Populações ainda temem uso de águas residuais tratadas

O reforço da reutilização de águas residuais, numa fase ainda incipiente em Portugal, foi uma das alternativas defendidas ontem, no âmbito do seminário “Economia Circular da Água”, como forma de preservar os recursos hídricos da região de Setúbal e do País.

O encontro, inserido no ciclo de seminários promovido pelo Instituto Politécnico de Setúbal (IPS) por ocasião das comemorações do seu 40.º aniversário, reuniu na Escola Superior de Tecnologia de Setúbal
(ESTSetúbal/IPS) vários especialistas sobre o ciclo da água de abastecimento público, serviços de saneamento e regadio, numa abordagem centrada na qualidade de vida dos cidadãos e numa gestão
mais sustentável da água, face às consequências das alterações climáticas.

Da parte da Agência Portuguesa do Ambiente – Administração da Região Hidrográfica do Alentejo (APA-ARH Alentejo), que cobre os rios Guadiana, Sado e Mira, foram deixadas as metas definidas pelo Governo nesta matéria e o que está a ser feito para lá chegar.

“Neste momento, apenas 1, 4 por cento das águas residuais das 52 maiores ETAR do País, o que corresponde a dois milhões de metros cúbicos de efluente anual, está a ser reutilizado. O objetivo é que,
dentro de cinco anos, alcancemos os 10%, e, dentro de 10 anos, os 20%”, explicou um dos representantes da APA-ARH Alentejo, Rui Sequeira, elencando como grandes constrangimentos a segurança, para a saúde e o ambiente, e a aceitação pública.

Nesse sentido, considerou, urge “regulamentar e informar a população”, estando já em fase de consulta pelos vários ministérios uma proposta de diploma legal que “pretende salvaguardar que a reutilização de
águas residuais seja aplicada com as melhores condições de segurança, fazendo face a problemas de saúde pública”.

O responsável sublinhou ainda que o que está em causa são apenas os usos não potáveis. “Ninguém vai consumir esta água”, garantiu, dando o exemplo de alguns projetos de reutilização já implementados na área de abrangência da ARH Alentejo, em que a água residual tratada é “reutilizada dentro das próprias instalações, ou para a lavagem de pavimentos, ou para a rega de jardins, ou para a rega de culturas”.

A um possível “regadio circular”, assente, entre outras medidas, na reutilização de águas tratadas para uso agrícola, Gonçalo Rodrigues, do Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio (COTR), mencionou como uma das principais barreiras “a mentalidade das populações e o medo”. O responsável deu o exemplo do projeto piloto REUSE, implementado na ETAR de Beja para rega de um pomar de romãs, que se debateu com “a procura de um agricultor disposto a utilizar águas tratadas na sua exploração”, quando a água do Alqueva, ali mesmo à mão, “sai da torneira com muito mais garantias, à partida, dentro daquilo que é o seu conhecimento”.

Também Filipe Ruivo, da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), reconheceu a insipiência desta medida que, não sendo uma solução para a escassez de água, surge como uma contribuição importante para uma gestão mais sustentável deste bem. “Vamos ter que aumentar o nível de reutilização das águas residuais urbanas. É o nosso grande desafio neste setor”, afirmou, dando conta dos números de 2017, ainda pouco expressivos. “Foram tratados 630 milhões de metros cúbicos de águas residuais, mas apenas 9 milhões (1, 4 por cento do total) foi reutilizado”.

Várias entidades municipais participaram também neste encontro, tendo sido possível visitar, no final do evento, uma exposição de posters sobre o ciclo urbano da água, nomeadamente nos concelhos de Almada, Barreiro, Moita, Palmela, Seixal e Setúbal, que estará patente no edifício ESTSetúbal/IPS até ao final do mês.