#Opinião: Retrato infeliz
Foi recentemente divulgado, pela Agência Portuguesa do Ambiente, o Relatório Anual de Resíduos Urbanos (RARU) referente ao ano de 2020. Não obstante a disrupção enorme que aconteceu no setor de gestão de resíduos urbanos nacional por força da Pandemia de Covid-19 em 2020 e 2021, com dimensão particular no ano de 2020, este relatório consegue, ainda assim, apresentar-nos um retrato da evolução nas metas ambientais do setor preconizadas no Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU) 2020, na sua versão original ou mesmo na sua versão aditivada – PERSU 2020+.
Tirada a fotografia, a imagem não poderia ser mais triste. O país, que se apresenta internacionalmente na vanguarda das energias renováveis, que defende do fim da utilização do carvão e do nuclear como fontes de energia, que pretende atingir a neutralidade carbónica em 2050 e que aprovou recentemente no Parlamento uma Lei do Clima que reconhece a emergência climática, não consegue ter uma política nacional eficaz, estável e efetiva para melhorar os seus indicadores e práticas em matéria de resíduos sólidos urbanos.
Em Portugal falhamos em toda a linha e pelo rumo que as coisas levam não conseguiremos sequer cumprir com as metas de 2020 em 2025, quanto mais com as metas intercalares para 2025, definidas pela União Europeia.
De acordo com o estudo de Silpa Kaza, Lisa Yao, Perinaz Bhada-Tata e Frank Van Woerden, para o Banco Mundial, “What a Waste 2.0: A Global Snapshot of Solid Waste Management to 2050”, estima-se que, num cenário de business as usual (BAU), os resíduos sólidos urbanos de proveniência municipal irão aumentar dos cerca de 2.000 milhões de toneladas em 2016 para mais de 3.400 milhões de toneladas em 2050 (um aumento de 70%). Apesar desse aumento não ser igual em todo o mundo e poder haver, em alguns países, até um decréscimo da produção de resíduos sólidos urbanos, a evolução da produção dos resíduos no nosso país, diz-nos que só quase por um milagre essa produção também não aumentará em Portugal num cenário BAU.
Para já, o que sabemos é que, não obstante as boas intenções das estratégias nacionais e europeias, exceptuando o PERSU II que cumpriu com sucesso o encerramento das lixeiras em Portugal e criou os SGRU, a evolução da política pública em matéria de gestão de resíduos tem avançado de falhanço em falhanço, mesmo com pequenos exemplos de sucesso, resultantes mais da teimosia deste ou daquele SGRU ou município, que da coerência de toda a política.
Ao contrário do que se pretende fazer crer, os dados negativos dos indicadores de 2020, identificados no RARU, não resultam das alterações verificadas por causa da pandemia. Sem a pandemia poderiam ser ligeiramente menos maus, contudo seriam péssimos. Em 2020 falhámos as metas e se continuarmos a assentar a política de gestão de resíduos sólidos urbanos a jusante do problema, sem uma efetiva política de responsabilização do produtor do produto, não haverá compostores ou máquinas de “reverse-vending” que nos acudam.
Como é notório, não existe ainda qualquer planificação para o setor até 2030, para além das metas que são já conhecidas. Não existe nem estratégia, nem informação sobre financiamento para atingir as metas. Os municípios e os SGRU estão hoje confrontados com a certeza de que será necessário fazer mais, mas sem saberem o quê, o como, o quanto tudo isso custará e a quem.
Com as eleições legislativas, que se aproximam, aqueles que se propõem a governar deveriam também, neste particular, apresentar ideias concretas para o futuro, sob pena de continuarmos a enviar para aterro a maioria dos nossos resíduos, mesmo aqueles que poderiam ser valorizados de outra forma e reciclados e sem responsabilizar aqueles que nos vendem os produtos que adquirimos e que depois resultam em resíduos.
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