Os edifícios enquanto contributo para que Portugal possa, mais rapidamente, acelerar o caminho para a descarbonização foi um dos temas em debate no primeiro painel “O Papel da Banca na Transição Energética” promovido na sessão “Pensar a Energia”, realizada pela ADENE – Agência para a Energia.
Poucas dúvidas restam sobre o potencial dos edifícios no rumo à descarbonização, contudo, há um montante muito significativo de investimento que é exigido para que se avance nesse sentido: 150 mil milhões de euros é o valor que consta da Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios (ELPRE) para se dar início à transformação necessária dos edifícios em Portugal. Assim: “Teremos capacidade financeira da banca para participar neste processo? E as famílias portuguesas terão capacidade de se endividar ainda mais para colocarem em prática esta renovação?. Estas foram duas das questões levantadas por Nuno Baptista, da ADENE.
Citando o mais recente estudo do Banco Central Europeu, José Tomaz, diretor para a Área da Sustentabilidade da Associação Portuguesa de Bancos (APB), dá nota de que Portugal será o país da zona Euro onde o nível de investimento associado à transição climática terá de ser maior em percentagem do PIB (Produto Interno Bruto): “São 7% do PIB por ano até 2023, com cerca de quatro quintos desse investimento a ter que ser financiado para setor privado”. Isto faz com que Portugal seja o país “onde haverá maior níveis de investimento, face àquilo que é a riqueza do país e onde o financiamento privado, face aquilo que será o financiamento público, terá de ser maior”, explica o responsável, acrescentando que “a melhoria de eficiência energética dos edifícios será o principal investimento que terá que ser feito em Portugal”.
Dos 150 mil milhões de euros de investimento, que constam na ELPRE, “três quartos desse montante terá que ver com a renovação de edifícios residenciais”, refere José Tomaz refere, assegurando que “o setor bancário está totalmente empenhado na prossecução da agenda da sustentabilidade”. Algo que está bem plasmado numa série de medidas concretas que os bancos estão a tomar, como a “integração de fatores ESG e estratégias globais de instituição”, a “definição de metas concretas em termos de carteira de crédito e carteira de investimento”, bem como “um grande foco na gestão dos riscos ESG”. Neste último, o responsável chama a atenção para o facto de Portugal ser um país com um elevado grau a riscos físicos, dando exemplo das inundações ou da seca: “Vários bancos têm lançado linhas de crédito específicas e incluem a estruturação de operações ligadas a objetivos de sustentabilidade, como as green bonds”, Além disso, somam-se as parcerias que “são cada vez maiores e determinante para se conseguir alcançar esses objetivos”, destaca. Seja como for, para os bancos é necessário sempre “conciliar a sustentabilidade ambiental” com a “sustentabilidade financeira”, precisa.
“Novo Fundo Social para o Clima destinado para combater a pobreza energética”
Relativamente à questão das famílias, o diretor para a Área da Sustentabilidade da APB, admite tratar-se de uma “questão premente”, mas, quando olhando para o contexto português, verifica-se que a situação é favorável: “O nível de endividamento dos particulares atualmente representa 63% do PIB, sendo que, em 2012, estávamos com 93%”. E no crédito à habitação, de acordo com o responsável, verifica-se que a situação está longe de ser dramática: “Só 12% das famílias têm taxa de esforço superior a 36% e, em termos de endividamento, é favorável”. Ainda assim, “não significa que não haja agregados em situações mais vulneráveis e, nesses casos, os bancos estão a acompanhar”.
A isto soma-se o tema da “pobreza energética”, com “dois a três milhões de pessoas” a enfrentarem esse problema, havendo, nesses casos, um “apoio financeiro” direcionado para as famílias com rendimentos mais baixos: “Vai haver o novo Fundo Social para o Clima que deverá entrar em funcionamento em 2026”. Financiado com 65 mil milhões de euros, este fundo destinar-se-á a apoiar famílias com rendimentos mais baixos, bem como no combate à pobreza energética.
É preciso “dinheiro para que o setor (da construção) continue o caminho que tem feito”
Há muitas exigências e muitos investimentos que são necessários. Mas estarão os intervenientes do setor da construção alinhados no que diz respeito à sustentabilidade? Estarão as empresas e os trabalhadores na dimensão necessária para o trabalho longo que se avizinha para as próximas três décadas? As questões foram levantadas por Nuno Baptista, da ADENE, no painel “O papel da Banca na Transição Energética” da conferência “Pensar a Energia”.
José de Matos, membro da Direção da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), reconhece que há problemas estruturais no setor da construção, como a mão-de-obra ou a capacidade das empresas, mas são problemas transversais a outros setores económicos: “São questões gerais”, diz. Apesar de reconhecer que os números são importantes, o responsável refere que têm papeis diferentes na “engenharia” ou na “economia ou nas ciências sociais”: as questões do endividamento das famílias portuguesas, por exemplo, “não são tão graves como eram no início da crise financeira. Estes números (as taxas de endividamento) também são os mesmos que em 2019, antes de haver inflação. Mas, entretanto, houve inflação e as taxas de juro dispararam”, explica. Portanto, “temos de olhar para a capacidade que existe agora”, considerando que, “neste momento, não é só aquilo que era taxa de endividamento das famílias e o seu esforço, mas como será no futuro para quem quiser comprar uma casa”.
“Existe mesmo um déficit de 150 mil milhões de investimento e, daqui a 30 anos, mesmo os edifícios que sejam construídos agora vão ter que ser reabilitados”
Em conformidade com esta “dinâmica”, está a própria capacidade do setor em responder: “(Diz-se que) a construção está ocupada a 120%, que estamos atrasados e com trabalhos que provavelmente não vamos conseguir executar no prazo e que temos mais carteira de encomendas do que aquilo que conseguimos executar”. Mas o responsável considera que não é preciso dar resposta a todos os desafios para o futuro no imediato, até porque se está a falar de uma “estratégia a 30 anos”: “Temos de olhar para os números em termos de valores reais e a preços reais de 2007 e, temos, atualmente, um volume de negócios na reabilitação de edifícios residenciais que é superior a 6 mil milhões de euros por ano”. No entender de José de Matos, existe mesmo um “déficit de 150 mil milhões de investimento e, daqui a 30 anos, mesmo os edifícios que sejam construídos agora vão ter que ser reabilitados”.
Apesar da importância dos números e de reconhecer que a construção tem capacidade, o responsável atenta na importância de “haver dinheiro” para que o setor continue o caminho que tem feito, sendo necessária uma “evolução”, seja no “abandono da mão-de-obra nos trabalhos de construção” ou nas “novas exigências relativamente aos métodos de construção e equipamento”, destaca. José de Matos lembra também que o setor foi “abandonado na altura da crise”, onde havia 200 mil habitações vazias: “Não era um desígnio importante, os bancos deixaram de financiar a construção e a promoção imobiliária e, neste momento, somos apanhados descalços face às exigências”. Por isso, “há um progresso a fazer na formação profissional, na alteração das qualificações profissionais, na modernização das empresas de construção e, essencialmente, na informalidade do setor da construção”, uma parte muito complexa, até porque, neste momento “a maior parte da mão de obra” está em “pequenas empresas independentes que fogem ao crivo fiscal e que prejudicam a organização e as empresas médias”.
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