Nos últimos 11 anos, os indicadores de perdas de água, em Portugal, praticamente não sofreram evolução. O indicador mais conhecido é a percentagem de água não faturada que, para o abastecimento em baixa, há 11 anos, teima em manter-se na ordem dos 30%. Estas são algumas constatações do último RASARP, relatório da ERSAR (Entidade Reguladora do Setor), que reflete a avaliação da qualidade do serviço prestado pelas entidades gestoras que asseguram a gestão dos sistemas de abastecimento de água de Portugal Continental.
A poucos dias do Encontro “Redução de Perdas de Água – Um Desafio ao Alcance de Todos” que a APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, através da sua Comissão Especializada de Sistemas de Distribuição de Água (CESDA), vai promover, nos dias 6 e 7 de junho, em Santo Tirso, a Ambiente Magazine conversou com Paulo Nunes, Coordenador da CESDA, que nos traça um panorama preocupante sobre a “gestão ineficiente” de uma grande parte dos sistemas de abastecimento em Portugal.
“É necessário ainda muito trabalho para que, em média, o nosso país apresente um bom desempenho ao nível das perdas de água”, alerta o responsável, constatando que, “das 210 entidades gestoras que reportaram dados à ERSAR, 176 têm uma percentagem de água não faturada superior a 20%, e 45 entidades têm uma percentagem superior a 50%”. A isto soma-se que “há ainda seis entidades gestoras com mais de 70% de água não faturada”. Anualmente, “o país está a perder, pelas suas infraestruturas, cerca de 175 mil milhões de litros de água”, o que daria para “abastecer a cidade de Lisboa durante dois anos e três meses”, alerta, citando o RASARP.
“Dois dias de muita reflexão e partilha de conhecimento”
É a primeira vez que a APDA vai dedicar dois dias exclusivos ao tema “perdas de água”, algo que, para Paulo Nunes, é pouco: “São vários os temas que gravitam em torno das perdas de água e, alguns, dariam para debates bastante prolongados”. Contudo, mesmo com a limitação de dois dias, “debater as perdas de água, apesar de parecer um tema esgotado”, está cada vez mais na ordem do dia e reveste-se da maior importância: “As alterações climáticas, que já muito poucos contestarão, têm provocado efeitos preocupantes para a sociedade, um dos quais, e de primeira importância, é a falta de água”. Como tal, “é importante manter o setor ativo e constantemente sensibilizado para a necessidade de encontrarmos soluções para ultrapassar este problema”, atenta o responsável, defendendo que “uma das soluções é melhorar a eficiência dos sistemas de abastecimento, através da redução das suas perdas de água”.
Neste Encontro, a CESDA selecionou um conjunto de temas que na sua ótica considera prioritários para o conhecimento das entidades gestoras e do setor em geral: “Irão ser apresentadas orientações concretas, em formato de roteiro, para que as entidades possam avaliar o problema, decidir o que fazer e, assim, reduzir as perdas de uma forma mais assertiva, tanto na vertente das perdas reais, nas infraestruturas, como do lado das perdas aparentes, nos contadores e usos indevidos”. Tendo em conta os “cenários de crise” dos últimos tempos, tais como a “pandemia” e a “escassez hídrica”, Paulo Nunes adianta que será feita uma “reflexão sobre a melhor forma de gerir os sistemas de abastecimento” nestes contextos. Reconhecendo-se também que “os indicadores de perdas de água promovem uma melhor gestão da atividade, e atendendo ao facto de não terem sofrido qualquer evolução há vários anos”, o Encontro vai abordar de que forma “deverão evoluir para darem reposta às necessidades do setor”, concretamente na “monitorização da atividade”, no “apoio à decisão” e nas “ações de benchmarking“.
O segundo dia do evento vai iniciar-se como uma “abordagem ao nível económico de perdas”, como forma de “sabermos até onde deveremos atuar para melhoria da eficiência hídrica dos sistemas”, num “racional ótimo de custo-benefício”, destaca o responsável. Reconhecendo a importância do modelo de estrutura organizacional das entidades gestoras para a “celeridade e eficácia na obtenção de resultados ao nível da redução das perdas”, o Coordenador da CESDA refere que será também feita uma “reflexão sobre as opções que existem para a definição do caminho da gestão das perdas de água”. Além disso, será promovida uma reflexão sobre o “contributo que poderá ser dado pelo poder político e pela gestão de topo das entidades gestoras”, na melhoria da eficiência hídrica. Por fim, a CESDA vai proporcionar a participação numa série de workshops com uma forte vertente prática, especialmente direcionados para o corpo operacional das entidades gestoras: “Espero que sejam dois dias de muita reflexão e partilha de conhecimento”.
“… as entidades gestoras andam à deriva, o que resulta na ausência de resultados (…) e deveriam pedir ajuda a quem conhece o caminho e lhes poderá dar garantias de sucesso e rapidez na chegada ao destino”
Questionado sobre como é que se explicam, ainda, as perdas de água nos sistemas de abastecimento portugueses, Paulo Nunes dá nota que a parte mais significativa das perdas de água está associada às perdas reais, ou seja, através das infraestruturas: “Uma grande parte dos sistemas de abastecimento de água foram construídos há mais de 30 anos, pelo que são cada vez maiores as exigências da sua gestão”. Por isso, “é importante mantermos os sistemas a funcionar com níveis mínimos de pressão de serviço, para não as sobrecarregar e, simultaneamente, garantir a monitorização dos caudais e pressões”, com base em “tecnologias de sensorização e análise”, defende. Também, “salvo em casos muito excecionais”, o Coordenador considera que para se reduzir as perdas até ao nível de um bom desempenho, “na ordem dos 20% de água não faturada”, não é necessário investimentos em substituição de redes: “Precisamos sim, de gerir as redes com eficiência (…) e um dos motivos para o atual estado do país em termos de perdas de água, é a falta de foco na eficiência”. Ainda assim, fundamenta o responsável, o maior motivo prende-se com as “opções das entidades gestoras quanto aos modelos” que têm implementados para a gestão das perdas: “Mais do que uma questão de falta de capacitação interna, que naturalmente também existe nalgumas entidades gestoras, muitas evidenciam não ter forma de sozinhas resolverem o problema”. E esta incapacidade prende-se, fundamentalmente, com a “insuficiência de recursos técnicos e humanos”, alerta Paulo Nunes, constatando o facto de “não saberem como chegar a bom porto, pois nunca fizeram esta `viagem´”. Apesar disso, “insistem em continuar a andar assim, à deriva, o que resulta na ausência de resultados”, lamenta, defendendo que “as entidades gestoras deveriam pedir ajuda a quem conhece o caminho e lhes poderá dar garantias de sucesso e rapidez na chegada ao destino, ou seja, na redução das perdas de água e obtenção de uma boa qualidade de serviço nesta matéria”.
“A aposta deve ser feita na promoção da melhoria da eficiência, evitando assim a adoção de outras medidas que já vêm sendo faladas”
Numa altura em que o país sofre com períodos de seca de longa duração, Paulo Nunes defende a aplicação de medidas mais significativas, visto que, após tanta sensibilização e formação não existem resultados práticos: “É preciso maior eficácia, a implementar pelo Regulador”. No entender do responsável, as entidades gestoras deveriam ser incentivadas a apresentar resultados ao nível da melhoria da eficiência hídrica: “Digo incentivadas para não dizer obrigadas, mas a pensar numa lógica de premiar as entidades com melhores resultados e penalizar aquelas que sistematicamente não evoluem, muitas apenas porque não querem evoluir. Acho que o contrário não é justo. Acredito que a motivação pode ser o motor da eficiência. E, quando passar a haver consequências face à ineficiência, estou convencido que grande parte das entidades gestoras adotará outra atitude, mais responsável”. Em suma, “a aposta deve ser feita na promoção da melhoria da eficiência, evitando assim a adoção de outras medidas que já vêm sendo faladas, tais como investimentos em dessalinizadoras e novas barragens, soluções que obrigarão a custos muito mais elevados e ambientalmente mais impactantes”, sustenta.
Questionado sobre a prestação de Santo Tirso no que às perdas de água diz respeito, Paulo Nunes afirma que é um Município, tal como o de Trofa, com resultados de topo do ranking dos sistemas de abastecimento de água mais eficientes: “(Aliás), foi esta uma das razões que nos levou a selecionar Santo Tirso como local para o nosso Encontro”. Será, assim, uma “oportunidade para a INDAQUA Santo Tirso/Trofa, como entidade gestora local, partilhar a sua experiência e explicar de que forma conseguiu atingir um grau de eficiência tão elevado”, com valores de “água não faturada abaixo dos 10%” e que se mantêm estáveis há vários anos: “Níveis de eficiência desta ordem, constantes no tempo, exigirão certamente uma metodologia de trabalho muito bem estruturada, que certamente interessará conhecer”. Tendo em consideração que “este sistema de abastecimento é de pequena dimensão”, permite concluir que “os resultados de excelência não são apenas possíveis atingir em entidades gestoras de grande dimensão ou com agregações que introduzam um efeito de escala (…) essa ideia, aplicada às perdas de água, está errada”. E como diz o tema do Encontro, “a redução das perdas de água é um desafio ao alcance de todos, sem exceção, pequenos ou grandes”, fundamenta.
Tendo em conta que as perdas de água são ainda um desafio, perceber qual tem sido o papel da CESDA para reverter a situação, foi uma das questões levantadas a Paulo Nunes: “Na sua missão de partilhar o conhecimento baseado na experiência dos seus membros, em prol dos associados da APDA e do setor em geral, a CESDA tem definida uma série de objetivos que são um forte contributo para que as entidades gestoras melhorem o seu desempenho no âmbito da redução das perdas de água”. E este Encontro é um exemplo diss mesmo: “Nesses objetivos cabe a promoção do debate de temas emergentes relativos ao abastecimento de água, bem como a organização e participação em eventos para apresentação de trabalhos e partilha de conhecimento”.
Dos contributos que presta, Paulo Nunes relembra que a CESDA tem elaborado variada documentação técnica no âmbito da gestão dos sistemas de abastecimento de água, colocada ao dispor do setor e do público em geral através do site da APDA. Para além disso, tem disponibilizado algumas ferramentas de apoio à gestão dos sistemas de abastecimento de água e à análise do estado do setor, como por exemplo, na área da gestão dos contadores e através do SIIPA, ferramenta que permite a análise dos indicadores de perdas de água publicados anualmente pela ERSAR.
Assumindo que “a redução das perdas de água é um tema de extrema importância e urgência, os atuais 30 membros da CESDA têm-lhe dedicado muito do seu tempo”, principalmente na “sensibilização e formação das partes interessadas”, remata.