Opinião: “Quem protege e monitoriza a saúde dos solos em Portugal?”
Por Margarida Ferreira Marques, Advogada Associada AMMC Legal
Avançar significativamente na criação e revisão de legislação para proteger e monitorizar a saúde dos solos tem sido um dos focos da União Europeia no último ano.
Começou, ainda em 2023, pela revisão do Regulamento de Uso do Solo, Alteração do Uso do Solo e Florestas (LULUCF) *1, no âmbito do pacote Objetivo 55 (Fit for 55).
Estabeleceu metas mais exigentes, designadamente, através do reforço da meta de remoções líquidas de CO2 até 2030 (representando um total a nível da UE de –310 MteCO2), e através do estabelecimento de metas vinculativas para cada Estado-Membro baseadas no seu nível recente de remoções ou emissões e potencial para aumentar as remoções, tendo em conta os princípios da relação custo-eficácia, da equidade e da integridade ambiental. Esta revisão previu ainda, para 2025, uma avaliação da eficácia da aplicação do regulamento.
Em 2024, foram dados passos no sentido de implementar a Diretiva Monitorização dos Solos, tendo sido aprovada pelo Conselho, em junho deste ano, uma orientação geral *2 que visa tornar obrigatória a monitorização da saúde do solo, fornece princípios orientadores para a gestão sustentável do solo e aborda situações em que a contaminação do solo comporta riscos inaceitáveis para a saúde e o ambiente.
A orientação geral mantém o conceito de “descritores do solo” (parâmetros físicos, químicos e biológicos) previsto na proposta da Comissão. Este conceito tem em vista a adaptação às circunstâncias locais, tendo sido acordado um sistema de duplo valor, mais flexível, para avaliar a saúde do solo. Por um lado, metas sustentáveis não vinculativas a nível da UE para refletir os objetivos a longo prazo, por outro, valores de desencadeamento operacionais, fixados a nível dos Estados-Membros, para cada descritor do solo, a fim de definir prioridades e aplicar gradualmente medidas conducentes a um estado saudável do solo.
Embora se esteja a avançar em termos de legislação europeia, a transposição e enquadramento dessas metas na legislação dos Estados-Membros não deixa a UE num bom caminho para as atingir. O enquadramento português não é diferente.
Não obstante em 2015 se tenha tentado – com o projeto de Decreto-Lei Prosolos – aprovar um regime legal que enquadre as matérias relativas à contaminação do solo, continuamos, quase 10 anos depois, sem a efetiva adoção de um regime dedicado, em especial que regule os valores de referência para a qualificação do solo como contaminado, as medidas de remediação (reparação) e respetivas responsabilidades.
A Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBGPPSOTU) é omissa quanto às metas europeias, o que leva a que uma parte significativa dos agentes desconheça existência das mesmas ou tenha pouco conhecimento das práticas que podem contribuir para seu cumprimento.
Estas metas europeias visam, em traços gerais, conter a ocupação do solo, aumentando a reciclagem de terrenos já urbanizados e compensando o consumo de solo não urbanizado por meio da renaturalização de uma área equivalente de solo artificial, o que exige monitorização ao nível europeu, mas sobretudo ao nível local, regional e nacional.
A sua integração no sistema de planeamento e ordenamento do território português, que apresenta vários níveis (municipal, intermunicipal, regional), e onde a ocupação do solo é muito variável conforme a região, vai exigir uma sensibilização de todos os agentes públicos e privados para existência e exigência do objetivo europeu.
No próximo dia 5 de dezembro assinalar-se-á mais um Dia Mundial do Solo, desta vez comemorando-se 10 anos desde a sua instituição pela ONU, sob o tema: “Cuidar dos Solos: Medir, monitorizar, gerir”. Que essa data seja uma oportunidade de sensibilizar as partes interessadas na elaboração e aplicação dos planos de ordenamento do território para a necessidade de limitar, mitigar e compensar a ocupação do solo, e estabelecer metas para diferentes níveis de atuação, designadamente, através da integração e
enquadramento destas metas nos Planos Regionais de Ordenamento do Território.
*1 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A02018R0841-20230511
*2 https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-11299-2024-INIT/pt/pdf