Portugal é o segundo país a nível mundial com maiores exportações conhecidas de carne de tubarão e o sexto maior importador de carne de raia em termos de volume. A conclusão é de um mapa interativo da ANP|WWF que mostra a sobre-exploração, as rotas de comércio global dos principais produtos à base de tubarões e raias (carne e barbatanas), e o impacto causado pelo país no estabelecimento de pontes comerciais entre grandes importadores e exportadores, como o Brasil, Itália, Espanha e Namíbia.
“O comércio mundial à base de tubarões e raias está a esgotar estas espécies, e movimenta mais de 4 mil milhões de dólares anualmente, envolvendo mais de 190 países ou territórios. O valor resultante do comércio de carne de tubarão e raia é atualmente quase o dobro do valor do comércio das suas barbatanas, apesar destas terem muito mais atenção mediática”, partilhou Ângela Morgado, diretora executiva da ANP|WWF, que acrescentou que “este comércio é pouco regulado, não transparente e perpetua a exploração destas espécies de uma forma pouco saudável para elas e para nós, já que o equilíbrio do ecossistema depende em larga escala delas”.
Espanha é o principal parceiro comercial de Portugal no que toca a tubarões e raias: “95% das importações de carne de raia vêm de Espanha e 75% das exportações de Portugal de carne de tubarão vão para Espanha”, indica o mapa.
Para Ana Henriques, especialista em Oceanos e Pescas na mesma ONG, “implementar medidas para a proteção dos tubarões e raias em Portugal tem o potencial para afetar toda a rede comercial global, o que justifica a criação de um Plano de Ação Nacional para a Gestão e Conservação dos Tubarões e Raias, que colocaria Portugal na liderança europeia da proteção destas espécies, dando o exemplo a outros países europeus importantes no comércio, como é o caso de Espanha e Itália, para que reforcem e melhorem a proteção a estas espécies tanto ao nível da pesca como do seu comércio”.
Apesar do papel desempenhado pelo país ser maioritariamente de exportação, principalmente no que toca a tubarões, a ANP|WWF alerta ainda que o consumo também acontece em Portugal, muitas vezes de forma escondida. Para o demonstrar, a ONG criou um guia de consumo que refere as dezenas de pratos gastronómicos à base de tubarões e raias que estão a ser consumidos em Portugal, e os nomes comerciais mais comuns que, principalmente em relação aos tubarões, não permitem identificar diretamente a espécie consumida (como por exemplo, cação, tintureira, e pata-roxa). Além da gastronomia, os produtos à base de tubarão e raia (que são extraídos de diferentes partes do corpo) têm aplicações na cosmética, farmácia, alimentação animal, suplementos alimentares, uso industrial, produtos decorativos, entre outros, alerta a Associação.
De acordo com a ANP|WWF, este trabalho vem no seguimento do lançamento do relatório Guardiões do Oceano em Crise, em 2021, onde a ONG apontava para a necessidade de adoção de medidas que minimizem as principais ameaças, a nível da pesca e comércio, assim como de reforçar questões de governança, por exemplo, melhorando a monitorização e controlo da pesca, e implementando boas práticas a bordo que melhorem a sobrevivência dos indivíduos libertados ao mar. Desde esse relatório, o anterior executivo deu início à criação de um Plano de Ação Nacional de Gestão e Conservação de Tubarões e Raias, que agora deverá transitar para o novo executivo e ser colocado para discussão com os diferentes intervenientes, para que seja rapidamente iniciada a sua implementação.
A ONG recorda que o relatório alertou que das 117 espécies que se conhecem nas nossas águas, quase metade encontra-se já ameaçada, o que, para Ana Henriques, “é um sintoma claro da sobre-exploração marinha, com repercussões no equilíbrio, produtividade, resiliência e capacidade do Oceano para mitigar os efeitos das alterações climáticas. Os tubarões e raias são muito mais importantes no Oceano do que no nosso prato. Para reverter esta situação, precisamos urgentemente de desenvolver e implementar um Plano Nacional de Ação que os proteja, tal como foi prometido pelo anterior Governo”.
Financiado pela Fundação Oceano Azul, este projeto insere-se no programa de capacitação de ONGs, instituído pela Fundação em 2019, cujo objetivo é contribuir para a sustentabilidade do oceano e para a adoção de políticas de conservação, capacitando a ANP|WWF no processo de evolução para uma ONG ainda mais focada na conservação do oceano.