Diz-se que ser-se empreendedor é olhar para algo e transformar isso em algo útil para os outros. E Portugal tem sido um local que consegue acolher os empreendedores de uma forma única. Segundo o último estudo sobre Empreendedorismo “Portugal, The Best Place to StartUp”, em 2020, havia cerca de 2 159 startups no país, com grande parte delas a localizarem-se nas regiões Norte e Centro do País e com um modelo de negócio Business2Business e focadas no mercado internacional.
No caminho rumo ao sucesso, o verbo “falhar” surge muitas vezes no percurso. No entanto, há locais que podem ajudar nos primeiros passos de um negócio: são designadas de incubadoras ou aceleradoras de empresas ou, de forma simplista, consultoras. Há dezenas pelo país, prestando serviços de mentoria, formação, network e financiamento a startups para que estas possam começar os seus negócios. Mas qual será o verdadeiro papel destas incubadoras na orientação de projetos ligados ao ambiente e à sustentabilidade? Continua a ser possível inovar na área do ambiente E qual o futuro deste setor? A Ambiente Magazine foi ao encontro de quatro entidades que prestam serviços nesta área.
[blockquote style=”2″]“A história portuguesa é rica em ações que têm muito de empreendedoras”[/blockquote]
Há quase 30 anos que o Centro de Inovação de Ciências da Universidade de Lisboa (TecLabs) se assume como o polo que agrega o conhecimento produzido na Faculdade de Ciências (FCUL), gerando uma faturação de 27 milhões de euros por ano, “promovendo e operacionalizando a formação na área do empreendedorismo, inovação e transferência de tecnologia” para a sociedade. Jorge Maia Alves, subdiretor da FCUL e responsável pela área de Empreendedorismo e Inovação, considera que Portugal se tem afirmado na investigação a nível europeu e o que o desafio passa por colocar este trabalho ao serviço da economia, até porque, “tradicionalmente, as pessoas envolvidas são pouco sensíveis à importância da transferência dos resultados da sua investigação para a sociedade, nomeadamente, no que se refere à sua valorização económica”. Assim, o papel passa por informar e sensibilizar “para um conjunto de boas práticas associadas a essa atitude”, além de “abrir vias de comunicação para o contacto com mentores e potenciais investidores, munindo-os das ferramentas necessárias para singrar com sucesso nesses caminhos”, considera o membro da equipa da TecLabs.
O desafio tem sido superado, com Portugal a afirmar-se como uma “Startup Nation”, algo muito “potenciado pela qualidade do ensino em Portugal”, mas também pela “capacidade de atrair cada vez mais empresas, empreendedores, talento e investimento internacional para o país e, também, pelo desenvolvimento franco de um ecossistema de estímulo e apoio ao empreendedorismo”. O país pode ser “um importante centro europeu de inovação”, mas é preciso organização, tal como já aconteceu no país: “A história portuguesa é rica em ações que têm muito de empreendedoras como, por exemplo, a epopeia dos descobrimentos. Este é, aliás, um bom exemplo que mostra que a junção de um conhecimento científico sólido com a motivação económica, quando bem servida por um nível de organização a que só dificilmente chegamos, pode dar muitos e bons frutos”, nota o responsável.
[blockquote style=”1″]“Num ambiente insular, é fundamental apoiar a inovação”[/blockquote]
Reúne uma equipa que trabalha o empreendedorismo há 25 anos, incentivando a diversificação da base económica da Região Autónoma da Madeira. Este é o objetivo primordial da Startup Madeira, uma estrutura de apoio ao tecido empresarial da região que dispõe de duas incubadoras além de outros serviços: “Não só acompanhamos os empreendedores desde a ideia ao negócio, desenvolvendo projetos desde o ambiente escolar, programas de mentoring, capacitação, aceleração, e inovação empresarial, como também atuamos no apoio na obtenção de capital de risco”, explica Carlos Soares Lopes, presidente executivo da Startup Madeira. O objetivo do projeto é claro: “O papel da Startup Madeira é criar as condições para que os empreendedores e empresas inovadoras tenham oportunidades para desenvolver os seus sonhos e projetos”, sublinha.
Recebendo candidaturas de diferentes áreas e setores, o responsável considera que as características da região afetam a forma como os projetos se desenvolvem: “A realidade insular induz a que a maioria das empresas, que fazem parte das nossas incubadoras, atuem no setor dos serviços digitais”. No entanto, estes projetos têm uma “crescente preocupação” para terem uma “componente cada vez mais sustentável”. Carlos Soares Lopes acrescenta que a própria estrutura terá uma atuação mais sustentável: “O Mar e soluções inteligentes para as ilhas são também duas das áreas onde a Startup Madeira irá atuar, através de dois Digital Innovation Hubs, onde participa com mais de cinco dezenas de parceiros nacionais”. A acrescentar a isto, está também a constituição de um Living-Hub na região que permitirá criar “um conjunto de oportunidades” que “estimulem a criação, adaptação e requalificação de projetos relacionados com economia circular, energias renováveis e sustentabilidade”.
Tendo em conta o panorama animador, o responsável olha para o país como tendo o ecossistema que traz mais empreendedores: “Com eventos de grande relevo internacionais, como o Web Summit, Portugal torna-se cada vez mais atrativo para empreendedores, startups e captação de investimento. A qualidade de vida, acompanhada por boas infraestruturas, ligação de comunicação de última geração e comunidade, são também benefícios para atrair nómadas digitais”, frisa.
[blockquote style=”1″]“O Estado tem vindo a introduzir-se cada vez mais na vida económica do país”[/blockquote]
Arrancou como startup em 2004. Hoje, a AmbiPrime assume-se como uma consultora ambiental cujo principal papel é “informar os proponentes do contexto legal ambiental existente em Portugal e das melhores práticas ambientais para a atividade em causa”, diz Rui Ferreira, sócio da empresa.
O empreendedorismo é uma realidade desde há muitos anos e que “está para ficar”. Com este cenário, o apoio de uma consultora em todos os aspetos do lançamento de um projeto “pode mostrar-se relevante. Durante a fase de arranque de uma atividade, a AmbiPrime pode apoiar em diversos aspetos tais como em processos de licenciamento industrial, licenciamento ambiental e licenciamento de operações de gestão de resíduos”, exemplifica. E o país tem capacidade certa para que as startups ligadas ao ambiente e à sustentabilidade tenham sucesso, visto que tem “uma diversidade de fatores a seu favor, tais como a geografia, o clima, a paisagem, as infraestruturas existentes, os serviços disponíveis, a segurança e, principalmente, socioculturais já que a população portuguesa aceita e apoia cada mais vez projetos”, considera.
Mas há desafios e constrangimentos no empreendedorismo em Portugal. Rui Ferreira considera que a presença estatal na economia não é benéfica: “O Estado Português tem vindo, paulatinamente, ao longo das últimas décadas a introduzir-se cada vez mais profundamente na vida económica do país. Julgo que foram já ultrapassados os limites saudáveis dessa intromissão”. Para o empresário, a “sociedade e as atividades económicas” devem poder “fazer uso do seu poder criativo e decisório para que a nação possa tomar vantagem dessa inteligência descentralizada”. Além disso, os “custos de contexto” também acrescentam bloqueios no empreendedorismo: “Os custos burocráticos, a quantidade de requisitos técnico-legais que necessitam ser cumpridos, as taxas, as vistorias, etc. formam uma âncora nos negócios”, sublinha.
[blockquote style=”1″]Portugal é um “campo de oportunidades”[/blockquote]
A ecosphere é um exemplo de uma startup que arrancou a partir de uma incubadora. Há 20 anos no mercado, a empresa evoluiu e tem prestado serviços de consultoria a projetos e empresas em matéria de ambiente e recursos naturais: “O papel foi de orientar no concurso a projetos, na filosofia e políticas de financiadores, no estabelecimento e participação em consórcios internacionais, no modo de trabalhar noutros países, etc.”, salienta José de Bettencourt, diretor da ecosphere, que acrescenta que a consultora tem estado envolvida em várias iniciativas de incubação. Mas vai frisando: “Não somos incubadora”.
Aquando do início da ecosphere, a empresa deu os primeiros passos na incubadora Tagus Park: “Sentimos que, sobretudo, nos ajudou pela renda, não tanto por outras atividades. Não sentimos um real espírito de incubadora”, admite. Talvez por isso, a consultora tem uma filosofia em que a forma de orientar é os negócios seja o de “dar liberdade à inovação”, sem esquecer os aspetos necessário à operacionalização de um plano: “Falando do ponto de vista de startups ligadas a ambiente e recursos naturais, as pessoas promotoras têm boas ideias técnicas, mas, muitas vezes, falta-lhes conhecimentos de gestão e presença no mercado. Questões de internacionalização, de patentes, informação quanto a requisitos legais, incentivos fiscais e fundos são várias áreas em que o apoio é necessário”, exemplifica. E nesta área do ambiente, José de Bettencourt diz que Portugal é um “campo de oportunidades”: “É dotado de uma diversidade geológica (como rochas ou fontes hidrotermais) e biológica ligada ao mar e, em terra, há muita inovação que se pode fazer ligada a florestas, agricultura, etc,”. A tudo isto, soma-se a “crescente abertura das universidades para colaborar com as empresas e centros de competências que vão sendo criados”. Mas o empreendedorismo em Portugal, apesar do potencial do país, ainda “se debate com imensas dificuldades”. O diretor da consultora afirma que um dos principais problemas é a organização dos fundos de apoio: “As ‘caixinhas’ em que os fundos estão compartimentados não permitem que projetos inovadores e multifacetados sejam apoiados. Além disso, toda a fase de avaliação é muito opaca”, sustenta.
Este artigo foi incluído na edição 94 da Ambiente Magazine