“Quais as boas práticas de governança que devem ser seguidas para garantir a sustentabilidade económica, social e ambiental do setor?” Esta foi uma das questões colocadas no webinar “Valor não percecionado da água”, promovido recentemente pela Indaqua.
“Todos os países necessitam de abordar os serviços de água de forma integrada e holística: é um erro pensar que qualquer país resolve estes problemas porque arranja dinheiro ou porque faz obras”. Quem o diz é Jaime Melo Baptista, investigador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e Coordenador do projeto “Lisbon International Centre for Water” (LIS-Water), reiterando pela importância de ser criada uma “estratégia” e uma “visão global” de um setor que “extremamente complexo” e onde essas valências devem ser integradas, “embora, naturalmente, se saberá que o desenvolvimento deste setor passa por priorizar certas medidas relativamente a outras”.
Do ponto de vista do especialista, há vários pilares de preocupação que os países devem ter em mente. Um deles começa logo pela eficiência dos serviços, isto é, que sejam capazes de chegar às casas das pessoas, sendo importante que os Governos se preocupem com aspetos de “melhoria de acessibilidade física” da população a esses serviços e garantir que estes sejam “fiáveis” e “contínuos” no tempo. Além disso, a qualidade (quando chega a casa) tem de ser boa e as águas residuais resultantes do consumo de água têm de cumprir “padrões de descarga” quando são devolvidas ao meio natural. E, tratando-se de “infraestruturas complexas”, os governos têm de ter em atenção os “aspetos de segurança”, bem como a “crescente preocupação” à resiliência face às questões da ação climática: “Isto tudo tem que resultar em algo que os cidadãos possam pagar este serviço, ou seja, que haja uma celeridade económica razoável a esse serviço e também, que a distribuição desses custos pelos diferentes tipos de utilizadores esteja bem conseguida”, refere. Outro pilar de preocupação assenta na necessidade de tudo acontecer com os “custos mais baixos”. Tal objetivo acarreta, por parte do Governos, uma preocupação acrescida com a “eficiência hídrica” e “energética”, que cada operador esteja “bem organizado”, isto é, que seja moderno e que caminhe na direção da “digitalização”, e também que os “fundos disponíveis” sejam utilizados da forma mais otimizada. Um terceiro pilar passa por “garantir a sustentabilidade desses serviços no médio e longo prazo” do ponto de vista “económico ou financeiro” e do ponto de vista “infraestrutural”. Tal implica, segundo Jaime Melo Baptista, a preocupação em encontrar um “mecanismo” para que a “utilização dos recursos naturais” seja a “melhor possível”, ter “bons quadros em número e capacitação”, ter “boa informação” para tomar “boas decisões a longo prazo”, um “melhor conhecimento” e “mais inovação”. Por fim, “ser um agente de dinamização da minha sociedade” é o que define o quarto e último pilar de preocupação: “Esta é uma oportunidade para valorizar as empresas, criar startups e, assim, valorizar a economia. Falamos de um setor que é importante para introduzir a circularidade, a valorização ambiental, territorial e social”, sustenta. Jaime Melo Baptista atenta na necessidade de se explicar às pessoas o verdadeiro valor da água, algo que é “fundamental e tão evidente, mas tão longe de o conseguirmos realizar”. A valorização das pessoas que trabalham neste setor é também de extrema importância: “São os profissionais de um setor que tem uma diversidade de contribuições para muitos outros”. E esta transversalidade é assume um papel relevante, por exemplo, na “erradicação da pobreza e da fome”, na “contribuição para a agricultura”, na “educação”, na “ligação às energias renováveis”, no “trabalho digno e no crescimento económico”, na “indústria e nas infraestruturas”, na “promoção de cidades mais sustentáveis”, na “mitigação e na adaptação às alterações climáticas”, na “proteção da vida marinha”, na “defesa da vida terrestre e no ecossistema” e na “paz e justiça” no mundo. “Tudo isto tem um valor: é intangível? Não sabemos”, diz.
[blockquote style=”2″]Damo-nos ao luxo de comprar mais água engarrafada[/blockquote]
Portanto, quando se fala de “práticas de governança” propriamente ditas, Jaime Melo Baptista não tem dúvidas: “É olhar para estes problemas de forma integrada e global, saber identificar quais as oportunidades e, assim, conseguiremos ter serviços eficazes, eficientes e sustentáveis a médio e longo prazo e, no fim, que estes serviços tenham uma contribuição de valorização para a sociedade, em termos ambientais, económicos ou sociais”.
Abordando a “eficiência” do ponto de vista económico-financeiro, e tendo em conta a realidade, onde as receitas dos serviços de água não cobrem os gastos de quase metade dos concelhos portugueses, sendo algo que colocará em causa a sustentabilidade do setor, o engenheiro é perentório: “Temos de investir desesperadamente na resolução deste problema”. E a “lei da água” é, segundo o responsável, um “bom sinal” de que Portugal está “longe de funcionar como um país que cumpre a lei”. Por isso, “não regulamentar e não praticar a lei é um escândalo”, lamenta o investigador, constatando que, em Portugal, “somos bons a fazer leis e maus a cumprir muitas dessas leis. Temos que assumidamente e corajosamente ter um regulamento tarifário e ter mecanismos que o façam cumprir, assim como penalizações para quem não o cumprir”. Importante também é “ter regras” na lei “que digam que aquilo que recebemos – receitas – não serão transferidas para fazer rotundas, mas sim para aumentar a qualidade do serviço”, por exemplo. Jaime Melo Baptista destaca ainda ainda a necessidade de ter um “bom referencial nacional de tarifas sustentáveis e eficientes”, assim como “formações de capacitação” em matérias de tarifários. E, por fim, a “criação de um sistema racional de recuperação de custos” de águas pluviais: “É um escândalo, hoje em dia, não se saber nada sobre águas pluviais”, lamenta.
No meio da “falta de perceção do valor da água e da aceitação do seu preço”, Jaime Melo Baptista dá nota que Portugal continua a ser um país com elevada (e comprovada) qualidade de água. No entanto, o investigador partilha uma reflexão: “Os portugueses consomem 14 vezes mais água engarrafada do que a Suécia; oito vezes mais do que a Finlândia; sete vezes mais do que a Dinamarca; cinco vezes mais do que a Alemanha; e três vezes mais do que o Reino Unido. Faz sentido, se temos uma água de elevada qualidade, darmo-nos ao luxo de comprar mais água engarrafada?”, remata.