Portugal não pode ter outro papel senão o de liderança pelo exemplo naquilo que é o desenvolvimento azul
É certo que o ritmo de “crescimento azul” é superior ao da “economia nacional”. Mas, até que ponto é que a “economia do mar” não compromete a sustentabilidade? E como é que se faz um uso sustentável que não seja meramente extrativo? Estas foram algumas das questões levantadas por João Menezes, secretário-geral do BCSD (Business Council for Sustainable Development) de Portugal e moderador da sessão “O futuro da água, um desafio doce e salgado: da água potável à economia do mar”. Promovida pelo BCSD, a sessão realizou-se no âmbito da segunda temporada de “Conversas sobre Sustentabilidade“.
Na visão de Helena Vieira, diretora-geral da Direção de Política do Mar, as pessoas esquecem-se da necessidade de se desenvolver atividade no mar, lembrando que “90% dos cabos que nos conecta” passam pelo oceano: “É importante não demonizar a atividade económica por si só”. E se o problema da próxima década é a “escassez de água potável ou utilizável” a responsável constata que “o oceano pode e deve ter um papel fundamental na gestão do recurso”.
Há uma visão da “economia do mar” que Helena Vieira traçou como aquela que gostariam de ter nos próximos tempos: “Uma economia do mar que não é excessivamente extrativa, ou seja, cuja extração vive em harmonia com a preservação dos ecossistemas; uma economia do mar que fomenta o renovável e o circular, quer seja do ponto de vista energético, quer seja dos próprios negócios que desenvolve; uma economia do mar que protege e que dinamiza a proteção dos ecossistemas marinhos; uma economia do mar que tem um impacto social muito grande em termos de criação de emprego, dinamização de competências e de novas tecnologias” . Por isso, garantir que o desenvolvimento da economia do mar não é meramente “extrativo”, mas, também, “sustentável” é o grande desígnio da Direção-geral de Política do Mar.
[blockquote style=”2″]Conhecemos menos de 5% a biodiversidade do mar[/blockquote]
De acordo com Helena Vieira, a nova Estratégia Nacional para o Mar (ENM) é o instrumento de política pública que define o “framework” no qual se vão desenvolver as atividades do mar na próxima década: “Esta estratégia diz que na próxima década a economia do mar deve ser desenvolvida em pleno equilíbrio e harmonia com um oceano saudável e que o oceano saudável é um pilar necessário para o desenvolvimento sustentável económico, ambiental e social”. Se hoje se vive numa década marcada por “ameaças globais”, como pandemias, alterações climáticas, perda de biodiversidade, novas formas de poluição ou acidificação, e se Portugal é “3% de terra” e “97% de mar”, a responsável é perentória: “Portugal não pode ter outro papel senão o de liderança pelo exemplo naquilo que é o desenvolvimento azul”. E, apesar da atividade no mar ter um filtro de “drama e acidente iminente” que são verdadeiros, Helena Vieira acrescenta um outro filtro: “Ainda vamos a tempo e podemos mudar o paradigma”. Nestas matérias, a Europa já deu “largos passos” e Portugal tem feito parte do papel de “liderança” nessa área, reconhece.
A ENM está, por um lado, alinhada com a Agenda 2030, Green Deal ou com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, por outro, tem identificados 10 objetivos estratégicos para a década. Além disso, tem ainda “13 áreas prioritárias de intervenção” que, segundo a diretora-geral da Direção de Política do Mar, estão relacionadas com os “setores e atividades da economia do mar” que vão ter um papel relevante na próxima década.
No decorrer da sua intervenção, Helena Vieira lembrou que a economia do Mar é a “terceira maior economia nacional” e, por isso, “muito vasta” em termos de áreas de atividade: “Representa, por exemplo, no setor agroalimentar o pescado e a fileira do pescado que é a componente com maior nível de exportações”. Contudo, “não quer isto dizer que a maioria das atividades da economia do mar não tenham um impacto negativo no ecossistema, que têm” declara, dando como exemplo, as “indústrias poluidoras”, os “transporte marítimo não verdes”, a “aquacultura intensiva” ou o “turismo em massa e não sustentável”. Mas, precisamente por se conhecer essa realidade que a próxima ENM está focada em “transformar uma boa parte destes setores em setores que terão que ser forçados a ser mais sustentáveis”, com “impacto neutro e positivo no ambiente” e muito deles “modernizados”. Para tal, será privilegiado o “financiamento público” dirigido a “setores que desenvolvam projetos que tenham a responsabilidade ambiental e a sustentabilidade como foco principal na sua atividade” ou outros que podem ser “verdadeiramente transformadores na forma como se faz negócios no mar”. A ENM vai dar ainda especial atenção ao “conhecimento” e ao “desenvolvimento científico”, declara Helena Vieira, alertando para a falta de literacia nos assuntos do mar: “Conhecemos menos de 5% a biodiversidade do mar e conhecemos menos de 1% daquilo que existe nos fundos marinhos”. Posto isto: “Sem conhecimento não se pode tomar decisões informadas”, remata.