Mesmo antes do impacto da invasão da Ucrânia nos preços da energia e no custo de certos produtos chave, o setor alimentar esperava que as condições do mercado se agravassem em 2022, considerando a queda das vendas após o recuo dos efeitos da pandemia e a pressão nos preços e na concorrência (incluindo de um mercado online cada vez mais maduro). A inflação já constituía um desafio para os retalhistas do setor alimentar na Europa, e agora exacerbada pela invasão da Ucrânia, torna-se suscetível de intensificar ainda mais a sensibilidade dos consumidores ao preço.
Com base nesta realidade e desafios, a McKinsey & Company e a EuroCommerce acabam de lançar “Navigating the Market Headwinds – The State of Grocery Retail 2022”, que fornece uma visão abrangente das principais tendências que irão moldar o setor alimentar nos próximos anos. O relatório analisa os resultados de entrevistas exclusivas com 60 CEOs europeus do setor alimentar, e de um questionário a mais de 12 mil consumidores em nove países europeus.
De acordo com este relatório, o tema comum que emerge de todas estas tendências futuras é o “aumento da pressão sobre a margem dos retalhistas no setor alimentar ao longo dos próximos anos”, com a “necessidade de satisfazer as exigências cada vez mais amplas dos consumidores”, a “crescente pressão sobre os preços (e COGS)”, e a “esperada complexidade multicanal”.
[blockquote style=”1″]Cinco tendências que irão moldar o setor alimentar:[/blockquote]
- Forte pressão sobre as margens. A inflação irá aumentar os custos dos retalhistas e impactar o poder de compra dos consumidores. O regresso aos níveis normais de vendas, após um período de aumento de vendas durante a pandemia de Covid-19, e uma maior pressão sobre o poder de compra levará os consumidores, nomeadamente aqueles com rendimentos mais baixos, a procurar produtos mais baratos e promoções. Os discounters e players com preços competitivos são suscetíveis de ganhar quota de mercado face a esta situação.
- Procura polarizada. Os consumidores com rendimentos mais elevados, gerações mais jovens e agregados familiares mais numerosos planeiam comprar mais produtos saudáveis, sustentáveis e premium. Por outro lado, os consumidores em agregados familiares com rendimentos mais baixos indicaram uma maior sensibilidade ao preço, com muitos a planear apostar em produtos mais baratos (incluindo de marca própria, como fizeram em crises passadas).
- Crescimento online mais lento com ofertas mais diferenciadas. O mercado online tem vindo a tornar-se cada vez mais fragmentado, com ofertas novas e emergentes, nomeadamente a entrega instantânea. Neste sentido, os consumidores irão começar a dividir as suas compras por diferentes lojas online.
- Procura por novas fontes de lucro. Com o negócio principal sob pressão, os retalhistas procuram novas fontes de lucro, através de advanced analytics e inteligência artificial, ou através da entrada em novos fluxos de receitas (por exemplo, utilizando os dados fornecidos pelos cartões de fidelização para vender espaço publicitário).
- O desafio da atração de talento. 39% dos CEOs do setor alimentar apontam a atração do talento certo como um dos seus principais desafios. O desgaste dos colaboradores no retalho do setor alimentar a nível mundial continuou a aumentar no ano passado, juntamente com o aumento da procura de novas competências, impulsionada principalmente pela automatização, analytics e comércio eletrónico.
“Tendo prosperado ao longo da pandemia, os retalhistas europeus enfrentam agora um ano difícil. A pressão da inflação, sensibilidade ao preço e aumento da concorrência estão prestes a reverter muitas das tendências positivas que experienciaram. Por outro lado, estas mudanças também oferecem oportunidades para que o setor alimentar tome medidas ousadas e continue a investir numa grande oferta de marcas privadas, no online, em novas fontes de lucro, em produtos saudáveis e sustentáveis, e também nas suas pessoas (e em que skills vão ser prioritárias)”, comenta Ana Paula Guimarães, sócia da McKinsey & Company em Lisboa, citada num comunicado.
Desenvolvimentos da indústria em 2021
O relatório também recapitula a evolução da indústria em 2021, com o retalho do setor alimentar europeu impactado pelos efeitos prolongados da pandemia, o surgimento de players de entrega imediata e a inflação.
De acordo com os dados do relatório, “as vendas diminuíram 0,6% em comparação com o ano anterior, nível ainda quase 10% superior ao de 2019”. Ao mesmo tempo, “os volumes diminuíram 2,1%, decréscimo que foi parcialmente compensado por um aumento de 0,2% no comércio e uma inflação significativa dos preços dos alimentos de 1,3%”.
Segundo os mesmos dados, os retalhistas online e discounters continuaram a ter um desempenho superior ao do mercado, com receitas online a aumentar 8,8% em toda a Europa, em comparação com 2020. No entanto, apesar da queda das vendas nas lojas físicas, “os retalhistas continuaram a expandir as suas redes de lojas, com o espaço de vendas disponível a aumentar 2,4%”. As discounters aumentaram ligeiramente as suas vendas (0,3%), enquanto os supermercados perderam 1,2% e os hipermercados 2,6% em receitas, precisa o relatório.
A entrega instantânea expandiu-se rapidamente, à boleia dos fluxos de financiamento. Os 15 melhores players da Europa abriram mais de 800 dark stores até ao final de 2021. Um número significativo de retalhistas tradicionais do setor alimentar também formou parcerias com empresas de entregas instantâneas para alargar as suas ofertas. No entanto, este mercado ainda representa “menos de 1% do mercado total”, mas com uma “taxa de crescimento anual de várias centenas percentuais”, indicam os dados da McKinsey & Company e da EuroCommerce.
Em relação ao mercado nacional, Ana Paula Guimarães refere que “s resultados do estudo demonstram que o mercado português registou um ligeiro declínio nas vendas globais em 2021, embora estas continuem a ser 13,2% superiores aos níveis de 2019. Ao comparar com 2020, verificamos que as receitas das lojas com preços mais baixos cresceram 1,1% em 2021. Em contrapartida, as vendas diminuíram nos supermercados em 0,1% e nos retalhistas online em 8,7%. Já o mercado dos serviços de alimentação recuperou 10,9% em relação ao ano anterior, embora esteja ainda 26,8% abaixo dos níveis pré-pandemia”.
Este estudo é o segundo de uma série de relatórios destinados a oferecer uma perspetiva sobre o estado do setor alimentar, agora e nos anos vindouros. A investigação foi conduzida antes do início da guerra na Ucrânia e os resultados não têm em conta os impactos da mesma.