nacional e regional”, que “criam riqueza e geram trabalho”, com a garantia de salários juntos para todos: “E devemos ainda empenhar-nos na sensibilização e formação de colaboradores no que diz respeito às questões da sustentabilidade e consequente necessidade de alteração de hábitos, para que chegue, não apenas aos trabalhadores agrícolas, mas a toda a comunidade”, sustenta.
O PSVA conta, atualmente, com 454 membros associados, que representam mais de 42% da área de vinha do Alentejo: “É um programa que coloca a região do Alentejo na linha da frente na implementação de políticas e medidas de agricultura sustentável e que vão de encontro aos objetivos traçados para a construção de um futuro mais verde, sem nunca esquecer a rentabilidade económica”. De acordo com João Barroso, o PSVS traz grandes vantagens económicas para os produtores e vai muito além dos benefícios ambientais obtidos ao implementar uma vitivinicultura que respeita os recursos naturais, a biodiversidade e o ritmo da natureza: “É indiscutível que a poupança de água, um bem precioso no Alentejo, e de eletricidade, bem como a redução de uso de pesticidas, traduz-se em assinaláveis poupanças para os produtores vitivinícolas alentejanos”. Por isso, o PSVA promove no campo, desde a “boa gestão dos solos, a utilização de organismos auxiliares, a preservação dos ecossistemas, a conservação e restauro das linhas de água”, ao “recurso ao modo de produção integrada e modo de produção biológica”. Na adega, para além da eficiência energética e o uso racional de água serem prioritários, também a redução da produção de resíduos não fica para trás: “A reciclagem e desmaterialização de processos, bem como o uso de produtos mais verdes, como o uso de rolhas, barricas e outros materiais de florestas certificadas, são, igualmente, incentivados”, assegura o responsável.
[blockquote style=”2″]Queremos garantir que a produção vitivinícola do Alentejo não é parte do problema, mas da solução para as alterações climáticas[/blockquote]
Em 2020, cinco anos após o lançamento do programa, foi iniciada a atribuição de certificados de produção sustentável: “Trata-se de um selo inédito no setor, que é atribuído aos produtores que cumpram com requisitos de gestão de solos, água e rega, diminuição de produção de resíduos ou monitorização da fertilização, entre muitos outros critérios”. Este selo, tal como explica João Barroso, é atribuído juntamente com quatro Organismos Certificadores (Bureau Veritas, Certis, Kiwa Sativa e SGS) e deu início a uma nova era no setor vitivinícola nacional: “A atribuição deste selo aos produtores elegíveis, foi um passo histórico para o Alentejo e para o país, não só porque contribuímos para o reconhecimento de que é possível ser mais sustentável, como também porque projeta a imagem dos nossos vinhos nos mercados internacionais estratégicos que valorizam, e muito, as boas práticas de sustentabilidade”. O coordenador do PSVA atenta, contudo que, encontrar o selo numa garrafa de Vinhos do Alentejo não indica que o vinho enquanto produto é “sustentável”, mas sim, que “o processo de produção desse vinho é o mais sustentável possível”.
Desde o início, aquando do lançamento do PSVA, que a CVRA tem como objetivo a “articulação de toda a fileira do vinho no Alentejo” numa “filosofia de bem-estar social, ambiental e económico a nível local e regional”, sendo de destacar a “incorporação de princípios de ecoeficiência com o objetivo de promover uma utilização mais eficiente dos recursos, incentivar a redução e reutilização de coprodutos reduzindo custos operacionais internos”. Além disso, pretende igualmente, uma “produção de vinhos do Alentejo com reconhecido desempenho sustentável, resultante da incorporação de conhecimento adquirido em projetos de I&D”, bem como da “identificação do desempenho dos produtores, comparando os resultados entre pares (cooperação empresarial)”, e “definindo áreas de melhoria e de planos de ação que alterarão as práticas de produção”. No fim do dia: “Queremos garantir que a produção vitivinícola do Alentejo não é parte do problema, mas da solução para as alterações climáticas, e que contribui necessariamente para um futuro melhor para todos”, afinca.
Tal como em qualquer outro sistema de avaliação, também no PSVA existem métricas quantitativas e qualitativas: “Há 171 critérios divididos por 18 áreas que os produtores terão de cumprir para integrar o programa e, neste contexto, auxiliamos também com soluções adaptadas a cada realidade”. Já o selo, precisa o coordenador, surge como a “cereja no topo de um bolo”, sendo o resultado de seis anos de “sensibilização, formação e de adaptação à realidade de cada produtor”, no terreno: “Este selo é quase que um prémio que os produtores se poderão orgulhar de exibir, depois de terem cumprido todas as etapas que o trabalho no sentido de serem mais sustentáveis implica”.
Quanto a ações previstas no âmbito deste programa, João Barroso revela que, muito em breve, será lançado um projeto de Economia Circular: “Vai revolucionar a gestão de resíduos do setor em relação a uma das fileiras de resíduos produzidos no contexto de adega”. O PSVA está ainda a trabalhar “avidamente” no desenvolvimento de uma ferramenta de “determinação da pegada de carbono” e “avaliação de sumidouros de carbono” para a vitivinicultura alentejana, refere o coordenado, destacando também o projeto “em mãos” sobre o “uso eficiente de água da vinha”, nomeadamente na “demonstração do potencial da rega de precisão”. Parceiros da iniciativa “Além Risco”, o PSVA quer reforçar a resiliência das localidades alentejanas através da plantação de 50 mil árvores nos próximos dois anos, acrescenta. Por fim, é ainda objetivo deste programa “explorar ao máximo a recente adesão à iniciativa 4per1000”, no sentido de “identificar mais metodologias de adaptação e mitigação das alterações climáticas”.
[blockquote style=”2″]A sustentabilidade é a maior oportunidade para os produtores[/blockquote]
Avaliando o setor vitivinícola em Portugal, João Barroso constata que existe ainda um caminho a percorrer, nomeadamente quando comparado com concorrentes como Chile, Estados Unidos, ou Nova Zelândia: “Ainda não existe um sistema de sustentabilidade à escala nacional, no entanto começamos já a ver algumas regiões a traçar o seu percurso, com o Alentejo a rumar à frente, o que muito nos orgulha”. A certificação, exemplifica o responsável, está a ser cada vez mais valorizada em mercados como os “Estados Unidos, Canadá, Suécia, Noruega e Finlândia”, locais nos quais os consumidores prestam mais atenção ao modo como os vinhos são produzidos: “Acreditamos que, em breve, existam mudanças nacionais que garantam produções mais sustentáveis e, por cá, estaremos sempre disponíveis para partilhar a nossa experiência com um programa que se tem revelado muito bem-sucedido, não só ao nível do impacto na imagem percecionada, como também nas poupanças verificadas pelos produtores”.
Há dois grandes desafios que este setor enfrenta: a “perda da biodiversidade” e as “alterações climáticas”. Se o primeiro pode ser “mais ou menos eficazmente combatido, através de políticas de regeneração e resiliência de ecossistemas”, João Barroso não tem dúvidas de que o segundo adquire uma “dimensão muito maior”, até porque, “à escala global, o setor vitivinícola é responsável por cerca de 0,3% das emissões globais anuais de GEE” de atividades antropogénicas: “Isso corresponde a cerca de 2% da contribuição do setor agrícola, que é estimada em 14% do total”.
Relativamente às oportunidades, o coordenador do PSVA acredita que “a sustentabilidade assenta que nem uma luva na adaptação a uma nova realidade como a que se vive”, contribuindo para a “melhoria do desempenho, a otimização de processos, o aumento da eficiência e a redução de custos operacionais”, tão importante num período difícil que o país vive. Nunca é tarde relembrar: “As melhores práticas para o campo afetam diretamente a qualidade da uva produzida, uma vez que ao promover a redução do uso de pesticidas ou herbicidas, a recuperação do solo, os enrelvamentos, a gestão de serviços dos ecossistemas, a retenção de água, a qualidade do ar, estamos a ter um impacto direto na qualidade da uva produzida. O que, por defeito, irá promover um vinho de melhor qualidade”. Além disso, acrescenta o responsável, aumentando as eficiências em relação aos processos da adega, contribui-se para “poupanças económicas” que podem ser usadas para “investir em melhores equipamentos, em mais tecnologia e em maior qualidade de produção para oferecer o melhor produto possível” aos consumidores. João Barroso acredita que a “sustentabilidade” é a “maior oportunidade” que os produtores vitivinícolas podem encontrar.
Como perspetiva este setor nos próximos 10 anos?
Acredito que as certificações, numa primeira fase, farão depender a vantagem competitiva ao nível internacional e, numa segunda fase, se tornarão um requisito obrigatório na hora de vender no estrangeiro. Por exemplo, na Holanda, há cadeias de supermercados que vão exigir que os seus fornecedores de vinho tenham sistemas de sustentabilidade implementados. Logo, já começa a existir esta seleção natural.
Devemos, por este motivo, obrigar todo o setor a caminhar no sentido de uma produção sustentável, que respeite a natureza, que garanta a sustentabilidade económica, e que seja capaz de unir as comunidades em prol de um futuro mais verde.