“Os sistemas de ecoponto já não são suficientes para o canal HORECA”
Apesar da ambição que existe em Portugal em matéria de reciclagem, há uma lentidão na forma como o país tem desenhado as soluções operacionais para aumentar a reciclagem do vidro. Este foi o ponto de partida para Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, apelar à mudança urgente da forma como a política pública dos resíduos se pratica em Portugal.
Sob o tema “Mais Circularidade: como reduzir resíduos de embalagens de vidro”, a CEO da SPV, que falava numa sessão promovida no Greenfest, recordou que a embalagem de vidro foi o primeiro material a ser alvo de atenção da promoção da reciclagem: “Os primeiros ecopontos que se colocaram no país foram para recolher o vidro”. Apesar de, “numa primeira fase o país, ter evoluído bastante na montagem da infraestrutura para captar os recicláveis que resultam do grande consumo”, a verdade é que, neste momento, são precisos “avanços”, “digitalização” e “inovação” para aumentar a reciclagem de vidro: “Falta serviço, falta a forma de ir buscar os recicláveis e falta a confiança que o consumidor precisa de ter no sistema, quer seja no consumo doméstico, quer seja no canal HORECA”. É precisamente neste caminho que a Sociedade Ponto Verde procura trabalhar: “A recolha do vidro cresceu 11% até agosto deste ano”. Apesar de ser um “crescimento pequeno” para a ambição entidade gestora, Ana Isabel Trigo Morais assegura que “há um trabalho constante com os Municípios, Juntas de Freguesia e com quem faz a gestão operacional de usar a inovação para acelerar o serviço ao consumidor”.
Passando para o canal HORECA, a responsável refere, primeiramente, que o sistema de recolha dos recicláveis no caso do vidro e de outros materiais em Portugal passa pela infraestrutura de ecopontos colocados no país – “70 mil ecopontos” – havendo um modelo de serviço e de recolha de recicláveis que “não distingue” o consumo dentro de casa do de fora de casa: “Digamos que o incentivo está deslocado do objetivo”. E isto origina um problema: “Um restaurante que encerra à meia-noite não vai despejar garrafa a garrafa no ecoponto e fazer barulho”. Portanto, “não temos um incentivo para que, no final do dia, haja uma forma prática de colocar essas embalagens”.
Foi a pensar neste problema que a SPV, juntamente com a indústria vidreira, tem em curso um piloto destinado ao canal HORECA que passa por “criar uma forma mais fácil de despejar no final do dia tudo para o ecoponto e, portanto, fornecemos esses equipamentos e materiais”. Este piloto começou em 2021 e, apesar dos resultados ainda serem “incipientes”, a responsável assegura que revelam uma capacidade de escalar para o país inteiro: “Na cidade de Vizela, temos um crescimento de recolha de vidro de embalagens de 62% em seis meses de operação e em Guimarães, com fornecimento de equipamentos adequados a sítios onde se organizam festas, registou-se um aumento de 10 toneladas de vidro recolhido em mês e meio”. Este é mais uma prova de que “estamos no caminho certo” e que as “experiências piloto” revelam aquilo que é evidente: “Precisamos de mudar o modelo de recolha de recicláveis e, portanto, os sistemas de ecoponto já não são suficientes para o HORECA”.
“É impossível discutir a eficiência, se não tivermos a coragem de discutir a política pública para o setor dos resíduos”
Um outro ponto que Ana Isabel Trigo Morais quis alertar foi a falta de perceção por parte do consumidor quando não pratica a reciclagem: “O que não recebemos estamos a desperdiçar e criar um desperdício ambiental e económico para o país que não é bem percebido pelos portugueses”. Nesta questão, a sensibilização deve ser reforçada: “Temos de sensibilizar de que tudo o que não for parar ao ecoponto é o consumidor que vai pagar ou que está a pagar um custo acrescido no próximo momento de consumo”. E, juntamente com a sensibilização, vem o “investimento no serviço” para que as pessoas possam aplicar na prática, defende.
Na sua intervenção, Ana Isabel Trigo Morais chamou ainda a atenção para “outras áreas de produção de resíduos que não estão a ser devidamente tratadas e infraestruturadas”, causando o “incumprimento sistemático” das metas de reciclagem: “Se não mudarmos a forma como gerimos os recicláveis em Portugal, não vamos conseguir atingir as metas”. A CEO da Sociedade Ponto Verde reitera pela mudança da forma como a política pública dos resíduos se faz no país, destacando a “forma como as autoridades entram no sistema” e da importância de existir “novos sistemas e novos modelos de recolha”, bem como uma “nova relação” com o consumidor: “É impossível discutir a eficiência, se não tivermos a coragem de discutir a política pública para o setor dos resíduos e dizer que vamos conjuntamente desenhar uma forma de nos envolvermos e elevar Portugal a um país que trata bem o seu capital ambiental”. Mas, enquanto “não tivermos um incentivo que oriente o comportamento ambiental e económico do consumidor”, toda a evolução é incremental: “Subimos, mas pouco: enquanto as pessoas continuarem a pagar a taxa de gestão de resíduos urbanos na fatura de água e indexada ao número de vezes que se toma banho e não aos resíduos que se produz, vamos continuar a perder no setor”. Relativamente à taxa atual dos resíduos, Ana Isabel Trigo Morais é perentória: “Está enviesada e não consigo perceber se é justa ou não”. A CEO da Sociedade Ponto Verde defende uma “cadeia de valor digitalizada” em que o cidadão paga por aquilo que descarta (Pay-As-You-Throw): “Quanto mais colocar os resíduos no ecoponto, menos vai pagar na taxa de gestão de resíduos. Isto é que é transformador”. Neste âmbito, a Sociedade Ponto Verde e Câmara Municipal da Maia estão a testar um “sistema de digitalização de recolha de resíduos em que se vai transformar numa fatura diferenciada para as pessoas perceberem qual a diferença entre a fatura do que custou gerir resíduos urbanos ou indiferenciados e o que está a pagar na taxa de fatura água”. A boa notícia é que a legislação prevê que, até 2024, Portugal tenha de fazer o “desligamento do consumo de água da limpeza urbana e da taxa geral de resíduos”, afirma.
Em jeito de conclusão a responsável partilhou pequenos passos que podem fazer a diferença na mudança de comportamentos dos cidadãos, destacando, primeiramente, a importância de “ter ecopontos limpos, serviços de recolha de acordo com as necessidades das pessoas em casa ou fora de casa e fazer com que as pessoas sintam que não colocar um reciclável num ecoponto é fazer mal a si próprio e à comunidade”. Depois, em segundo lugar, é importante “criar soluções inovadoras de serviço aos consumidores: se não o fizermos, vamos estar sempre dependentes das pessoas terem essa consciência ambiental”, remata.