#Opinião: Varíola dos macacos, Dengue, COVID-19: A Natureza não está a tentar matar-nos, estamos a fazê-lo a nós próprios!
Justamente quando se julgava que o SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19, era algo único destes tempos, considerando a sua natureza resultante da interação entre homem-animal, eis que nas últimas semanas, o mundo epidemiológico centrou-se numa inesperada vaga global de casos de varíola dos macacos. Embora os especialistas em saúde pública nos garantam que a patologia tem poucas hipóteses de destronar a COVID-19 como a campeã pandémica do século XXI, é um facto que a propagação de doenças zoonóticas (as que se propagam de animal para o homem) tem-se tornado cada vez mais comum. Aliás, quando olhamos para a evidência científica, rapidamente nos damos conta de que este tipo de doenças têm sido a norma e não a exceção.
O Ébola, o SARS e a MERS, mencionando apenas as mais recentes, todas têm um denominador comum: surgiram ou derivaram de interações entre humanos e animais selvagens. Segundo um estudo recente, das 335 doenças infeciosas identificadas desde 1960, 60% advêm de origens animais. A Organização Mundial de Saúde advertiu no seu relatório de 2007 que as doenças infeciosas estão a emergir a um ritmo nunca antes visto e o que outrora era tido como surtos invulgares está a tornar-se numa realidade hodierna – Para além da varíola dos macacos, a Singapura está atualmente a enfrentar uma emergência de dengue, com cerca de 11.000 casos já detetados e a aumentar a cada dia.
Então porque é que isto está a acontecer? Estarão as campanhas anti-vax a fazer a sua magia? Ou talvez, os agentes patogénicos que provocam estas doenças têm-se tornado resistentes aos medicamentos? Estas são opções válidas a considerar, mas a resposta assenta particularmente nas alterações climáticas e na degradação da biodiversidade.
Apesar de todas as conferências, cimeiras, convenções, acordos e tratados, continuamos a explorar desenfreadamente os recursos do planeta e a colocar em risco sistemas naturais como o da Amazónia, que ainda em Abril último, registou a maior taxa de desflorestação de sempre. A temperatura da Terra continua a aumentar, as emissões de CO2 nunca foram tão elevadas, e a depleção de florestas e dos ecossistemas complexos é um dos fatores determinantes. Para além disto, a destruição de ecossistemas onde diferentes espécies habitam e prosperam abre uma caixa de pandora – ou melhor dizendo – uma caixa de Petri, com possibilidades desagradáveis e inseguras.
Em ecossistemas repletos de diversidade, vírus, bactérias e outros microrganismos vagueiam e fluem entre o mundo selvagem sem grandes riscos de invadirem o nosso. Contudo, à medida que o homem continua a interferir no fluxo natural dos habitats selvagens, obrigando a migração de espécies, entramos em estreito contacto com criaturas que apresentam sistemas imunitários capazes de transportar as mais variadas doenças, permitindo que vírus que de outra forma não o fariam, se acoplem aos seres humanos – A parte mais engraçada sobre isto, é que vasculhamos e alteramos a composição biofísica da Terra e depois não só nos admiramos quando algo como COVID-19 acontece, como tentamos atribuir a sua origem a algum cientista louco e ao seu laboratório.
A biodiversidade é fundamental para a prevenção de doenças. À medida que a perturbamos e que a temperatura aumenta, estamos a criar as condições perfeitas para um dia viver num mundo em que a próxima pandemia poderá ocorrer a cada próxima semana. Os vírus prosperam em condições hostis. A melhor maneira de os conter é não interferir e salvaguardar a Natureza. Se antes não era evidente, as ameaças zoonóticas tornam-no claro, a saúde humana depende da saúde do planeta.
Independentemente de anos de trabalho intensivo por parte de governos ou outras organizações, ações destinadas a mitigar a perda de habitats ou a reduzir emissões, não estão efetivamente a resultar. Há que atender ao facto de que as alterações climáticas estão aqui para ficar e com isso é necessário dar prioridade aos esforços de adaptação. Ações de mitigação isoladas não serão suficientes para atenuar a tendência de partilha viral induzida pelo clima. É necessário aprender a viver de forma mais segura ao lado da vida selvagem. Não estou a dizer que todos temos de nos tornar no Dr. Dolittle – o que provavelmente tornaria a situação pior – mas aquilo que realmente necessitamos é de melhores sistemas de monitorização de doenças infeciosas emergentes e infraestruturas de saúde pública reforçadas nos locais mais carenciados e de proximidade com hotspots de biodiversidade.
Temos de parar de brincar à apanhada e começar o jogo da prevenção. O aparecimento de novas patologias é incontornável, porém é necessário envidar esforços no sentido de impedir um spillover zoonótico descontrolado, fazendo-o não só para nos protegermos, mas também para evitar uma maior degradação do planeta. Pandemias, endemias, surtos inesperados, mostram-nos que é tempo de tratar a saúde como uma questão ecológica e vice-versa, pois o planeta Terra é um sistema interligado e adaptarmo-nos a isso é fundamental.