Por: Margarida Ferreira Marques, Advogada na AMMC LEGAL
Nos passados meses de junho e julho, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu definiram a sua orientação geral e primeira leitura face à proposta de regulamento da Comissão Europeia para a restauração da natureza na União Europeia, apresentada em 22 de junho de 2022.
Reconhecendo a relevância de uma legislação eficiente nesta matéria como forma de combate à perda de biodiversidade na EU e às alterações climáticas, quer o Conselho quer o Parlamento Europeu acompanharam a primeira meta proposta pela Comissão de atingir 20% das zonas terrestres e marítimas restauradas até 2030.
No entanto, as divergências entre as instituições europeias face à proposta apresentada pela Comissão começam logo pela meta estabelecida para 2050. Se por um lado a proposta da Comissão pretende que a totalidade dos “habitats” na EU estejam restaurados em 2050, o Conselho é mais cauteloso propondo um restauro de 90% até 2050. Já o Parlamento Europeu vai ainda mais longe nas cautelas, não se comprometendo com uma percentagem, propondo alguns requisitos prévios ao estabelecimento de metas e defendendo a possibilidade de adiar os objetivos em caso de consequências socioeconómicas excecionais.
Embora seja a primeira regulamentação específica sobre a restauração da natureza nos Estados-Membros (“EM”), esta proposta surge no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia de Biodiversidade da EU para 2030 adotada pela Comissão que visa assegurar que a biodiversidade na Europa entra numa trajetória de recuperação até 2030.
As orientações da Comissão no âmbito da Estratégia de Biodiversidade estabelecem que estes esforços de conservação e restauração devem ser, num primeiro nível, planeados, executados e coordenados a nível nacional ou regional e que, ao selecionar e priorizar as espécies e os habitats a serem melhorados até 2030, deve procurar-se sinergias com outras metas da União e internacionais, designadamente metas da política ambiental ou climática. É também nesse sentido que vem a sua proposta para este regulamento de restauração da natureza que tem por objetivo global a restauração dos ecossistemas biodiversos, florestais, urbanos, agrícolas, marinhos e fluviais através da consecução de objetivos já definidos noutros instrumentos legislativos da União, nomeadamente, diretivas comunitárias. Em termos de financiamento, após a entrada em vigor do regulamento, a Comissão terá de avaliar as necessidades financeiras de recuperação e o financiamento disponível da UE e procurar soluções para colmatar essa lacuna.
Qual será então o impacto na legislação dos EM deste regulamento? Ainda não é totalmente claro. Por um lado, o Conselho afirma que a sua posição estabelece um equilíbrio entre manter objetivos ambiciosos para a restauração da natureza e dar flexibilidade aos Estados-Membros na execução do regulamento, salvaguardando ao mesmo tempo condições de concorrência equitativas e reduzindo os encargos administrativos. Reconhece ainda algumas lacunas de conhecimento que podem comprometer o processo, designadamente, a falta de dados nos EM sobre o estado de alguns habitats, sendo difícil quantificar a sua melhoria.
Por outro, os eurodeputados têm reservas quanto à proposta da Comissão sobretudo no que toca às medidas propostas para a restauração dos ecossistemas agrícolas (eliminando da sua proposta o artigo 9.º referente aos mesmos) e receiam que, ainda que o projeto não imponha a criação de novas áreas protegidas na UE, nem bloqueie novas infraestruturas de energias renováveis possa criar mais entraves temporais e burocráticos ao desenvolvimento destas atividades. A questão da não criação de entraves a novas infraestruturas de energias renováveis tem particular relevância, levando Conselho e Parlamento Europeu a incluírem nas suas orientações um novo artigo referente às mesmas e sublinhando o seu interesse público.
O processo legislativo encontra-se ainda em curso, sendo que o próximo passo é a negociação entre o Conselho e Parlamento Europeu, com a intervenção da Comissão Europeia, de forma a alcançarem um acordo sobre a versão final do regulamento, o que se prevê que aconteça até ao final do ano. O que já sabemos é que essa legislação terá impacto ao nível da Rede Natura 2000, devendo os EM tomar medidas de restauração para assegurar a recuperação dos habitats e espécies protegidos, inclusive das aves selvagens, dentro e fora dos sítios Natura 2000. A Rede pode mesmo vir a ser alargada neste contexto, já que a proposta da Comissão prevê que as zonas restauradas que cumprirem, ou se for previsível que cumpram, os critérios para as zonas protegidas, assim que a restauração produza efeitos plenos, deverão ser integradas nas zonas classificadas.
Os EM terão ainda de apresentar planos nacionais de restauração, mostrando de que forma irão cumprir os objetivos. Serão igualmente obrigados a acompanhar e a comunicar os seus progressos gerando mais obrigações de monitorização e comunicação em matéria ambiental.
Em Portugal, é inegável que tais medidas terão impacto no âmbito da legislação em matéria de conservação da natureza e da biodiversidade e em sede de ordenamento do território, designadamente, nos planos de ordenamento, previsivelmente criando a necessidade de novas alterações de adequação dos PDM em vigor e que já tantos desafios enfrentam em termos de mutações na legislação nacional.
Aguardamos pela versão final, que se pretende ambiciosa tendo em conta a premência do tema, mas adequada à realidade dos EM e ao conhecimento científico em matéria de habitas e espécies, aspeto para o qual alertaram os deputados europeus, para que possa gerar verdadeiro impacto positivo e não apenas maior entropia no sistema.