“Questões críticas – como impulsionar o aumento de potência renovável em Portugal?” esteve em destaque na Portugal Renewable Energy Summit 2021, a conferência anual da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis). Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN e moderador do debate, deu início à sessão, pedindo aos intervenientes para partilharem recomendações que tornem exequível a Portugal atingir as metas do atual PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima) antes da sua revisão em termos de potência instalada, quando se sabe de antemão que ainda não se conseguiu incorporar essa potência a instalar nem as necessidades para a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2), nem a nova ambição climática de redução de emissões em 55% com base em 2005.
Não é só em Portugal, mas também por toda a Europa, que o acesso à rede é um problema cada vez maior, assim como a forma de acesso aos projetos de capacidade de ligação à rede é complexa: “Em Portugal, os formatos em que se dá essa ligação não são compatíveis no sentido de assegurar que os projetos vão ser executados e, de alguma forma, reserva-se muito a capacidade para projetos que podem eventualmente não se reservar e depois os agentes não podem beneficiar dela”. A ideia é partilhada por Duarte Bello, membro do Conselho Executivo e Membro da Equipe de Gestão da EDP Renováveis, destacando que a metodologia de acesso à rede, além de ter que ser “flexibilizada em termos de timings”, tem também que, em termos de características, “casar bem” onde existe disponibilidade com projetos que já têm algum grau de certeza de ocorrerem. A simplificação da legislação do processo de tramitação é outro aspeto: “Portugal não está pior nem melhor, estamos todos aquém do que precisamos”. Prova disso é que “fazer um projeto renovável hoje é muito mais difícil do que era antes. E hoje precisamos muito mais de projetos renováveis do que precisávamos antes”, atenta. A estabilidade regulatória e remuneratória é um “tema transversal” que, segundo Duarte Bello não tem que ver com “nenhum apoio específico”, mas com a necessidade de se conseguir “estabilidade e previsibilidade”, constatando que “há um tendência de tentar mudar as regras do jogo a meio de jogo: são sinais que retiram confiança e, além de retirar a confiança, aumenta o custo porque o principal custo das renováveis é o investimento”. Assim, para se conseguir ter um “custo competitivo” é fundamental conseguir tal “previsbilidade”, sucinta.
No que diz respeito à capacidade de ligação à rede, José Grácio, presidente do Conselho de Administração da Trustwind, deixa um alerta: “Este ano, vão sair do sistema 1,8 GW de carvão e para substituir esta capacidade será necessário, no mínimo, três vezes de capacidade instalada, obrigando a rede a estar preparada para que, em diversos pontos do país, possa vir a receber essa capacidade”. Na visão do responsável, a rede vai ficando “muito lentamente” preparada, havendo projetos em locais interessantes onde haverá dificuldade em conseguir essa mesma ligação à rede para se aumentar capacidade: “É importante aumentarmos a capacidade porque as alternativas são manter energias fósseis ou importação”. Na questão do licenciamento, aquilo que se verifica é que há uma “sobrecarga daquilo que são entidades licenciadoras” em Portugal: “Temos de obter várias licenças em várias fases para que um projeto venha a ser desenvolvido”. E a “falta de capacidade de resposta”, leva a que os projetos se desenvolvam em vários anos, lamenta. José Grácio lembra que os projetos renováveis só são amortizados em cerca de 30 anos, e mesmo que, em determinadas fases, haja incentivos para que se desenvolvam, aquilo que se tem verificado é que, passados alguns anos, há “mudanças nas regras do jogo” quando ainda não estão sequer amortizados: “Tem de haver uma visão de longo prazo”, declara.
[blockquote style=”2″]E-REDES complica de forma significativa muitas operações em curso com uma voracidade de fiscalização que não lhe compete[/blockquote]
Há pelo menos dois obstáculos na expansão das renováveis em Portugal: “Por um lado, tem que ver com a implementação de novos projetos do ponto de vista de licenciamento e, por outro lado, a procura de novos projetos”. Nesta última, João Manso Neto, CEO da Greenvolt, defende que este tipo de investimentos sejam baseados em contratos de longo-prazo: “Ter um esquema programado a médio-prazo para os leilões e um incentivo mais claro às PPA (Power purchase agreement) em termos de privados”. Relativamente às regras de acesso à rede, o CEO da Green Volt constata que não são eficazes: “Demoram sempre muito tempo e, em alguns casos, até que ponto os privados não poderiam fazer o investimento segundo os padrões da rede: há que pôr celeridade”. Olhando para a questão ambiental propriamente dita, João Manso Neto é perentório: “Não nos iludamos: as dificuldades ambientais existem, vão existir e vão ser cada vez piores em todo o lado”. E a descarbonização não é só as renováveis: “Há uma outra componente que se chama biodiversidade”, alerta.
Álvaro Brandão Pinto, CEO da Generg, partilha a ideia dos processos de licenciamento serem morosos e complexos: “Neste momento, têm uma capacidade de respostas inesperada”. Mas, há um aspeto que em muito tem dificultado o processo: “Alguns operadores aparecem quase a substituir as entidades licenciadoras, impondo regras, interpretando leis e regulamentos e condicionando o desenvolvimento das operações de investimento ou até das operações dos ativos que já estão com licença atribuída”. O CEO da Generg refere-se à E-REDES, constatando que, neste momento, “complica de forma significativa muitas operações em curso com uma voracidade de fiscalização que não lhe compete”. Uma outra recomendação é a “otimização dos critérios de interligação de potência renovável”, onde se deve “aproveitar soluções como a hibridização: temos de ser capazes de poder injetar mais energia de origem renovável na rede sem, com isso, induzir custos de investimento na infraestrutura de distribuição ou de transporte, porque depois acabará no custo que pagam todos os consumidores”. Aquilo que Álvaro Brandão Pinto defende são “critérios de otimização da interligação de potência, beneficiando da lógica de hibridização ou, até, de sistemas de armazenamento de energia”. Já sobre o enquadramento económico aplicável para as operações de investimento, o responsável é da opinião que o mesmo se deve configurar de tal forma que tenha em conta a racionalidade do negócio que está em causa. Olhando para a fase atual do mercado da eletricidade, com preços elevados de eletricidade, o responsável atenta na importância de se “criar um sistema onde as instalações que se venham a realizar sejam remuneradas tendo em conta o respetivo custo de produção”, isto é, que “o custo da eletricidade é o adequado face aos serviços energéticos e ambientais que cada tecnologia de produção disponibiliza” e que “o preço a pagar pelo consumidor seja sustentável e tenham alguma estabilidade”. Com este sistema, “ficamos salvaguardados de crises periódicas” como a atual, que “penaliza os consumidores”, que “paralisa por períodos longos intenções de investimento” e que “leva à falência de alguns operadores”, alerta.
[blockquote style=”2″]Há vontade para investir neste setor em Portugal, mas o capital destrói-se quando se quebra o princípio da confiança [/blockquote]
Dos constrangimentos que podem causar o incumprimento dos objetivos do PNEC, Pedro Norton, CEO da Finerge, olha para as redes com um problema de investimento e de infraestrutura do país, onde, dificilmente, os promotores podem resolver por si só. Contudo, “vejo com bons olhos as ideias dos acordos com os operadores de rede”, sendo que vai permitir “acelerar investimentos que de outra forma não seriam feitos”. Já sobre a morosidade do licenciamento, o responsável partilha a mesma ideia dos restantes oradores: “Temos processos desnecessariamente complexos que têm que ser instruídos de forma sequencial”. Isto significa “desburocratizar a montante”, deixando de ser preciso “dois anos” para se licenciar um projeto de energia renovável: “Isto atrasa o cumprimento das metas”. Aliás, este problemas, durante a pandemia, multiplicaram-se: “Tivemos durante vários meses sem qualquer tipo de interlocução”, alerta. O tema ambiental é um “esforço que deve ser coletivo”, constando que “há cada vez mais dúvidas da população em relação aos projetos renováveis”, sendo que a “parte da solução tem que vir do lado dos promotores”. Tal “pressupõe uma solução sistémica”, caso contrário “corremos o risco de quebrar aquilo que, apesar de tudo, tem sido um consenso nacional” em torno das energias renováveis: “O pior que podia acontecer é não termos a inteligência de impedir que se quebrasse este consenso e até se politizasse muito este tema”. Quanto à estabilidade regulatória, a ideia de Pedro Norton é clara: “Se nós não vivermos num ambiente de estrita confiança, não vale a pena resolver os problemas de licenciamento”. Aquilo que a Finerge verifica é que “há vontade para investir neste setor em Portugal, mas o capital destrói-se quando se quebra esse princípio da confiança e esse princípio destrói-se com medidas retroativas que defraudam as legítimas expectativas de quem decidiu investir e arriscar neste país”, remata.