Por: Eduardo Marques, Presidente da Direção da AEPSA
As alterações climáticas estão a originar transformações incontornáveis um pouco por todo o planeta, com consequências devastadoras para inúmeras regiões do globo. Os países mais afetados são também os mais vulneráveis, em termos económicos e sociais, mas convém recordar que a maioria da população mundial vive nas cidades, e é no meio urbano que se concentram os maiores consumidores de recursos naturais. No futuro, as cidades precisam de ser cada vez mais sustentáveis, e a sustentabilidade ambiental é o maior desafio desta geração.
Hoje, mais do que nunca, a água potável é o bem mais escasso do planeta e deve ser preservada de todas as formas, porque é absolutamente essencial à vida. Por isso, é imperativo reverter a ineficiência hídrica de muitas entidades gestoras dos serviços de água, onde as perdas de água, nalguns casos, ultrapassam os 50%, enquanto a média nacional da água não faturada ronda os 29% e a média de perdas reais é superior a 21%.
No entanto, as concessionárias privadas de gestão dos serviços de água – que servem cerca de 2 milhões de portugueses – registam, em média, valores de água não faturada na ordem dos 17% (nalgumas concessionárias este indicador é inferior a 10%) correspondendo, em média, a cerca de 12,7% de perdas reais.
Se todas as entidades gestoras públicas tivessem perdas de água equivalentes às concessionárias privadas, haveria uma economia anual só de perdas reais de água de cerca de 70 milhões de m3, o que equivale a um reservatório com a base de um campo de futebol e com uma altura de cerca de quatro vezes a da Serra da Estrela, o que corresponde à quantidade de água necessária para abastecer todo o País durante cerca de 44 dias. A AEPSA, enquanto representante das empresas privadas do setor do ambiente, considera incompreensível que se continue a permitir, e a perpetuar, este desperdício de água, no nosso País.
Outro caminho imprescindível para a sustentabilidade passa pela reutilização de águas residuais tratadas, o que corresponde à verdadeira circularidade no ciclo da água e gera uma janela de oportunidade para o aproveitamento exponencial dos cada vez mais escassos recursos hídricos. A reutilização de águas residuais já é uma prática corrente, nomeadamente em países com menor disponibilidade hídrica, mas em Portugal ainda é residual, pelo que se afigura imperioso estabelecer os mecanismos técnicos e legais para que a reutilização seja uma realidade no curto prazo.
As ETAR deverão integrar os equipamentos necessários (nomeadamente para tratamento terciário) para permitir que a água descarregada após tratamento cumpra os parâmetros adequados, no sentido da sua reutilização para fins múltiplos, tendo em conta os aspetos ambientais, mas também económicos. Com o aumento da sofisticação do processo de tratamento, a água residual pode ou deve ser reutilizada na agricultura, na rega de jardins, lavagem de espaços públicos, campos de golfe e chegar mesmo, caso se venha a considerar necessário no futuro, a ser reutilizada para consumo humano.
Portugal tem um caminho longo e urgente a percorrer para se atingirem níveis de sustentabilidade hídrica adequados aos novos tempos. É importante mudar mentalidades e adotar comportamentos de consumo mais responsáveis, mas não chega fazer apelos reiterados para um uso mais racional e poupança de água, por parte dos cidadãos, é imperioso que as entidades gestoras façam a sua parte.
Em resumo, é preciso reduzir as perdas de água, tanto perdas reais como perdas comerciais, o que se consegue facilmente, com rapidez e com a gestão adequada e é necessário aumentar significativamente a reutilização das águas residuais tratadas. Não podem haver cidades inteligentes com o nível de ineficiência hídrica atual.
O artigo foi incluído na edição 96 da Ambiente Magazine