A aplicação de tarifas sobre a quantidade de resíduos recolhidos, estimada pelo volume de contentorização ou medida em peso – vulgarmente designadas por PAYT (Pay-As-You-Throw) – é um objetivo previsto no RGGR – Regulamento Geral de Gestão de Resíduos (D.L. n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro).
Estabelece o RGGR que no prazo de 5 anos (até 2025) as tarifas devem deixar de ser indexadas ao consumo de água, salvo se disposto em sentido contrário nos futuros PAPERSU. O princípio PAYT é nobre mas o legislador, na sua imensa sabedoria, conhecedor dos perigos e tormentas, decidiu, e bem, não dar um salto maior do que a perna.
A primeira barreira ao PAYT é o crónico subfinanciamento dos serviços de resíduos urbanos de grande parte dos Municípios portugueses. Vai-se acumulando uma pressão tarifária (que mais tarde ou mais cedo terá de ser libertada, e quanto mais cedo melhor) e ao mesmo tempo aumentam os custos dos serviços, por sua vez gerando ainda mais pressão tarifária.
Está criada a tempestade perfeita para o PAYT. Queremos convencer as pessoas que temos para oferecer um sistema mais justo e que lhes permite poupar dinheiro, mas em muitos casos o que temos para oferecer é a eminência de uma torrente tarifária, em completo contraciclo. É um tiro no pé que coloca em causa o próprio projeto PAYT.
Por isso devemos primeiro pensar em corrigir os tarifários existentes, quanto à estrutura e cobertura de gastos, e só depois pensar em PAYT.
A menos que se esteja a falar de projetos-piloto a preços simbólicos, pequenos para provocar dano financeiro à entidade gestora, mas problemáticos quando se pretender escalar o projeto.
Portugal é um país relativamente pobre e com muitas assimetrias, sendo por isso compreensível que os Eleitos tendam a querer proteger os seus Cidadãos. Corrigir situações de décadas tem custos sociais, económicos, e até políticos.
Sem prejuízo, existe um imaginário coletivo onde, de alguma forma, é aceitável consumir a níveis insustentáveis e pagar sem questionar pelas mais diversas “comodidades”, desde que não sejam os serviços básicos ambientais. E todavia, a água potável é essencial à vida humana, e os demais serviços ambientais indispensáveis à saúde pública e qualidade de vida.
Noutras latitudes, a água é um bem divino, logo gratuito, e por arrasto os resíduos urbanos e águas residuais. Só que nós não vivemos na mesma realidade macroeconómica, social, cultural, civilizacional, religiosa, etc. Deus está no reino do céu, só que aqui em baixo na terra alguém vai ter de pagar os custos financeiros para ter aqueles os serviços.
Este artigo foi publicado na edição 94 da Ambiente Magazine