Bárbara Rodrigues, técnica superior de Ambiente na Resíduos do Nordeste e coordenadora de projetos
A Resíduos do Nordeste participou na consulta pública do novo Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR), onde, posteriormente foi feita uma análise do ponto de vista administrativo, técnico e financeiro às principais alterações à gestão de resíduos urbanos (RU) com as retificações introduzidas até à presente data.
Destacam-se eventuais alterações práticas, relativamente ao âmbito de gestão, ao tarifário a praticar aos utilizadores finais.
Destaco que o novo âmbito poderá não orientar para a circularidade. Por exemplo, a contínua exclusão de coprodutos do setor primário leva a que tenham que percorrer centenas de km, quando têm à porta infraestruturas, ou melhor, um modelo de gestão “instrumentado” que poderia acrescentar valor local. Deste modo, não se assume a descarbonização como uma responsabilidade partilhada.
Verifica-se alguma subjetividade relativamente a alguns fluxos, o que poderá conduzir ao estrangulamento dos sistemas de recolha, de tratamento e consequentemente criar custos desnecessários.
Por outro lado, a implementação de algumas obrigações no horizonte 2023 ainda carecem da emissão de requisitos de informação, essenciais para puder planear com alguma coerência.
O novo RGGR poderá não potenciar oportunidades que incentivem e fortaleçam a colaboração intersectorial e público-privada no território Resíduos do Nordeste.
É importante referir que nos situamos num território de baixa densidade, e a valorização do interior não se faz de um dia para o outro!
Ao nível do planeamento da prevenção e gestão de resíduos, o RGGR introduziu novos objetivos & metas de prevenção que terão impacto no modo de atuação da Resíduos do Nordeste, permitindo-nos desenvolver novas funções num modelo de negócio que se assume como o parente pobre da economia circular.
Do ponto de vista do consumidor, um pequeno de muitos exemplos, pergunto se o consumidor no geral sabe o que é um biorresíduo? Levamos anos a introduzir a reciclagem de embalagens em Portugal, hoje percebemos que esta ciência comportamental precisa sobretudo de uma nova estratégia de marketing, e que não só de investimento material se faz a mudança. Isto para dizer que será para nós, também um grande desafio em implementar um modelo de gestão de biorresíduos sustentável em todas as fases da cadeia de valor, e em tempo útil.
Ainda no combate ao desperdício alimentar, o RGGR estabelece objetivos e metas para dois horizontes temporais. Deverá este ser portanto, um instrumento que permita medir o o contributo do setor de resíduos na otimização de sistemas produção e consumo sustentáveis e responsáveis.
[blockquote style=”1″]Novo âmbito da gestão de RU[/blockquote]
O Decreto-Lei 102-D/2020, prima pelo desafio de agregar 3 grandes regimes, onde se aprova do novo Regime Geral da Gestão de Resíduos.
Foram introduzidas novas definições na esfera do setor dos resíduos. Finalmente a prevenção começou a merecer atenção do ponto de vista quantificável. Os planos de gestão de resíduos a nível nacional introduzem os Programas de Prevenção. No entanto, alerta-se que os referidos programas são feitos de exemplos.
Alerta-se ainda para o novo âmbito da gestão de RU (entra em vigor em 2022) que vai influenciar diretamente as recolhas complementares de resíduos. A sua operacionalização requer uma análise do ponto de vista de eficiência e eficácia dos sistemas de recolha e tratamento, pois apesar de se falar em recolhas, o artigo inclui o tratamento.
O diploma introduz e reforça as responsabilidades no âmbito da separação, recolha e reciclagem de biorresíduos. Pois bem, também aqui se alerta para a necessidade de uma estreita interligação entre os diversos stakeholders do mundo dos biorresíduos. Desde logo teremos que olhar para as responsabilidades em toda a cadeia de valor desde a prevenção até à valorização, onde não se pode esquecer o mercado de produtos e materiais produzidos a partir de biorresíduos. Ou se faz um “bom casamento”, ou então o setor limitar-se-á a sobreviver para não repercutir apenas os custos reais na tarifa.
Alerta-se para o cumprimento não só das quantidades mas também da qualidade necessária para acrescentar valor. Estamos a falar de níveis de qualidade mínimos, bem como especificações técnicas necessárias para garantir a valorização dos biorresíduos, e que ainda não estão definidos.
O mesmo acontece para a reciclagem na fonte através de sistemas de compostagem comunitária, que carece de requisitos de informação, ainda a definir pela APA. Por exemplo, é necessário saber medir “quanto contribui” a compostagem doméstica e comunitária e outras soluções locais para o indicador preparação para reutilização e reciclagem e para os desagravamentos aplicáveis à TGR.
São ainda introduzidas novas responsabilidades às entidades responsáveis pelo sistema municipal de gestão de RU no que respeita a a implementação de rede de recolha seletiva para fluxos como os resíduos perigosos, mobiliários e outros volumosos.
No que respeita o licenciamento das atividades de tratamento de resíduos e sistemas de gestão de fluxos, verifica-se uma simplificação aplicável às operações de valorização e instalações de recolha. O mesmo deveria ser assumido para a responsabilidade alargada do produtor, e para os “seus filhos”, os subprodutos e o fim de estatuto dos resíduos.
No que respeita a tarifa ao utilizador final, no prazo de cinco anos após a entrada em vigor do presente regime, as tarifas devem deixar de ser indexadas ao consumo de água e cumprir o previsto no número anterior, salvo se disposto em sentido contrário nos planos de ação aprovados.
Serão introduzidos agravamentos e desagravamentos aplicáveis aos SGRU multimunicipais ou intermunicipais; às entidades responsáveis instalações que depositem em aterro, que encaminhem para incineração e para valorização energética. Sem dúvida que se trata da “novela do aumento brutal da TGR”.
Alerta-se no entanto, que a Lei de Orçamento de Estado introduziu alterações antes da entrada em vigor do RGRR. Referir que à data de hoje já foi aprovada uma moratória de 6 meses e fixada uma metodologia para cálculo da TGR para o período do estado de emergência.
A distribuição do produto da TGR, ou seja, para onde e para quem se destinam as receitas, também sofreu alterações.
[blockquote style=”1″]Um documento orientador e não uma força de bloqueio às metas[/blockquote]
O cumprimento das metas não se faz apenas através de impulos regulatórios, no entanto, o RGGR com as revisões ainda necessárias deverá ser um documento orientador e não uma força de bloqueio às metas, as quais deverão estar em sintonia com uma gestão circular de recursos!
Mas para além das metas, temos que pensar nos recursos, nos quais se incluem as pessoas. Nesse sentido, o “reskill” do setor dos resíduos também é urgente para conseguir dar resposta às novas responsabilidades, atribuídas não só aos municípios.
Reforço novamente que não nos podemos esquecer que o cumprimento das metas é uma responsabilidade partilhada, e para isso o setor precisa de ser incluído na transformação efetiva das cadeias de valor “onde toca”.
Serão introduzidos novos indicadores no âmbito do RGGR e que se constituem como elementos facilitadores dos novos Planos estratégicos nacionais. Estou a falar de medir desempenho entre setores.
[blockquote style=”1″]A necessidade do setor transitar para um novo paradigma é inegável[/blockquote]
A transformação do setor dos resíduos, a celeridade e otimização de processos inerentes aos diversos recursos deve ser implementada em tempo útil, mas cuidado, porque a diversidade de modelos de gestão de serviços (alta e baixa) não permitem gerir o setor como um todo, nem de longe nem de perto! Por outro lado, algumas mudanças exigem tempo, não se pode fazer um novo caminho quando os últimos 10 anos se rumou para outro.
O RGGR poderá não se revelar seguro na implementação dos princípios gerais da gestão dos produtos e respetivos resíduos, o que se poderá traduzir em mais um problema crónico para o setor.
No que respeita o Sistema Integrado de Registo Eletrónico (SIRER), a integração de reportes poderá ser uma mais valia, para o rastreamento e reintrodução na economia de subprodutos. No entanto, é importante medir em tempo útil e de forma transparente a todas as partes envolvidas.
Há um potencial extra nas medidas de prevenção que poderá permitir uma maior percentagem de deduções na TGR. No entanto, se não for orientado nesse sentido, estaremos a falar de “megabites de dados” que estarão nos servidores da APA e onde todo o esforço do setor primário, secundário e terciário no âmbito da prevenção, da reciclagem orgânica será desaproveitado.
A necessidade do setor transitar para um novo paradigma é inegável. Para cumprir os novos desafios que se afiguram mais que necessários, o novo RGGR e outros documentos de regulatórios assumem-se como legislação transversal que deve introduzir as novas funções do setor, nos novos materiais e serviços, caso contrário, estaremos diariamente a discutir o desvio de receitas do setor sem permissa para afirmar o seu potencial a montante, como por exemplo, no setor secundário e primário.
Recentemente esteve em consulta pública o Plano de Recuperação e Resiliência para a economia portuguesa, onde se verificou que a transformação do setor dos resíduos talvez não esteja explanada forma objetiva, mas talvez porque os documentos regulatórios transversais não estejam alinhados nesses sentido.
Reforça-se também a necessidade de regular com base em modelos de gestão reais, para que o público-alvo se possa adaptar e contribuir para o sucesso dos atuais desafios.
[blockquote style=”1″]O que é que falta ?[/blockquote]
Não me cabe a mim enquanto Gestora, Técnica e Consumidora elencar o que está mal, mas sim realçar aquilo que temos de bom e as funções que vejo que o setor pode e deve assumir nesta transição “verde e azul”.
Como diz o Guia para uma Gestão Circular de Resíduos, da Resíduos do Nordeste, o setor tem o conhecimento necessário para facilitar a implementação da EC em toda a cadeia de valor. Para apoiar, facilitar e operar iniciativas eficientes e eficazes de prevenção de resíduos, o setor tem que contribuir para a formação e consciencialização dos stakeholders, bem como reutilizar e reformar os modelos de negócio do setor.
O bom funcionamento dos mercados é crucial para a gestão sustentável dos recursos e para a economia circular. As condições prévias para tais mercados são padrões de qualidade bem definidos e comumente acordados. O setor de gestão de resíduos deve, juntamente com os todos os parceiros da cadeia de valor, contribuir para a definição das condições e mecanismos de mercado.
A digitalização, a bioeconomia, a reindustrialização também são temas aplicáveis ao setor dos resíduos, mas para isso, o mesmo deve fazer parte integrante das novas descrições de competências da economia portuguesa, e claro que se “leia” no Plano Estratégico de Resíduos Urbanos(2030).
Este é pois um caminho que se faz no tempo e com todos!