Planeta precisa de uma circularidade ecossistémica e de Governança, defendem especialistas
A conferência internacional “Alterações Climáticas – Novos Modelos Económicos”, realizada, esta sexta-feira, no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, juntou vários especialistas nacionais e internacionais para debater sobre a contribuição de novos modelos económicos, incluindo a economia circular e a bioeconomia sustentável.
Para Inês dos Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente, é preciso “dar um passo atrás” para perceber o quão importante é a economia circular, independentemente, daquela ideologia que sempre assentou numa abordagem linear (extrair, utilizar, consumir e descartar): “Há necessidades básicas que têm de ser consideradas”, reclama. A ideia de “crescer primeiro e, depois, tratamos da poluição ou das desigualdades” nunca foi descartada: “O PIB tornou-se o indicador de excelência do desenvolvimento económico”, atenta. E numa “situação de desequilíbrio profundo”, diz a responsável, a economia circular, tal como as renováveis não são a “solução mágica” mas sim as “peças de um puzzle maior” constituído por todas as outras peças: “A circularidade da economia é apenas um elemento necessário para garantir o bem-estar para todos sem esquecer as limitações do planeta”, sustenta.
De acordo com a secretária de Estado do Ambiente, o valor da economia circular não é visível e passa pela “transformação da arquitetura económica e social existente” para se reduzir o consumo de energia e materiais: “Se os reduzirmos também vamos reduzir a poluição e os resíduos e regenerar os sistemas ambientais”. Por isso, “temos de desenhar pensando numa produção, utilização e gestão” que seja capaz de “aumentar a resiliência de todos os recursos ao longo do tempo no sistema de consumo” e com “mais durabilidade, mais locais, não tóxicos, com base em energias renováveis e que devolvam mais ao sistema natural”, declara. Se todos estes princípios forem aplicados no sistema de cadeia de valor, desde o início ao fim do ciclo de vida, Inês dos Santos Costa acredita que será possível alcançar os objetivos climáticos: “Se essa mudança de paradigma não for feita, não surtirá o efeito desejado e continuaremos com o mesmo modelo linear do passado”. Assim, quando se concebe “estratégias ou políticas económicas e sociais” para se alcançar os “objetivos pretendidos”, não podem ficar esquecidos os “princípios de circularidade”, sustenta.
[blockquote style=”2″]Temos de perceber onde está o valor acrescentado[/blockquote]
Já Kate Raworth, associada sénior do Environmental Change Institute da Universidade de Oxford, não tem dúvidas de que a mudança de paradigma trata-se de uma “missão da humanidade” do século XXI. Para a responsável, a “questão social” é o desafio central, sendo que as preocupações ecológicas estão à sua volta: “Temos de apostar na redução da camada de ozono, na acidificação dos oceanos e nos recursos naturais, de forma a que consigamos prosperar”. E, para tal, é essencial “passar de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo e circular”, onde os produtos vão continuar a ser utilizados mais do que uma vez: “A natureza precisa de uma circularidade ecossistémica e, para isso, temos que ter tecnologia e conhecimento comum”, sendo esta “uma oportunidade única”, declara.
A “nova circularidade” vai precisar de regulamentação e regulação, explica Kate Raworth, dando nota que, algumas cidades já estão a criar planos circulares. Uma “parte central de uma economia moderna” passa exatamente pela União Europeia reconhecer o “direito a reparar os equipamentos e apelar a essa necessidade”, diz, reconhecendo que a Europa não está a avançar rápido o suficiente: “Temos que ter um impacto e agir rapidamente”. E isso resume-se também ao “design” e às “estruturas das instituições”, isto é, “estruturar de forma diferente”, atenta. Se a Comissão do Parlamento Europeu do Ambiente definiu o objetivo e as metas, agora é preciso passar à prática: “É preciso que haja redes, governança e apropriação para que haja também responsabilização”. E se se continuar a apostar numa economia baseada no “lucro financeiro” não haverá maneira de avançar: “Temos de perceber onde está o valor acrescentado”, sucinta.
[blockquote style=”2″]Obrigatoriedade das ações climáticas serem integradas nas políticas empresariais[/blockquote]
Peter Bakker, CEO da World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), defende que não é possível ter uma economia que não seja sustentável: “Temos de repensar a maneira de pensar”. Embora, haja uma maior consciência por parte das empresas na aposta da eficiência dos materiais e da sua circularidade, o responsável destaca a importância de se reunir as “competências necessárias” e perceber, em inclusive, o que é que se está a passar com as licenças: “Temos de passar de um circularidade compartimentada para aumentar a penetração das redes e tentar chegar a um circularidade ecossistémica”. Ainda assim, Peter Bakker reconhece que já têm sido feito saltos do ponto de vista das empresas que começam a “colaborar transversalmente” nos ecossistemas para chegar a soluções: “Nas cadeias de valor começa-se a ver a colaboração entre os vários atores”.
O responsável defende a obrigatoriedade de que as ações climáticas sejam integradas nas políticas empresariais, algo que também acontecerá com a circularidade: “Como é que podemos aferir o progresso feito pelas empresas e como é que o mercado de capitais pode alocar o financiamento com base nos critério”, atenta, ressaltando que “tudo isso tem que ser definido ligando aos três desafios: perdas de biodiversidade, alterações climáticas e redução da pobreza”. À circularidade, soma-se a “importância da ciência para saber onde é possível fazer progressos”, diz, destacando a relevância da “regulamentação” por parte do Governo.
[blockquote style=”2″]Investe-se e procura-se os resultados de curto prazo[/blockquote]
Para Sasja Beslik, diretor geral do banco J. Safra Sarasin, é essencial pensar no setor económico antes de se começar a procurar as soluções: “A indústria financeira é uma caixa de ferramentas mundial que serve para muitas coisas”. E, atenta, ao longo dos anos, provou-se o que significa quando é mal utilizada e as suas consequências: “A atual indústria financeira e a caixa de ferramentas ainda não estão alinhadas com as necessidades para a transição de um futuro sustentável”. De acordo com o responsável, a “caixa de ferramentas” ainda tem questões relacionadas com a propriedade: “Investe-se e procura-se os resultados de curto prazo”, sendo esse um “grande desafio para a indústria” e, no contexto de mudanças sistémicas, “temos de encontrar formas de repensar o propósito, a finalidade do sistema financeiro global e das metas para essa caixa de ferramentas”. Grande parte dos modelos empresariais ao nível mundial ainda não estão conforme as necessidades: “Para uma sociedade circular, os modelos devem considerar o modo como utilizamos o investimento em todo o mundo”, declara.
[blockquote style=”2″]Quando se pensa em mitigações climáticas não se pode perder de vista as implicações relacionadas com os fluxos de materiais[/blockquote]
Pedro Conceição, diretor do Gabinete do Relatório do desenvolvimento humano do Programa de desenvolvimento das Nações Unidas, destaca a necessidade de “ligar as alterações climáticas à economia circular”, alertando para a “importância do impacto” que a transição para as energias renováveis vai ter na procura de materiais: “Sabemos que os processos de extração dos materiais implicam não só a emissão de CO2 como também graves ameaças à biodiversidade”. E quando se pensa em “mitigações climáticas” não se pode perder de vista as “implicações relacionadas com os fluxos de materiais”, atenta. Embora seja importante tomar medidas para “encorajar” a economia circular num determinado país ou cidade, Pedro Conceição considera que tão relevante é também “evitar que os resultados não sejam de deslocalizar a produção de forma linear para países que não tenham também essas políticas”. Para além dos “incentivos económicos e financeiros”, o responsável destaca ainda as “normas de comportamento social” e a importância de se investir na ciência: “Só investindo na ciência que se poderá produzir de forma continuada as indicações e conhecimentos que precisamos para mitigar as alterações climáticas e implementar a economia circular”.
O que pode levar à mudança?
Kate Raworth defende a necessidade de existir uma Governança que tenha como objetivo a economia circular: “Temos que ter redes para reunir as empresas e setores. Queremos concorrência com colaboração”. De acordo com a responsável, já há muito que os objetivos e metas estão implementados, pelo que o tempo de agir é agora: “A União Europeia tem uma enorme oportunidade para ter limites vinculativos introduzidos na legislação europeia. E não podemos limitar a nossa criatividade”. Contudo, a mudança exige “financiamento” e um “conjunto de ferramentas redesenhadas” e “concebidas de forma diferente para ser compatível com o planeta”, defende.
Inês dos Santos Costa parece concordar com Kate Raworth: “Os Governos devem definir os limites”. Para a secretária de Estado do Ambiente, deve ser penalizado aquilo que não é sustentável: “Uma solução ambiental custa três vezes mais”, atenta. Ainda assim, Portugal tem trabalhado no rumo à economia circular: “Em quatro anos, criamos um conhecimento sólido sobre economia circular no país, financiamos agências regionais de economia circular, os municípios estão a utilizar essas agendas regionais para conseguir estabelecer as suas prioridades para obter financiamentos, conseguimos investir em maior capacitação e trouxemos pessoas para a nossa causa”, declara. Relativamente, às cidades circulares está em curso um projeto de transformação das cidades e da transformação urbana: “Continuaremos os nossos esforços”, assegura.
Os oradores falaram na mesa redonda “Economia Circular e Alterações Climáticas” no âmbito da conferência internacional.