Num artigo publicado na Science, investigadores de instituições de renome a nível mundial propõem uma estratégia para envolver todas as partes interessadas na governança do Oceano Antártico, através de um processo de ordenamento do espaço marinho (OEM) inteligente do ponto de vista climático.
O Oceano Antártico é fundamental para o funcionamento do planeta, uma vez que influencia o nível do mar, regula o clima, e impulsiona a circulação oceânica global. O que acontece na Antártida afeta as regiões costeiras de todo o planeta, bem como os milhares de milhões de pessoas que dependem das mesmas. O aumento de atividades humanas, como o turismo e a pesca comercial, juntamente com os impactos das alterações climáticas, representam uma ameaça para a resiliência dos ecossistemas da região.
O OEM inteligente do ponto de vista climático é uma ideia que ganhou visibilidade nos últimos anos, com o reconhecimento da sua importância pela UNESCO, a Comissão Europeia, ou o Banco Mundial. No entanto, este tipo de OEM nunca foi desenvolvido em áreas fora de jurisdição nacional (Alto Mar), onde nunca foi desenvolvido qualquer tipo de OEM, nem em águas nacionais.
Assim, o artigo agora publicado destina-se a informar as discussões da 46.ª Reunião Consultiva do Tratado da Antártida, que está a decorrer em Kochi, na India, até ao final de maio.
“As Partes do Tratado da Antártida têm uma oportunidade histórica de decidir desenvolver uma estratégia de OEM inteligente do ponto de vista climático para o Oceano Antártico, sendo pioneiras no desenvolvimento da primeira abordagem de OEM no Alto Mar”, diz Catarina Frazão Santos, líder do estudo e investigadora do MARE. “Além disso, o OEM no Oceano Antártico pode servir como modelo para a implementação mais alargada desta abordagem em águas internacionais e nacionais em todo o planeta”.
Os investigadores recomendam quatro pontos a serem considerados pelas Partes do Tratado da Antártida, cuja implementação poderá ser assegurada através da criação de grupos de discussão dedicados: diversificar tipos de informação e conhecimento; ter uma visão para o futuro; garantir flexibilidade e dinamismo; e centralizar a saúde do oceano na tomada de decisão.
Na reunião de maio, as Partes do Tratado da Antártida podem acordar em ser pioneiras no desenvolvimento de um OEM inteligente do ponto de vista climático. “Não há lugar melhor para testar o planeamento e a gestão do oceano inteligentes do ponto de vista climático em águas internacionais do que o Oceano Antártico”, comenta Larry Crowder, coautor e professor catedrático da Universidade de Stanford.
Juntamente com o Ártico, a Antártida é “ponto de partida” para os impactos das alterações climáticas a nível global. Ao mesmo tempo, possui uma estrutura de governança internacional única — o Sistema do Tratado da Antártida —, forte o suficientemente para assegurar a implementação de um processo de OEM inteligente em termos climáticos, com base em décadas de investigação científica. “O Sistema do Tratado da Antárctida reúne as partes interessadas chave para que a implementação do OEM na região num contexto de cooperação internacional seja bem sucedida”, diz José Xavier, professor associado da Universidade de Coimbra e investigador do MARE.
A experiência do Oceano Antártico pode também informar a implementação do Tratado do Alto Mar das Nações Unidas, aprovado em 2023, sobre a diversidade biológica marinha em áreas fora de jurisdição nacional. “Quando entrar em vigor, o Tratado do Alto Mar vai oferecer pela primeira vez um quadro jurídico para uma cooperação reforçada e um mandato para adotar instrumentos de gestão espacial — como o OEM — e desenvolver avaliações ambientais estratégicas em todas as áreas marinhas fora de jurisdição nacional”, afirma Kristina Gjerde, coautora e conselheira sénior para o Alto Mar da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
“Simultaneamente, a ênfase do Tratado do Alto Mar na necessidade de proteger e restaurar a biodiversidade marinha e fortalecer a sua resiliência às alterações climáticas vai requerer um OEM que integre plenamente as alterações climáticas”, comenta Cymie Payne, coautora e professora associada da Universidade de Rutgers.
O desenvolvimento de um OEM inteligente do ponto de vista climático no Oceano Antártico pode guiar decisões sobre como conservar e utilizar de forma sustentável os recursos marinhos num contexto de mudança, constituindo um modelo para águas internacionais em todo o planeta.