Os 20 anos do o Business Council for Sustainable Development (BCSD Portugal) serviu de mote para mais uma Grande Entrevista, onde ficamos a testemunhar aquele que tem sido o caminho desta associação em prol de um ecossistemas empresarial mais sustentável. Partilhamos a segunda parte da conversa como João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal.
Qual é a posição do BCSD Portugal relativamente às metas e compromissos que Portugal assume no combate e na mitigação às alterações climáticas? Acredita que, à luz da situação atual, o nosso país será capaz de cumprir essas metas e compromissos?
“O BCSD Portugal revê-se nesses planos e estamos totalmente identificados com as suas metas. Aliás, achamos que Portugal podia antecipar a meta de neutralidade carbónica para 2040 e ser um caso de estudo para o mundo. Fomos o primeiro país a anunciar a neutralidade carbónica e agora pode- ríamos ser o primeiro país a antecipar a meta de 2050 para 2040 porque temos essa capacidade. Este nível de ambição é perfeitamente exequível. Agora, temos de ter a noção da complexidade e que não será fácil. A Europa está comprometida com a redução das emissões em 55% até 2030 e, para isso, vamos ter de reduzir as emissões anualmente em cerca de 7,5%, já a partir deste ano. Durante 2020, a nível global, tivemos uma redução de 5,8% que teve que ver com o confina- mento. Ora, como conseguir reduzir, ano após ano, até 2030, as emissões em 7,5%, o que é mais que 5,8%, sem estarmos confinados? Há uns dias, Guterres, na abertura da Conferência do World Economic Forum de Davos, lembrava que, a nível global, precisamos de reduzir as emissões em 45%, até 2030, mas que, neste momento, se estima que estas aumentem 14% (apesar da COP26). Estou pessimista quanto à capacidade de atingirmos as metas do Acordo de Paris. No que toca a Portugal, estou moderadamente otimista. Fomos dos primeiros países a avançar para as energias renováveis, a dotar o país com rede elétrica e a iniciar a transição digital. Agora, parece que voltámos a esmorecer e não podemos porque, para sermos capazes de atingir os nossos compromissos, te- mos de acelerar”.
Os cenários não são animadores – “metade do planeta em chamas e a outra metade em cheias” – o que é que não está a correr bem?
“É o medo de paralisia social e de crise económica. Tivemos um relativo sucesso na política pública internacional, que foi a nossa atuação no que diz respeito ao buraco na camada de ozono. Na década 80, percebeu-se que os CFCs (sprays) estavam a abrir um buraco na camada de ozono, que nos protege dos raios ultravioleta, e tínhamos que atuar. O mundo muito rapidamente, através das Nações Unidas, agiu e conseguimos banir esses CFCs. É um caso de sucesso, mas não é transponível para a transição que é agora necessária para prevenir as alterações climáticas, porque os combustíveis fósseis estão muito mais entranhados na nossa economia do que estavam os CFCs na altura. Uma coisa é prejudicar a indústria dos desodorizantes, outra coisa é prejudicar todas as indústrias. Por outro lado, foi fácil e rápido encontrar substitutos para os CFCs. No mix energético global, as renováveis valem só 12% e o resto são combustíveis fósseis (e um pouco de nuclear): os combustíveis fósseis estão entranhados na comida que comemos, na roupa que vestimos, nas casas que habitamos, nos transportes que utilizamos. É um nível de transformação muito mais profundo e muito mais com- plexo e, portanto, com muitas mais consequências económico-sociais. Algo de lamentar, foi que há dez anos, na crise do subprime e das dívidas soberanas, devíamos ter começado a fazer esta transição. Na altura, fomos muito rápidos a injetar liquidez no sistema para recuperar os níveis de produção, de consumo e de investimento, mas não começámos a fazer a transição para um novo paradigma de desenvolvimento. Teríamos tido 20 anos, agora temos menos de 10 anos para essa transição, já que já estamos na década derradeira. Os políticos têm muito receio em acelerar transições e ruturas porque têm medo de perder eleições, em vez de gerirem para 2050, gerem para daqui a um ou dois anos. Por outro lado, sabemos bem a falta que faz, a nível global, um sistema de governance que permita coordenações e acelerações. A ONU não tem poder sobre os países porque eles são soberanos e as contribuições são voluntárias. Não há nenhum sistema de comando e controle, por muito participativo que fosse, que nos permita tomar decisões e agir rapidamente em prol do bem comum”.
Trata-se de uma luta mundial: que balanço faz desta COP26? O que é que ficou por resolver?
“Eu faço um balanço relativamente pessimista. Houve coisas boas: não havia uma declaração final já havia várias COP e nesta houve um compromisso final. Depois, foi positivo haver alguns acordos à margem dessa declaração final: na área da desflorestação, nos incentivos aos veículos elétricos e nos fundos para acelerar inovação para sustentabilidade, no carvão e no metano, ou seja, fizeram-se alguns acordos setoriais com vários países. Foi a COP mais movimentada de sempre, com mais participação de delegados, e foi a mais fervilhante de sempre, com a sociedade civil muito presente em torno da mesma (o off-COP e o after- COP nunca foram tão intensos). Porém, quanto aos aspetos negativos, a verdade é que os compromissos assumidos não reduzem as emissões o suficiente para cumprirmos o Acordo de Pais. Depois, o apoio aos países em desenvolvimento – que deveria ser de cem mil milhões de dólares por ano – ainda não resulta desta COP como um compromisso. Por outro lado, os acordos setoriais não envolvem países decisivos, ou seja, nalguns dos acordos ficaram de fora os Estados Unidos da América, a China, a Índia e a Rússia. Além disso, não há nenhum mecanismo ou sistema de verificação de que estes acordos são implementados, nem penalizações para quem não cumpre. De que serve os países assinarem a declaração final da COP26 ou os acordos setoriais se depois não há ninguém que verifique e procure garantir a sua aplicação? “
Defende que a liderança está na rua?
“Defendo que a liderança deve ser concertada pelos vários atores sociais, incluindo a sociedade civil. As empresas e o Estado são sempre atores algo conservadores e com tendência para manter o status quo. Portanto, se quisermos avançar no sentido da transição para a sustentabilidade ou para outras transições, temos de aceitar que essas visões, incentivos e propostas, regra geral, chegam a partir de fora, por exemplo, a partir da cultura ou da arte, ou da comunidade científica e dos movimentos ecologistas. Daí a importância dos artistas, dos pensadores, das ONG, dos cientistas ou, mesmo, personalidades como Greta Thunberg”.
Como vê o futuro do BCSD Portugal? A que áreas deve o BCSD Portugal mostrar uma maior presença?
Vejo um futuro muito promissor. Vai continuar a crescer como tem crescido, porque o tema da sus- tentabilidade é um tema chave para as empresas e vai continuar a sê-lo ao longo desta década. O BCSD Portugal tem uma carta de princípios que se traduz em vinte objetivos, metas e indicadores, integrados na plataforma Jornada 2030 (lançada na Conferência Anual do BCSD Portugal- 24 e 25 de novembro de 2021), em torno de aspetos ESG (Environmental, Social, e Governance). Partindo deste tríptico, vejo o BCSD Portugal a ajudar cada vez mais, de forma aplicada e concreta as nossas empresas a avançarem na jornada para a sustentabilidade e a transformarem as suas cadeias de valor. A nossa atuação tem sido mais teórica, depois foi mais aplicada e, agora queremos tam- bém ajudar de forma mais disruptiva, ajudar as empresas a mudar a cultura organizacional, as soluções de design e de materiais e a terem modelos de negócios regenerativos com impacto positivo. Precisamos de inovação disruptiva para transformar as cadeias de valor, porque já não bastam inovações incrementais. O caminho dos nossos sistemas económicos tem de ser no sentido da bioeconomia circular, ou seja, a economia tem de ser muito mais bio e circular. Ao longo da década, o BCSD Portugal vai continuar a acompanhar as empresas, procurando que a sua atuação seja mais aplicada, menos teórica, mais disruptiva e não meramente incremental”.
Como serão as empresas daqui a 20 anos?
“As empresas são um dos fenómenos do século XX. Hoje, tudo é mediado pelas empresas, do nascimento à morte. Mas este fenómeno das empresas tomarem o espaço público tem apenas cem anos. Ele foi muito importante para o crescimento económico do século XX, mas agora percebemos que as empresas estavam a ter um impacto social e ambiental que não é sustentável, que não podem estar só concentradas nos lucros e na sua performance económica, tendo que ser capazes de criar valor mais intangível e para outros stakeholders que não apenas os seus acionistas. Como conceito, a empresa, sendo um fenómeno do século XX, está na fase da adolescência e vai passar agora para a idade adulta: no século XXI, teremos um novo conceito de empresa. A idade adulta das empresas vai ser muito interessante porque vai ter um impacto positivo nas pessoas e no planeta, estas vão assumir uma missão que vai para além da mera venda de produtos, serão veículos com propósito, permitindo aos seus clientes fazer do consumo um ato de cidadania.
Como estará o planeta daqui a 20 anos?
Nós sabemos que não vamos atingir os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), até 2030, já que, segundo a OCDE, teríamos de investir 2,5 biliões de dólares por ano (números pré-pandemia), o que é cerca de dez vezes o PIB (Produto Interno Bruto) português. Ainda assim, não é muito. Não só o nosso PIB não é assim tão elevado no contexto global, como todos os anos o comércio legal e oficial de armas ascende a 1,8 biliões de dólares. Ou seja, aquilo que o mundo investe em armas anualmente daria para termos um mundo equilibrado até 2030. A Humanidade nunca foi tão rica, mas, ao fim do dia, é tudo uma questão de decisões. Apesar de estarmos conscientes do impacto que estamos a ter no planeta, continuamos a comportarmo-nos como “ecological serial killers”.
Que mensagem quer deixar aos membros do BCSD Portugal?
“Contamos com as empresas portuguesas para dar o exemplo para o mundo e para chegarmos a 2030 orgulhosos do que fizemos ao longo da década”.
Esta é a segunda parte da grande entrevista que foi incluída na edição 92 da Ambiente Magazine.
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“No século XXI vamos ter um novo conceito de empresa” (I/II)