O Governo publicou recentemente a nova legislação com medidas excecionais para simplificar procedimentos de licenciamento para produção de eletricidade a partir de energias renováveis. “O Decreto-Lei n.º 30-A/2022, cujo objetivo seria flexibilizar o processo, irá passar, na prática, a desregulamentar a necessária expansão das renováveis, removendo salvaguardas ambientais que põem em causa não só a natureza, como também o bem-estar das populações”, alerta uma Coligação de Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA).
“É vital aumentar rapidamente a produção renovável em Portugal, com particular destaque para o solar fotovoltaico, por ter um grande potencial de exploração, para cumprir os objetivos de descarbonização, assegurar a segurança energética e garantir a acessibilidade da energia à população e empresas”, afirma Miguel Macias Sequeira, da Coligação C6, citado num comunicado.
De acordo com estas organizações, esta alteração à legislação pode configurar uma “violação do regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)”, consagrado no Decreto-Lei n.º 151-B/2013 e na Diretiva 2011/92/UE. Segundo a nova legislação, citada no mesmo comunicado, publicado pelas Organizações, para projetos de produção de energia renovável inferiores a 50 MW (ou 20 MW em áreas sensíveis), deixa de ser a Agência Portuguesa de Ambiente a decidir se os projetos devem ser sujeitos a AIA, sendo que esta decisão passa a recair sobre a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que “não tem responsabilidade legal nem competências para aferir se o projeto é suscetível de causar danos no ambiente”.
Adicionalmente, as entidades a consultar passam a ter “10 dias para emitirem os pareceres obrigatórios aplicáveis”, sendo que a ausência de resposta é equiparada a não oposição. “Este curto prazo antes da aprovação tácita representa uma tentativa de limitação da participação destas entidades, que frequentemente têm escassos recursos para responder a todas as exigências”, constata a C6.
A Coligação critica, também, esta “quebra de exigência”, considerando que a AIA não pode ser vista como uma “perda de tempo”, um “esverdear do projeto” ou uma “burocracia”. Trata-se de uma “ferramenta importante, e única, para ponderar os impactes ambientais de um projeto na sua fase preliminar e, consequentemente, melhorar a sua conceção e definir medidas de mitigação”, sustentam. Adicionalmente, é um “momento privilegiado para a participação pública”, procurando mais transparência na tomada de decisões e mais aceitação social na implementação dos projetos. “A resposta a dificuldades e atrasos administrativos não deve ser a eliminação desta etapa essencial de avaliação e mitigação de impactes caso-a-caso, mas sim o reforço dos recursos, sejam humanos ou financeiros, alocados às várias entidades responsáveis”, defendem as Organizações.
Para que os portugueses possam, de facto, tirar proveito de todos os benefícios da transição energética, recomenda-se ao novo Governo que “formule uma estratégia ambiciosa para a exploração de fontes de energia renovável a várias escalas” no país, que “identifique modos de instalação com menor nível de conflitos sociais e ambientais”, e que “reforce os recursos das entidades com competência legal para fiscalizar o seu cumprimento”, lê-se no comunicado
Ainda que se reconheça a necessidade de algumas grandes centrais, a C6 lembra que a prioridade deve ser a “produção descentralizada na proximidade dos centros de consumo, reduzindo perdas no transporte e aproveitando infraestruturas já construídas em áreas urbanizadas e degradadas”. Tal deveria ser acompanhado por medidas que visem “otimizar os benefícios fiscais e incentivos, para sistemas de produção de energia elétrica em sistemas de autoconsumo, individual e coletivo, e em comunidades de energia”, consideram as Organizações. Com este novo Decreto-Lei, o Governo continua a “abrir uma estrada larga às grandes empresas, enquanto obriga comunidades de energia e outras iniciativas descentralizadas a atravessar um portão estreito”, lamenta a C6, apelando que seja reconhecida a necessidade de “resposta à crise climática e energética”, conciliando esta ação com outros desafios relacionados com a “biodiversidade, o bem-estar das populações e a segurança alimentar”.