Opinião: “Redesenhar as cidades a duas rodas”
Por Frederico Venâncio, responsável de Micromobilidade da Bolt em Portugal
Nas nossas paisagens mais citadinas ainda muito se ouve o rugir de motores e se cheira o petróleo que sai dos tubos de escape dos carros, autocarros e camiões que circulam nas vias das urbes. Omnipresente deve também ser a compreensão de que as emissões que saem das filas intermináveis de trânsito estão, verdadeiramente, a asfixiar-nos. O smog de Los Angeles é um dos melhores exemplos disso mesmo; esta é uma realidade que requer, portanto, ação urgente. Deverá o investimento em meios praticamente não-poluentes, como é o caso das trotinetes e bicicletas elétricas, ser prioritário?
Ainda que possa haver argumento no ponto da sustentabilidade do processo de fabrico destes veículos, a verdade é que hoje já se contam melhorias significativas ao nível da sustentabilidade, durabilidade e capacidade de reutilização dos materiais das mesmas, contribuindo vastamente assim para a neutralização das emissões iniciais. Também os processos de manutenção são hoje já mais automatizados, menos dispendiosos e otimizados em termos de emissões. Havendo sempre, naturalmente, espaço para melhorias, estas alternativas oferecem uma verdadeira pista para percorrermos com vista a alcançarmos os objetivos prementes de sustentabilidade, ao mesmo tempo que gradualmente revolucionamos a infraestrutura das cidades.
E, neste ponto, há uma nova questão que surge: as infraestruturas, sobretudo ao nível de vias próprias e de estacionamento dedicado para a micromobilidade. Em termos de ciclovias, Lisboa por exemplo é inclusive destacada num artigo recente da consultora McKinsey pelo investimento anunciado para as suas ciclovias. Ainda que a emergente opção por veículos elétricos, que está a ser cada vez mais bem acompanhada pela criação de postos de carregamento, deva ser vista com muitos bons olhos, a verdade é que a mesma preocupação não se tem estendido ao mesmo tipo de opções dedicadas para os veículos de micromobilidade.
A importância destas prende-se, para além do estacionamento e ordenação nas cidades, com as emissões para a manutenção da atividade destes veículos: se estes não puderem ser carregados nos sítios próprios para o efeito pelos utilizadores, terão de ser recolhidos e levados para os armazéns, e novamente colocados em circulação.
Ainda que este processo possa abranger a utilização de veículos elétricos, a verdade é que consome energia e pode ainda incorrer em emissões que poderiam facilmente ser evitadas. Outra alternativa já adotada em anos recentes é a presença de equipas patrulha, que também geralmente podem operar com veículos elétricos, com a missão de trocar as baterias dos veículos, caso os mesmos o permitam; não deixa de ser mais um veículo na estrada, a ocupar espaço e a criar trânsito, quando poderíamos ter soluções de carregamento na rua.
Por outro lado, uma maior aposta em infraestrutura, como tem sido o exemplo de tantos municípios em Portugal, deve ser também seguida de uma aposta a um nível mais nacional de apoios para o redesenho das nossas cidades: a priorização de vias para veículos de micromobilidade, próprios ou partilhados, e a eliminação e limitação de estacionamentos e circulação de veículos na cidade abrem necessariamente espaço e, consequentemente, potencial: o estudo que referi destaca mesmo que as cidades têm neste momento capacidade de reclamar até 1,4km2 de área que poderia ser usada, num reforço sustentável, para mais espaços verdes.
No entanto, por muito que possamos imaginar o que poderá ou poderia ser, esta redefinição acabará sempre por recair sobre os ombros da ação política assertiva.
Será essencial decidirmos que exemplo queremos dar – e que mundo deixar – para as próximas gerações. A sociedade tem mostrado que quer mudar, que está disposta a deixar os carros em casa, seja a título particular ou por incentivo dos próprios empregadores. As condições e a tecnologia para construir cidades para as pessoas também já existe. É altura de, uma vez por todas, definirmos que futuro queremos: afinal, o que fazemos hoje é o que seremos amanhã.