Opinião: “PACTA SUNT SERVANDA”
No momento em que se procede a mais alterações, através de apreciação parlamentar, ao Regime Geral de Gestão de Resíduos e ao UNILEX alterados no passado mês de dezembro e cujo resultado ainda é desconhecido, surge um Estudo, contratado pela Agência Portuguesa do Ambiente, com recomendações para a definição do modelo económico e regulatório do futuro sistema de depósito de embalagens (SDR) de bebidas em plástico, vidro, metais ferrosos e alumínio que, de entre as diversas recomendações, propõe a revisão do RGGR recentemente alterado (ver, por exemplo, o exposto na pág. 70 do Relatório Final de 6 de abril de 2021). Isto significa que ainda não se estabilizaram as alterações legislativas sobre o setor e já mais se anunciam com a introdução de mudanças muito significativas na organização do setor dos resíduos em Portugal.
O estudo referido traz-nos “recomendações” que resultam, em minha modesta opinião, de uma visão teorética bonita, mas desfasada da realidade nacional quanto ao atual estado da reciclagem em Portugal e quanto à melhoria dos resultados, que todos estamos pressionados para alcançar.
Não irei aqui enunciar de forma detalhada as fragilidades que o estudo apresenta como é o caso de conclusões parciais sem fundamentação bastante, de insuficientes referências bibliográficas científicas independentes, da ausência de dados relativamente aos SDR existentes nos outros países que sejam provenientes de entes independentes das próprias entidades que gerem esses sistemas, entre outras. Deixarei essas questões para outros escritos.
Hoje, irei apenas centrar-me em dois aspetos que me parecem fundamentais.
O primeiro aspeto prende-se com o modelo económico apresentado, que considero também ele frágil, mas, e apesar disso, apresenta alguns pontos relevantes. Defende o Estudo que deverá ser dada latitude de autorregulação a quem quer que venha a ser a entidade gestora deste SDR, latitude que não é dada aos atuais SGRU ou mesmo SIGRE’s. Define um modelo económico baseado na criação de novas taxas e “fees” a favor da nova entidade gestora, como são os casos dos Fee’s para registo como operador, taxa de registo de embalagem e ainda considera que haverá uma parte significativa da receita, para operar, proveniente do dinheiro que não é reembolsado ao utilizador/cliente/cidadão que faz o esforço de reciclagem.
Para além disso, o Estudo conclui que, em total contradição com os resultados (páginas 58-65) de um “focus group” de cidadãos (resultados esses que não são totalmente disponibilizados) que, a troco de 0,05€, os cidadãos se darão ao trabalho de ir a um operador licenciado ou a uma máquina de reverse vending entregar uma garrafa de água de plástico.
O segundo e último aspeto prende-se com a ligeireza com que são tratados aqueles a quem a lei e os contratos de concessão conferem a exclusividade relativamente aos resíduos urbanos, muito em particular aqueles de que se fala neste estudo – os SGRU.
À posição e opinião dos SGRU, que investiram ao longo das últimas décadas centenas, se não mesmo milhares, de milhões de euros na recolha, triagem, tratamento e encaminhamento destes resíduos é dado meia página (página 51) num relatório de 110 páginas (desconsiderando anexos).
Temos ouvido, e muito bem, o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro a referir publicamente que os contratos são para se cumprir. Isto é referido a propósito de muitos outros assuntos da governação, também eles, relevantes. Pelo que, e de acordo com este mesmíssimo princípio jurídico, que remonta ao direito romano, não me parece que o mesmo não aconteça, também, neste caso e setor essencial no país, pelo que o destino a dar ao estudo realizado não pode ser outro que não a reciclagem, pois pacta sunt servanda, mesmo no setor dos resíduos.
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