É reconhecido, com explicação científica, que 97% do território de Portugal é mar, e que apenas 3% é continente e ilhas. Porém, o novo Programa do Governo apresentado em 194 páginas, apenas dedica 7 ao mar de Portugal (3% das páginas do documento). A Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020 estabeleceu que o mar é um desígnio nacional. A estratégia para 2020-2030 ainda não foi publicada, mas tudo indica que deve seguir a mesma visão.
Segundo dados de 2017 publicados pela Direção-Geral dos Assuntos Marítimos e das Pescas, responsável pelas políticas da Comissão Europeia nesta área, a economia azul portuguesa empregou neste ano cerca de 180.900 pessoas e gerou quase 4,1 mil milhões de euros em VAB. O relatório conclui que o turismo costeiro liderou os resultados alcançados, representando 74% do total de empregos na economia azul e 66% da riqueza gerada. O setor dos recursos vivos foi também um importante contribuinte, representando 20% dos empregos na economia azul e 19% do VAB. Em números gerais, a economia azul portuguesa representou 4% do total do emprego nacional e 2,4% do VAB total do país.
Segundo o relatório, o transporte marítimo ofereceu apenas 1.300 postos de trabalho e gerou um VAB de 69 milhões de euros. Porém, estes números estão subestimados, dado que não contabilizam muitos portugueses que trabalham em navios de cruzeiros. De facto, grande parte destes não tem acesso à inscrição marítima em Portugal (trabalham sem cédula marítima nacional), pelo que não são contabilizados nos números oficiais da União Europeia ou de Portugal.
O Programa do XXII Governo Constitucional 2019-2023, apresentado ao longo de 194 páginas, dedica 7 a temas relacionados com o mar. Entre os temas abordados incluem-se a aposta no seu potencial e na digitalização da economia do mar, através da otimização da governação, da garantia do ordenamento e da sustentabilidade dos recursos marinhos, do apoio à pesca e aquicultura inovadora e sustentável, do desenvolvimento de uma economia azul circular, da descarbonização do transporte marítimo, do reforço da observação e investigação oceânicas, da renovação do simplex do mar, e do impulso na digitalização do oceano.
Uma leitura atenta revela, na maior parte dos temas, a continuidade de projetos já iniciados no passado, sendo notória a ausência de projetos realmente visionários, de longo prazo, ao nível do desígnio preconizado e verdadeiramente mobilizadores da indústria e do capital.
Também ausente, o necessário foco no ensino e na formação marítima nacional, com enormes carências estruturais e organizacionais identificadas, sem vantagens competitivas sobre a oferta internacional que não pára de crescer e de inovar. São hoje muitos os portugueses a procurar ensino e formação no Reino Unido e em Espanha, com oferta em calendário e qualidade distintivas.
Em questões realmente importantes e estruturais, também as pessoas foram esquecidas, continuando-se a aplicar uma visão de século XX, sem valorização das pessoas que trabalham a bordo de navios e de plataformas. Falta implementar uma efetiva política de segurança social e uniformizar benefícios fiscais para todos os marítimos e não apenas para alguns, dependendo da bandeira dos navios onde trabalham. Por fim, travar a discriminação atual, que não permite que muitos portugueses concretizem a inscrição marítima.
Pelo estabelecido no atual Programa de Governo, não se preconiza qualquer investimento num verdadeiro plano de comunicação estratégica. A economia azul nacional leva assim um rumo incerto, ditado mais por correntes e ventos, e menos por ambição e vontades. Sem comunicação, a concretização do desígnio Portugal é mar, terá de esperar por maior comando.
Falta agora analisar as Propostas de Lei de Orçamento do Estado e de Grandes Opções do Plano para 2020, e quantificar as verbas atribuídas à economia azul, para perceber até que ponto o mar de Portugal é de papel.