O desenvolvimento económico associado às nossas águas tem merecido cada vez mais destaque. Com a missão de tirar o melhor proveito dos recursos oceânicos, sem colocar em causa a qualidade e saúde do oceano e do planeta, este conceito de Economia Azul tem sido explorado em diversas vertentes. Sobre este tema, a Ambiente Magazine conversou com o professor Rui Pedrosa, do MARE.
Como pode definir economia azul?
A economia azul é toda a economia que está suportada na utilização dos recursos dos oceanos e ambientes aquáticos, particularmente os que, simultaneamente, sejam sustentáveis e promovam o crescimento económico para o bem-estar da humanidade e sustentabilidade do planeta. Esta ideia conceptual e/ou modelo abrange, naturalmente, um imenso leque de atividade como a pesca, o turismo, os transportes marítimos, a energia, a aquacultura, a biotecnologia marinha, entre outros. Neste âmbito, gostaria de enfatizar a bioecnomia azul, onde a utilização sustentável dos recursos marinhos tem papel central e a biotecnologia marinha é, porventura, a área com maior potencial de desenvolvimento e conhecimento com elevado valor acrescentado. Existem muitas definições para a biotecnologia marinha, mas a que mais gosto é, simplesmente, acrescentar valor aos recursos naturais marinhos para as necessidades da sociedade. Aqui, podemos incluir o desenvolvimento de novos fármacos, a área da dermocosmética, a aquacultura, a produção de biocombustíveis, a biotecnologia ambiental, a valorização dos recursos alimentares marinhos, o desenvolvimento de biomateriais e novos polímeros e o restauro dos ecossistemas marinhos, entre outros áreas. Assim, podemos olhar para a biotecnologia azul como um grande pilar da Bioeconomia azul com potencial para resolver grandes desafios societais pela utilização sustentável dos recursos marinhos que garantam a conservação dos ecossistemas marinhos e que sejam, simultaneamente, promotores de riqueza e bem-estar para as gerações futuras.
Que vantagens estão associadas a este modelo?
A economia azul, tal como referido anteriormente, tem várias virtudes, incluindo as associadas à sustentabilidade ambiental, a promoção da diversidade da economia, a investigação, inovação e desenvolvimento tecnológico, o conhecimento para o combate às alterações climáticas, a criação de emprego e a promoção da sustentabilidade dos oceanos e dos ambientes aquáticos.
Quais os maiores desafios que a economia azul enfrenta?
São vários os problemas, muitos os desafios que são também oportunidades associadas à economia azul, particularmente à bioeconomia azul. Os maiores desafios da bioeconomia azul estão associados aos ambientes extremos encontrados nos ambientes aquáticos, mas que são, simultaneamente, um fator único de exploração para aplicações biotecnológicas. A diversidade de organismos marinhos e a variabilidade de ambientes, que não tem paralelo no planeta terra, representa por essa via uma fonte de elevado valor acrescentado para a sociedade, potenciada pela complexidade química, genética e bioquímica (e.g. alimentos; compostos bioativos; biomateriais com aplicações médicas e industriais; etc.). Naturalmente que não posso deixar de referir o risco da exploração excessiva dos recursos marinhos, que leva à degradação dos ecossistemas marinhos, as alterações climáticas, a poluição, a regulação e os modelos de governação dos supramencionados ecossistemas a nível regional, nacional e internacional. Finalmente, a necessidade de forte investimento na investigação e inovação para que a utilização sustentável dos recursos biotecnológicos marinhos seja uma realidade com valor económico significativo, nomeadamente na criação de emprego qualificado suportado em conhecimento.
Em Portugal, o que é que está a ser feito para otimizar este modelo?
Portugal tem vindo a reforçar a sua estratégia e o investimento na área da economia azul. Neste âmbito, não posso deixar de referir a estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, mas também a sua inclusão, direta e indiretamente, em estratégias regionais de especialização inteligente, bem como nas estratégias de várias comunidades intermunicipais, nomeadamente associadas aos grupos de ação costeira. Em Portugal a criação de uma rede de centros de investigação e de laboratórios associados e colaborativos de excelência como o MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, o ARNET – Rede de Investigação Aquática, o Colab + Atlantic e Colab S2AQUAcoLAB – Laboratório Colaborativo em Aquacultura Sustentável e Inteligente, entre outros centros de saber, são também marcos a assinalar. Por outro lado, a existência de infraestruturas científicas exclusivamente dedicadas à bioeconomia azul, como o edifício CETEMARES do Politécnico de Leiria, bem como a oferta formativa de ensino superior, quer nas Universidades, quer nos Politécnicos, incluindo com escolas superiores temática, como a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar do Politécnico de Leiria tem permitido criar condições para o crescimento da bioeconomia azul. A criação de uma rede de Hubs azuis em Portugal, no âmbito do PRR, também é algo que não posso deixar de referir como algo estruturante que está a ser criado e que terá grande impacto futuro na economia azul, em que a SmartOcean em Peniche é um excelente exemplo.
Que exemplos/projetos europeus/internacionais poderemos seguir?
A Europa possui uma longa experiência de investigação e inovação na áreas da bioeconomia azul e são muitos os exemplos que poderia referir, mas o maior destaque que posso fazer é o investimento sistemático e incremental que tem sido feito no espaço europeu, em particular na biotecnologia marinha, que em infraestruturas, quer na criação de conhecimento relevante capaz de dar resposta ao facto dos ecossistemas e dos organismos marinhos ainda serem pouco estudados em comparação com os ecossistemas e organismos terrestres. Podia sugerir uma panóplia de projetos europeus a seguir, mas destaco o BEAP-MAR – Blue Bioeconomy in the Atlantic Area, o COMBO – Innovative Cultivation Methods for Marine Biodiscovery, a Universidade Europeias SEA-EU e também os projetos associados ao crescimento azul das EEA grants.
Quais devem ser os próximos passos da economia azul em Portugal?
Sem surpresas, destacaria a necessidade de reforçar o investimento em investigação e inovação, principalmente na investigação com impacto na área da bioeconomia azul. O reforço da formação para a literacia dos oceanos e dos ecossistemas aquáticos. Continuar a aposta nas infraestruturas científicas associadas à bioeconomia azul, bem como o suporte à rede dos hubs azuis. Apoiar startups e PME’s associadas ao empreendedorismo e inovação na economia azul, quer pelo apoio a incubadoras, quer a programas de aceleração com financiamento específico para as grandes áreas da Bioeconomia azul. É fundamental que Portugal reforce a sua participação em projetos internacionais, assumindo cada vez mais a liderança dos mesmos, particularmente em projetos europeus que promovam a partilha de conhecimento, o crescimento económico e a criação de emprego qualificado.
Que tipo de incentivos deve dar o Governo a este modelo?
Não mencionando incentivos específico, apenas refiro que o governo deve reforçar a estratégia nacional para bioeconomia azul, reforçando os programas de financiamento específicos, quer na formação, investigação e na inovação e desenvolvimento tecnológico promovendo a ligação entre a economia e o conhecimento associado aos ecossistemas de investigação e inovação existentes em Portugal na área da bioeconomia do mar.
Como prevê que seja o futuro da economia azul face à conjuntura atual?
Sou uma pessoa muito otimista e apesar dos desafios globais associados à crise climática, poluição, instabilidade geopolítica global, gestão de recursos hídricos, produção sustentável de alimentos e guerras em múltiplos locais do mundo, incluindo na europa, acredito que o futuro da economia azul, mesmo face a todos estes desafios globais, é muito promissor e pode dar respostas a alguns dos desafios societais globais. A utilização sustentável dos recursos marinhos e a bioeconomia azul devem ser uma prioridade. Portugal, com a sua extensa costa, uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo, a tradição marítima e o reforço nas últimas décadas nas infraestruturas científicas, no conhecimento e inovação associado à economia do mar, está bem posicionado para liderar e beneficiar deste modelo, mas é necessário um compromisso contínuo com a inovação, a sustentabilidade e a cooperação global.