Por, Sérgio Ribeiro CEO & Executive Board Member – Hyundai Portugal
Foi com enorme estupefação que a Hyundai teve conhecimento, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado 2021, da aprovação da limitação aos incentivos fiscais para viaturas híbridas e plug-in híbridas. No contexto económico e social atual, em que o setor automóvel assiste a uma quebra na venda de veículos novos superior a 35%, é difícil compreender como uma medida com um impacto tão significativo tenha sido tomada de modo unilateral, sem que o setor tenha sido previamente consultado, sem se fazerem contas, sem medir possíveis impactos e consequências.
Se, por um lado, esta falta de diálogo numa questão tão estrutural e crítica é, já por si, perturbadora, acresce o facto de não se perceber o alcance desta medida para com um setor que tem estado – ao contrário do que esta decisão quer fazer crer – na vanguarda tecnológica com vista à procura de soluções sustentáveis. Cabe, por isso, esclarecer, com dados rigorosos, o porquê do profundo desacordo da Hyundai Portugal para com esta decisão:
- As viaturas híbridas apresentam níveis de emissões bastante inferiores quando equiparadas com uma viatura convencional, mesmo quando falamos de motorizações de maior cilindrada. A média de emissões de um automóvel familiar híbrido são 119g de CO2 / km versus 128g num automóvel familiar a diesel e 142g num automóvel familiar a gasolina (Fonte: ACAP, Matrículas jan-out’20). Todas as viaturas são, naturalmente, sujeitas a rigorosos testes de homologação, em permanente evolução e que comprovam estes valores.
- Não existe evidência científica que justifique que as viaturas híbridas ou plug-in são mais poluentes do que motorizações a combustão, mesmo na ausência de rotinas de carregamento, pelo que, no nosso entender, esta premissa que serviu de base para a alteração da política de incentivos simplesmente não traduz a realidade. Recorde-se que os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos combinam dois motores: um a combustão interna (gasolina ou gasóleo) e outro elétrico, que trabalham em sinergia para disponibilizar potência e aceleração, ajudar na desaceleração através da travagem regenerativa (que converte a energia cinética em energia elétrica, que de outra forma se dissiparia) e, fundamentalmente, economizar combustível, melhorando assim substancialmente a performance ambiental do automóvel.
- Portugal é já um dos mercados com maior carga fiscal sobre automóveis. A medida agora apresentada não vem mais do que, em alguns casos, duplicar a carga fiscal aplicada a estes veículos (híbridos e plug-in) que, recorde-se, representam já cerca de 20% do mercado. Desta forma, estas tecnologias objetivamente menos poluentes do que motores de combustão, irão, naturalmente, perder competitividade. A alternativa passará, obviamente, pelos motores de combustão (gasolina e gasóleo), não só por, genericamente, apresentarem valores de transação mais competitivos, mas, sobretudo, porque a sua utilização é a mais aproximada da de um automóvel híbrido ou plug-in. Automóveis a gasolina ou gasóleo passarão a ser a única alternativa viável para estes utilizadores, dadas as suas necessidades de utilização da viatura; antecipamos, por isso, que a tecnologia elétrica não constitua uma opção de substituição para condutores de viaturas híbridas e plug-in e que iremos assistir a um incremento do número de viaturas a combustão em circulação.
- O parque automóvel português é um dos mais antigos da Europa, com uma idade média de 13 anos. Na nossa visão, a primeira ação para reduzir o impacto ambiental deveria assentar numa estratégia de incentivo ao abate das viaturas com mais idade, altamente poluentes e com tecnologias obsoletas, visando a sua substituição por automóveis com tecnologias mais desenvolvidas e, consequentemente, com menores níveis emissões e menos nocivas para o ambiente, como são os híbridos e plug-in híbridos.
- Nos últimos anos, o setor automóvel tem sido um dos mais ativos na redução da pegada ambiental, investindo avultadas quantias em investigação e desenvolvimento, na modernização das suas motorizações e na melhoria de eficiência dos motores. Este investimento visa não só a disponibilização de um line-up cada vez menos poluente, orientado para o cumprimento dos targets de emissões, mas também a democratização da tecnologia eletrificada, tornando-a cada vez mais acessível a um público mais abrangente. No caso particular da Hyundai Portugal, reforçamos o nosso compromisso ambiental e temos vindo a diminuir em 5%, anualmente, a nossa pegada ambiental através do mix de viaturas comercializadas, onde os híbridos e elétricos têm cada vez mais peso.
- Em suma, com esta medida, os portugueses vão pagar mais por optarem por carros amigos do ambiente, que passam a ser mais taxados. Assistimos, com espanto, a uma reversão da estratégia de sensibilização para a consciencialização ambiental que vinha a ser implementada com bons resultados e que colocava Portugal entre os países mais evoluídos no que diz respeito à adoção de tecnologias sustentáveis.
O setor automóvel emprega em Portugal cerca de 150 mil pessoas. Uma decisão com este impacto resultará, a curto prazo, numa recessão grave, acentuada pela atual conjuntura pandémica. Em causa está toda a estratégia empresarial definida pelo setor para os próximos anos, os compromissos assumidos, a aposta na procura de soluções ambientalmente mais responsáveis, os enormes investimentos em stocks de viaturas já efetuados, e os milhares de postos de trabalho. Não escolhemos este caminho. Quem assumirá a responsabilidade?