Estando nós em abril, mês da revolução dos cravos, decidi usar no título deste artigo um trocadilho com um dos acrónimos mais conhecidos do período imediatamente após 25 de abril de 1974 – o PREC. Se PREC significava Processo Revolucionário Em Curso, “PDEC” trata-se de um Processo de Descapitalização Em Curso nos SGRU. Não se pense que este processo não é também ele revolucionário, porque o é.
Em que consiste este PDEC? Não será necessário um grande exercício analítico para identificar, de forma bastante clara, que a recente evolução legislativa no setor dos resíduos tem conduzido a uma gradual e progressiva insustentabilidade financeira nos sistemas de gestão de resíduos sólidos urbanos, que só não é mais acentuada devido ao facto do cidadão ir acomodando parte dos custos através das tarifas que paga nas suas faturas da água. Senão vejamos.
Como é sabido o modelo de financiamento desenhado para os SGRU assentou essencialmente em duas grandes receitas extra tarifa – a venda da energia produzida no processo de eliminação dos resíduos e a venda dos recicláveis recolhidos e entregues nos SIGRE. A realidade é que estas receitas são cada vez menores, fruto das alterações legislativas e contratuais das concessões.
Por um lado, enraizou-se a opinião, errada diga-se, que os SGRU que têm atividade de valorização energética de resíduos, não têm incentivo em promover a correta separação dos resíduos antes de os incinerarem, por causa da venda bonificada de energia, omitindo-se olimpicamente que este modelo de financiamento foi introduzido e praticado sem qualquer problema ou constrangimento nos princípios até ao momento em que o Estado decidiu privatizar a acionista maioritária dos sistemas (EGF), criando a ideia que se está a patrocinar um determinado interesse particular, por outro, invoca-se que isto é um privilégio de solidariedade invertida de todo o país para com as regiões de Lisboa e Porto, não referindo que este “privilégio” produz energia constante e sem quebras para injeção na rede, mesmo quando as energias renováveis não o fazem. Mais, esta valorização energética tem permitido que os tristes números nacionais de deposição de resíduos em aterro (em 2019 e de acordo com o RARU, 57,6% da totalidade dos resíduos urbanos produzidos), não sejam ainda mais catastróficos.
Para além disso a crítica que é feita, amiúde, invocando um sobrecusto para o consumidor de energia elétrica em Portugal, também é em si mesmo ridícula, atendendo aos valores que estão em causa tendo em conta todos os regimes de venda de energia bonificada. De acordo com a própria ERSE, esta energia representa pouco mais de 1% nos mais de 1,03 mil milhões de euros de sobrecusto com renováveis a um preço médio de 88 euros MWh, enquanto a energia produzida a partir de biomassa tem um custo de 120 euros MWh, a partir do vento de 93,8 euros MWh, de pequenas centrais hídricas 97,4 euros MWh e de fotovoltaica 298 MWh. Está bom de ver que mesmo com um sobrecusto para a totalidade dos consumidores a grandeza do valor a que nos referimos está muito longe de ser considerado como a causa do elevado preço da eletricidade que todos pagamos. Em segundo lugar, porque é necessário contabilizar os custos financeiros, económicos, sociais e ambientais que implica deixar de valorizar energeticamente os resíduos e passar a depositá-los novamente em aterro, à espera que de um dia para o outro, como que por magia, todos os resíduos se reciclem. Qual é o custo para o país o não cumprimento das metas ambientais que nos propomos junto da UE? Qual é o custo ambiental, social e económico, para as próximas gerações, não valorizarmos energeticamente os resíduos que não têm retoma e consequente reciclagem? Estes valores também deverão ser tidos em conta quando falamos dos custos para os portugueses das várias alternativas em cima da mesa.
A outra grande receita dos sistemas municipais, inter e multimunicipais é a que resulta da venda dos recicláveis. Da recusa, por parte dos SIGRE, em remunerar os sistemas pelas embalagens secundárias e terciárias recolhidas e por eles entregues, à nova legislação que cria sistemas de depósito de embalagens de forma desconexa dos SGRU, proibindo até os sistemas de reutilização de entregar aos SGRU as embalagens reutilizáveis no momento em que se tornam resíduos, está bom de ver o que a prazo acontecerá.
Nas últimas décadas, de forma mais ou menos eficiente, mas acima de tudo, com muito investimento e vontade em melhorar os indicadores ambientais em matéria de resíduos, os municípios e os sistemas por si constituídos foram, ao longo dos anos, praticamente os únicos que puseram em marcha aquilo que era necessário para evoluirmos no sector. Agora, e após o Estado ter vendido a empresa que trabalhava em conjunto com a maioria dos municípios, para o cumprimento dos objetivos, existe uma forte investida para reduzir a capacidade financeira dos SGRU em se manterem sustentáveis financeiramente. Se este caminho continuar e com o aumento da TGR, não haverá grandes alternativas ao aumento do financiamento do setor por parte dos municípios e consequentemente por parte dos cidadãos através das tarifas, como muito bem alertou recentemente o Presidente da CM de Loures num artigo de opinião na revista Visão.
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