Opinião: Reforma Legislativa no Setor dos Resíduos: revolucionária ou para europeu ver? (Parte: I/IV)
Por Catarina Pinto Xavier, advogada SLCM // Serra Lopes, Cortes Martins & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL.
Depois de ter colocado em discussão pública o projeto de lei durante quinze dias, entre 6 e 20 de novembro, o Governo aprovou, catorze dias depois do termo da consulta pública, uma grande alteração ao quadro jurídico da gestão de resíduos.
Transpondo as Diretivas do Pacote Resíduos (*) aprovado em maio de 2018, o Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, aprova um novo Regime Geral da Gestão de Resíduos (“RGGR”) e um novo Regime Jurídico da Deposição de Resíduos em Aterro, altera o UNILEX (regime dos fluxos específicos de resíduos), o Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental e o regime do Fundo Ambiental, para além de revogar um conjunto de diplomas legais, cujas matérias passam a estar previstas no RGGR.
Fosse para fechar o ano com mais uma tarefa cumprida na sua agenda verde, rumo a uma economia circular num Portugal ambientalmente mais sustentável, fosse para entrar sem pendências (os Estados-Membros tinham até 5 de julho deste ano para transpor o Pacote Resíduos) na Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, já no 1.º semestre de 2021, onde assumirá destaque o Pacto Ecológico Europeu, a verdade é que depressa e bem não há quem. E quando uma reforma legislativa, como esta, é essencialmente programática (traçam-se objetivos louváveis e metas muito ambiciosas) e pressupõe uma alteração de comportamentos dos operadores económicos e dos cidadãos (por exemplo, em matéria de reutilização de produtos e embalagens), de pouco vale fazer uma alteração da lei sem o consenso ou, pelo menos, sem o envolvimento alargado, antecipado e esclarecido da sociedade civil. À parte da substância, não podemos deixar de criticar o procedimento adotado na aprovação desta reforma legislativa, que para alguns chega como presente com defeitos, mesmo às portas do Natal. Não querendo vaticinar o insucesso da reforma, prevemos que, daqui a pouco tempo, se tenha de ajustar aqui e ali…quando o Governo tiver tempo de escutar a sociedade civil.
Ninguém discute que uma eficiente e adequada gestão dos resíduos, que passa, em primeiro lugar, por evitar a sua existência (prevenção), em segundo lugar, por retardar a sua condição (preparação para reutilização), em terceiro lugar, por transformá-los em novas matérias primas (reciclagem), em quarto lugar, por aproveitá-los para outros fins úteis, como a produção de energia (outros tipos de valorização), procurando que a deposição em aterro ou a incineração sejam residuais (eliminação), é absolutamente fundamental para alcançar um modo de vida ecologicamente mais sustentável. Em teoria, não há, assim, motivo para contestar os objetivos traçados no Pacote Resíduos, agora acolhidos em Portugal. Já quanto ao “Como?” alcançá-los, não há como, nem porquê, evitar a discussão – ou, na nossa perspetiva de jurista, e perante o facto consumado, de lhes conferir alguma reflexão. Fá-lo-emos nos próximos artigos desta série, finda a qual estaremos em condições de responder à pergunta lançada no título.
(*) Diretiva (UE) 2018/849, Diretiva (UE) 2018/850, Diretiva (UE) 2018/851 e Diretiva (UE) 2018/852, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018.
[blockquote style=”1″]Para já, partilhamos um apanhado das metas traçadas nesta reforma do setor dos resíduos:[/blockquote]
Objetivo | O quê? | Quando? | Quem? |
Prevenção Dissociar o crescimento económico da produção de resíduos |
Reduzir em 5 % a quantidade de resíduos urbanos produzidos por habitante face aos valores de 2019. | 2025 | Cidadãos, entidades públicas e privadas |
Reduzir em 15 % a quantidade de resíduos urbanos produzidos por habitante face aos valores de 2019. | 2030 | ||
Reduzir a quantidade de resíduos alimentares nos estabelecimentos de restauração coletiva e comercial e nas cadeias de produção e de abastecimento, incluindo as indústrias agroalimentares, as empresas de catering, os supermercados e os hipermercados, em 25 % face aos valores de 2020. | 2025 | Empresas do Sector Alimentar e Distribuição | |
Reduzir a quantidade de resíduos alimentares nos estabelecimentos referidos na alínea anterior em 50 % face aos valores de 2020. | 2030 | ||
Reduzir em 5 % a quantidade de resíduos não urbanos por unidade de PIB, em particular no setor de construção civil e obras públicas, face aos valores de 2018. | 2025 | Entidades públicas e privadas, em especial empresas do Sector da Construção e Imobiliário | |
Reduzir em 10 % a quantidade de resíduos não urbanos por unidade de PIB, em particular no setor de construção civil e obras públicas, face aos valores de 2018. | 2030 | ||
Preparação para reutilização, reciclagem e valorização Promover a transição para uma economia circular dotada de um elevado nível de eficiência dos recursos |
Um aumento mínimo global para 50 %, em peso, relativamente à preparação para a reutilização e a reciclagem de resíduos urbanos. | A partir de 01/07/2021 | Entidades responsáveis pela gestão de resíduos (p. ex. Municípios, Sistemas Municipais e Multimunicipais, Entidades Gestoras de Sistemas Integrados, Operadores de Resíduos) |
Um aumento mínimo para 70 %, em peso, relativamente à preparação para a reutilização, a reciclagem e outras formas de valorização material, incluindo operações de enchimento que utilizem resíduos como substituto de outros materiais, de RCD não perigosos, com exclusão dos materiais naturais definidos na categoria 17 05 04 da LER. | A partir de 01/07/2021 | ||
Um aumento mínimo para 55 %, em peso, da preparação para a reutilização e da reciclagem de resíduos urbanos, em que, pelo menos, 5 % é resultante da preparação para reutilização de têxteis, equipamentos elétricos e eletrónicos, móveis e outros resíduos adequados para efeitos de preparação para reutilização. | Até 2025 | ||
Um aumento mínimo para 60 %, em peso, da preparação para a reutilização e da reciclagem de resíduos urbanos, em que, pelo menos, 10 % é resultante da preparação para reutilização de têxteis, equipamentos elétricos e eletrónicos, móveis e outros resíduos adequados para efeitos de preparação para reutilização. | Até 2030 | ||
Um aumento mínimo para 65 %, em peso, da preparação para a reutilização e da reciclagem de resíduos urbanos, em que, pelo menos, 15 % é resultante da preparação para reutilização de têxteis, equipamentos elétricos e eletrónicos, móveis e outros resíduos adequados para efeitos de preparação para reutilização. | Até 2035 | ||
Os biorresíduos provenientes de atividades da restauração e industrial, devem ser separados na origem pelos seus produtores, sem os misturar com outros resíduos, no caso de entidades que produzam mais de 25 t/ano de biorresíduos. | Até 31/12/2022 | Empresas | |
Os biorresíduos provenientes de atividades da restauração e industrial, devem ser separados na origem pelos seus produtores, sem os misturar com outros resíduos. | Até 31/12/2023 | ||
Disponibilização de uma rede de recolha seletiva para os Resíduos têxteis, Resíduos volumosos, incluindo colchões e mobiliário, Resíduos perigosos, Óleos alimentares usados e Resíduos de construção e demolição resultantes de pequenas reparações e obras de bricolage em habitações. | Até 01/01/2025 | Entidades responsáveis pelo sistema municipal de gestão de resíduos urbanos | |
Reutilização As bebidas devem ser colocadas no mercado em embalagens reutilizáveis |
Pelo menos 20 % do volume anual de bebidas colocado no mercado deve ser embalado em embalagens reutilizáveis. | Até 01/01/2025 | Empresas do Sector Alimentar – indústria, comércio, distribuição e restauração |
Pelo menos 50 % do volume anual de bebidas colocado no mercado deve ser embalado em embalagens reutilizáveis. | Até 01/01/2030 | ||
Reciclagem Objetivos mínimos de reciclagem para os materiais contidos nos resíduos de embalagens | 60 % em peso para o vidro; 60 % em peso para o papel e cartão; 50 % em peso para os metais; 22,5 % em peso para os plásticos, contando exclusivamente o material que for reciclado sob a forma de plásticos; 5 % em peso para a madeira. |
Em 01/07/2021 | Cidadãos, entidades públicas e privadas, em especial Entidades responsáveis pela gestão de resíduos (p. ex. Municípios, Sistemas Municipais e Multimunicipais, Entidades Gestoras de Sistemas Integrados, Operadores de Resíduos) |
Reciclagem de, pelo menos, 63 %, em peso, de todos os resíduos de embalagens, com as seguintes Metas mínimas, em peso: i) 65 % do vidro; ii) 65 % do papel e cartão; iii) 60 % dos metais ferrosos; iv) 40 % do alumínio; v) 36 % do plástico; e vi) 20 % da madeira. |
Até 31/12/2022 | ||
Reciclagem de, pelo menos, 65 %, em peso, de todos os resíduos de embalagens, com as seguintes Metas mínimas, em peso: i) 70 % do vidro; ii) 75 % do papel e cartão; iii) 70 % dos metais ferrosos; iv) 50 % do alumínio; v) 50 % do plástico; e vi) 25 % da madeira. |
Até 31/12/2025 | ||
Reciclagem de, pelo menos, 67 %, em peso, de todos os resíduos de embalagens, com as seguintes Metas mínimas, em peso: i) 73 % do vidro; ii) 80 % do papel e cartão; iii) 75 % dos metais ferrosos; iv) 55 % do alumínio; v) 53 % do plástico; e vi) 28 % da madeira. |
Até 31/12/2027 | ||
Reciclagem de, pelo menos, 70 %, em peso, de todos os resíduos de embalagens, com as seguintes Metas mínimas, em peso: i) 75 % do vidro; ii) 85 % do papel e cartão; iii) 80 % dos metais ferrosos; iv) 60 % do alumínio; v) 55 % do plástico; e vi) 30 % da madeira. |
Até 31/12/2030 | ||
Redução da deposição de resíduos urbanos em aterro | Os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterro não devem exceder 35 % da quantidade total, em peso, dos resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995. | Em 01/07/2021 | Cidadãos, entidades públicas e privadas |
A quantidade de resíduos urbanos depositados em aterro, deve ser reduzida para um máximo de 10 % da quantidade total de resíduos urbanos produzidos, por peso. | Até 2035 | ||
É proibida a deposição em aterro de resíduos biodegradáveis. | A partir de 01/01/2026 | Sistemas Municipais e Multimunicipais |