Há diferenças e semelhanças nos desafios que Portugal e o Reino Unido enfrentam em relação ao sistema de depósito dos resíduos sólidos. Ainda assim, os contratempos e os atrasos que se têm assistido não são por motivo de incapacidade de agir ou de decidir: “Penso que é apenas uma consequência natural da complexidade que está por detrás da implementação de tal sistema que difere dos esquemas de devolução de depósitos que outrora eram habituais no passado”.
Este foi o ponto de partida para Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente, falar sobre o caso português, no que diz respeito ao sistema de depósito e reembolso, tema que esteve, durante a manhã desta sexta-feira, em destaque no webinar promovido pela APESB (Associação Portuguesa de Engenharia Sanitária e Ambiental).
Inês Costa lembrou que, passados 20 anos, a gestão de embalagens e resíduos de embalagens em Portugal, que inclui as embalagens de bebidas, passou a ser gerida por um sistema integrado de gestão com três entidades licenciadas sem fins lucrativos (SPV – Sociedade do Ponto Verde, Novo Verde e Electrão). Este sistema, tal como explica a responsável, necessita de um esforço de coordenação entre todos os atores (retalhistas, importadores, entidades gestoras, cidadãos, sistemas de resíduos urbanos e indústria): “Existe o fluxo financeiro, naturalmente, que o suporta, e que é distribuído ao longo desta cadeia”. No final, o sistema é apoiado por aqueles que efetivamente compram produtos, mas não só: “É apoiado pelas receitas provenientes da colocação desses produtos no mercado”, afirma, acrescentando que as receitas também dependem da forma como os mercados ou como a indústria está disposta a absorver esses materiais: “Por exemplo, os preços do petróleo estão baixos e tudo fica igual, com pouco ou nenhum incentivo para a indústria adquirir ou para receber materiais para reciclar”, explica. É esta “visão desequilibrada” que coloca um problema a todo o sistema: “A recolha ainda precisa de funcionar. Os objetivos de reciclagem ainda precisam de ser atingidos, mas não há nenhum incentivo do lado do mercado para fechar o ciclo”, diz.
Ainda assim, Inês Costa diz que é um cenário comum por toda a Europa e que não existe apenas uma entidade, mas antes ser um conjunto: “Desde o cidadão, que ainda acha mais fácil atirar uma caixa de bebidas vazia para o lixo comum, ao gestor de resíduos, que envia os resíduos plásticos para a Turquia, dizendo que vão ser reciclados, e que acabam por ser encontrados numa estrada abandonada por um jornalista; desde a incapacidade das autoridades de terem instrumentos adequados para controlar e gerir o seu controlo do sistema ou dos operadores de resíduos urbanos, que andam numa linha ténue entre a recolha dedicada e a recolha de EPR”.
Voltando aos objetivos da reciclagem, Inês Costa lembra que os mesmos são impostos pela UE (União Europeia) para que os Estados-membros atinjam essas metas. Mas os objetivos não dependem apenas da vontade política: “A reciclagem em si não é realizada pelo Estado ou através dos Governos, mas sim pelo sistema de produção e consumo”. Portanto, “sem que o ciclo de materiais seja fechado de forma obrigatória ou voluntária, continuaremos a arrastar-nos”, alerta.
No que diz respeito à poluição do plástico, Inês Costa lembrou a discussão iniciada em 2016 e que contribuiu para que os decisores políticos começassem a discutir novas formas de recolha, a fim de redirecionar os materiais para serem introduzidos com sucesso no sistema de produção: “Esta discussão levou rapidamente a várias mudanças observadas e que atualmente ainda estão em curso”. Aliás, nas diretivas sobre resíduos, embalagens e resíduos de embalagem e plásticos de uso único, já publicada em Diário da República, entraram, pela primeira vez, objetivos para a recolha de determinados produtos embalados, como garrafas e embalagens, e a integração obrigatória de material reciclado na produção de produtos. Dos objetivos, a secretária de Estado do Ambiente destacou a “recolha de 77% das garrafas de bebidas colocadas no mercado até 2055, indo até 90% em 2029” e a “incorporação de plástico reciclado nas garrafas a um nível mínimo de 25% até 2025 e de 30% até 2030”. Para muitos até pode ser o suficiente, mas para Inês Costa é um começo: “Claro que só se pode atingir tais objetivos se o material for de boa qualidade”. E, atenta, em certos sistemas de recolha, é algo difícil de se conseguir: “Recolhem diferentes tipos de embalagens plásticas. No caso português, por exemplo, alguns deles recolhem (embalagens) com metais, com contaminantes e por aí fora”.
Para combater este desafio, o Governo estabeleceu, através da lei 69/2018, um sistema de incentivos para a devolução de embalagens de bebidas plásticas não reutilizáveis. Na prática, trata-se de um projeto-piloto, com o objetivo de produzir lições para implementar um futuro esquema de devolução de depósitos, também previsto pela mesma lei: “O sistema de incentivos funciona desde 2020, e continua a funcionar através do programa de financiamento ambiental”. Para Inês Costa, este projeto abordou aquele que é o primeiro desafio de qualquer sistema em Portugal: “O compromisso dos cidadãos”.
Como notas conclusivas, a secretária de Estado do Ambiente reiterou o papel importante dos cidadãos, bem como o envolvimento de outros agentes no sistema. E lembrou que o ponto de partida de Portugal ao nível legislativo e operacional é muito diferente de outros países da UE, que começaram do “zero” ou “onde não existe”, por exemplo, “a obrigação de entregar este tipo de sistemas de gestão de resíduos urbanos”. Mas a governante salientou que o país está disposto a trabalhar: “Estamos dispostos a encontrar uma solução que se adeque ao nosso caso. Queremos ser um case study para outros países que já estão a enfrentar as mesmas dificuldades”, sublinha.