Os cientistas indicam que as populações de peixes de profundidade na UE estão esgotadas ou que faltam dados para avaliar os seus estados. As ONG pedem aos decisores políticos europeus que estabeleçam limites de pesca em linha com os pareceres científicos e a abordagem precaucionarias para as altamente vulneráveis populações de peixes de profundidade.
O parecer científico publicado ontem pelo Conselho Internacional para a Exploração dos Mares (CIEM) confirma que a maioria das populações de peixes de profundidade permanece em condições preocupantes e sem dados suficientes para uma avaliação adequada. Em resposta a isso, um grupo de Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA) pede aos decisores políticos europeus que estabeleçam limites de pesca para essas populações que não excedam os pareceres científicos, adotem a abordagem precaucionária e minimizem os impactos negativos da pesca nestes ecossistemas. A grande vulnerabilidade das espécies e habitats do mar profundo tornam este um passo atrasado, mas muito necessário, em direção a uma ainda mais urgente sustentabilidade.
As espécies de peixes do mar profundo têm tendencialmente um crescimento lento, maturação tardia e vida longa, o que as torna excecionalmente vulneráveis à sobre-exploração. Algumas das espécies de profundidade exploradas comercialmente vivem até 50 anos e algumas só atingem a maturidade reprodutiva ao fim de muitos anos. Como resultado da falta de conhecimento e de sérias deficiências na sua gestão, a maioria dos stocks de profundidade na Europa está esgotada ou em condições desconhecidas, o que também coloca em risco a viabilidade das comunidades piscatórias que delas dependem.
Por esta razão, as ONGA Birdwatch Ireland, Dutch Elasmobranch Society, Ecologistas en Acción, Fundació ENT, Oceana, Our Fish, Sciaena e Seas At Risk pedem aos governantes europeus que respeitem os princípios da Política Comum das Pescas (PCP) ao estabelecer os limites de pesca para as unidades populacionais de profundidade para 2021 e 2022. Isto significa que a Comissão Europeia deve propor e o Conselho de Ministros das Pescas da UE deve estabelecer esses limites de pesca em linha com os pareceres produzidos pelo CIEM.
“Os stocks de profundidade são muito sensíveis e demasiado esgotados para continuarem a ser sobrepescados”, disse Gonçalo Carvalho, coordenador executivo da Sciaena. “Os ministros da UE devem cumprir de uma vez por todas os objetivos da Política Comum das Pescas para estas unidades populacionais, estabelecendo limites de pesca de acordo com os melhores pareceres científicos disponíveis, adotando uma abordagem precaucionária. Isso é crucial para garantir stocks e ecossistemas profundos saudáveis e garantir a subsistência dos pescadores que deles dependem.”
“A Estratégia de Biodiversidade da UE 2030 reconhece que as pescarias selvagens são o principal fator de perda de biodiversidade no mar, o que reduz a resiliência do oceano face ao aquecimento global. A UE deve tomar todas as medidas necessárias para proteger os ecossistemas únicos do mar profundo, acabando com a sobrepesca nestes stocks este ano e mais tarde proibindo todas as atividades extrativas prejudiciais no fundo do mar antes de 2030, conforme solicitado por mais de 100 ONG no roteiro definido no Blue Manifesto”, disse Andrea Ripol, técnica de políticas de pesca da Seas At Risk. “Qualquer coisa menos que isto prejudicará os objetivos do Pacto Ecológico Europeu de proteger a biodiversidade e mitigar a crise climática”, acrescentou.
“Até agora, a Europa optou por ignorar a vulnerabilidade do mar profundo, adotando oportunidades de pesca que vão não apenas contra os compromissos vinculativos acordados na Política Comum das Pescas, mas também desconsiderando os impactos das atividades de pesca de alto mar em espécies não-alvo e habitats associados”, explicou Javier López, diretor de campanha de pescas da Oceana Europa. “Qualquer decisão sobre os limites de pesca para as populações de peixes de profundidade também deve levar em consideração o impacto potencial no ecossistema. Caso contrário, essa atividade de pesca não pode ser classificada como sustentável.”
Em 2018, a Comissão e o Conselho Europeus não seguiram os pareceres científicos do CIEM para a maioria das unidades populacionais de profundidade ao estabelecer limites de pesca para 2019 e 2020, não cumprindo assim o requisito da PCP de acabar com a sobrepesca de todas as unidades populacionais de peixes da UE até 2020 para reconstruir as suas populações.
O goraz nos Açores é um dos poucos stocks de profundidade que mostra que seguir os pareceres científicos e introduzir medidas de gestão adicionais pode beneficiar as populações e o ecossistema, tendo a abundância aumentado para um nível relativamente alto nos últimos anos, o que resulta num aumento nas capturas recomendadas pelo CIEM para 2021, comparando com anos anteriores. Esta história de sucesso deve ser um incentivo adicional para os ministros das pescas seguirem os pareceres científicos no estabelecer dos limites da pesca para as espécies de profundidade em 2021 e 2022.
Goraz nos Açores
A biomassa deste stock tem estado sob várias medidas de gestão específicas nos últimos anos e os pareceres do CIEM para 2019 e 2020 foram seguidos aquando da definição das possibilidades de pesca para esses anos. O CIEM recomenda um limite de pesca de 610 toneladas para 2021, o mais alto desde 2012.
Peixe-espada preto no Atlântico Nordeste e Ártico
O peixe-espada preto no Atlântico Nordeste mostrou uma ligeira redução na abundância nos últimos dois anos. O esforço de pesca sobre esta espécie tem diminuído provavelmente devido à proibição de arrasto em áreas mais profundas. O CIEM recomenda um limite de pesca de 4506 toneladas para cada um dos anos de 2021 e 2022 [8], o que representa uma diminuição em comparação com os últimos dois anos.
Lagartixa-da-rocha
O CIEM produziu um parecer para a lagartixa-da-rocha para o período de 2020 a 2023. Em 2018, os ministros das pescas da UE decidiram permitir a pesca continuada desta espécie, apesar de ser classificada como “em perigo” pela União Internacional para a Conservação da Natureza, e as ONG recomendam que sejam estabelecidas capturas zero para as espécies que estão nesta situação.
Tubarões de profundidade
Embora não exista uma pesca orientada para os tubarões de profundidade, eles são frequentemente capturados acidentalmente por outras pescarias de profundidade. O seu lento crescimento e longa vida tornam-nos altamente vulneráveis e várias das espécies capturadas pela frota da UE são classificadas como em perigo ou criticamente em perigo. No entanto, o Conselho não estabeleceu um limite para as capturas acessórias permitidas nem instituiu medidas que impediriam a captura destes tubarões.
Remoção de limites de pesca
Em 2018, seguindo uma proposta da Comissão Europeia, os ministros removeram um total de seis limites de pesca de peixe-espada preto, lagartixa-da-rocha e abrótea, apesar de o CIEM ter aconselhado que possíveis medidas alternativas de gestão como fechos espaciais e/ou restrições de profundidade à pesca devessem estar implementadas e avaliadas antes da remoção dos limites de pesca. As ONG alertam que estes stocks neste momento são essencialmente não geridos e pedem à Comissão Europeia que avalie se esses stocks estão em sobrepesca.
Dados e Transparência
As ONG pediram repetidamente à Comissão Europeia e aos Estados Membros que melhorassem a recolha e o processamento de dados sobre os stocks de profundidade e defendem que somente com um aconselhamento científico robusto pode a pesca de espécies de profundidade continuar. Outra melhoria necessária às instituições europeias é relacionada com a transparência, por exemplo, publicando a metodologia usada para calcular os TAC com base em pareceres científicos e, em particular, esclarecer como as incompatibilidades entre as áreas do parecer e as áreas de gestão são abordadas, assim como tornar todas as propostas e documentos relacionados imediatamente disponíveis para o público.