É a primeira base de dados fotográfica de jamantas chilenas em todo o mundo – uma espécie de raia pouco conhecida que visita com todos os anos os Açores sem se saber porquê – e foi desenvolvida pela bióloga portuguesa Ana Filipa Sobral. De acordo com a nota enviada à imprensa, o projeto contou com a participação ativa de dois milhares de cidadãos-cientistas e recebeu o segundo lugar do Prémio Terre de Femmes.
A iniciativa promovida pela Fundação Yves Rocher que todos os anos distingue mulheres com projetos a favor do ambiente, entregou o prémio, no valor de 5 mil euros, na passada sexta-feira, 29 de março.
Há sete anos, com o objetivo de aumentar o conhecimento sobre as espécies de jamantas que visitam o arquipélago e contribuir para a sua preservação, Ana Filipa Sobral criou o projeto “Manta Catalog Azores”.
Sendo os Açores um local com especial interesse para o turismo e atividades de mergulho, a investigadora desafiou mergulhadores, turistas e comunidade local a vestir a pele de “cidadão-cientista”. Para tal, só teriam de recolher imagens sempre que avistassem uma jamanta, fosse em fotografia ou vídeo. Dessa forma e devido às marcas e padrões únicos que se encontram na face ventral de cada um destes animais, que podem ser usados como verdadeiras impressões digitais, seria possível construir uma base de dados com informação precisa acerca da constituição da população, bem como dos movimentos migratórios da mesma.
Desde o início do projeto, Ana Filipa Sobral já reuniu mais de “dois mil mergulhos de cidadãos-cientistas, cinco mil fotografias e 58 horas de vídeo”, lê-se no mesmo comunicado.
Hoje, a bióloga marinha sabe que existem três diferentes espécies de jamantas nos Açores – a manta oceânica, a jamanta chilena, e a jamanta gigante –; que os montes Ambrósio, perto da Ilha de Santa Maria, e Princesa Alice, perto das ilhas do Faial e do Pico, são os únicos locais conhecidos em todo o mundo onde as jamantas chilenas formam grande agregações, entre junho e outubro; e que todos os indivíduos que visitam estas águas são adultos e muitas das fêmeas estão grávidas. É possível, por isso, que as águas açorianas sejam preponderantes para a reprodução da espécie, apesar da escassez de informação científica não permitir, ainda, retirarem-se dados conclusivos sobre estas visitas anuais das jamantas chilenas ao arquipélago.
A razão exata porque se formam grandes grupos de jamantas chilenas nos Açores pode ser ainda um mistério, mas a investigadora quer garantir que estas populações são devidamente protegidas. Nesse sentido, a investigadora propôs ao Governo Regional a criação de um santuário de jamantas nas águas à volta da ilha de Santa Maria.
Têm o corpo em forma de losango, cauda longa, os maiores cérebros de todos os peixes, podem atingir os sete metros de envergadura, estão entre os mergulhadores mais profundos do oceano e podem viver até aos vinte anos. São espécies altamente migratórias e demoram muitos anos a atingir a maturidade sexual, reproduzindo-se muito pouco, tendo apenas uma ou duas crias a cada dois ou cinco anos.
Atualmente são conhecidas dez espécies, mas pouco mais se sabe sobre as jamantas. Apesar disso, são já consideradas espécies ameaçadas, quer em consequência da crescente procura do mercado medicinal asiático pelas suas guelras – por se acreditar que curam um largo espectro de doenças, pese embora não haver evidência científica que o demonstre -, quer pela quantidade de jamantas capturadas de forma acidental. A pressão sobre estas espécies tem sido muito grande e algumas populações têm vindo a demonstrar declínios superiores a 80%.
Com o valor do Prémio Terre de Femmes, Ana Filipa Sobral pretende alugar embarcações indispensáveis para a recolha de dados e amostras genéticas e comprar material para o reforço desta base de dados. Para além disso, a investigadora pretende também reforçar as ações de sensibilização junto da comunidade para a importância da conservação destes animais.
Para além de Ana Filipa Sobral, também Eunice Maia e Joana Benzinho foram premiadas nesta décima edição do Prémio Terre de Femmes, que atribuiu galardões no valor total de 18 mil euros.
Recorde-se que, escolhidas entre dezenas de candidaturas, as agora conhecidas eco-cidadãs do ano foram selecionadas por um júri independente e altamente qualificado, composto pela bióloga e antiga laureada Milene Matos; por Luísa Schmidt, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Susana Fonseca, investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e membro da direção da Associação Zero; e Mário Grácio, técnico especialista do Ministério do Ambiente.
A distinguir projetos a favor do ambiente desde 2009, em terras lusas o Terre de Femmes já premiou 22 mulheres e apoiou com mais de 100 mil euros projetos que têm revelado um forte impacto social, ambiental e económico. A nível internacional, o Prémio Terre de Femmes vai na 18.ª edição, tendo apoiado já mais de 400 mulheres em mais de 50 países, num investimento total de 1,8 milhões de euros.