Por Margarida Ataíde Monteiro, ASPEA (Associação Portuguesa de Educação Ambiental)
No dia 24 de outubro, a ASPEA e a Câmara Municipal de Benavente organizaram uma tertúlia no âmbito do Dia Mundial dos Peixes Migradores (World Fish Migration Day) e integrada no projeto LIFE INVASAQUA. Esta tertúlia teve como tema “O Rio e os Peixes Migradores – Oportunidades e Ameaças”. O evento decorreu na Biblioteca Municipal de Benavente e foi transmitido em direto pelos canais de comunicação da ASPEA e da Câmara Municipal de Benavente, para permitir uma maior participação.
A moderadora da tertúlia foi Maria João Correia, colaboradora da ASPEA e investigadora do MARE, que começou por dar as boas vindas e fazer um enquadramento da tertúlia, prosseguindo para a apresentação dos oradores: João Diogo, operador turístico da Promartur; Ricardo Espírito Santo, da Reserva Nacional do Estuário do Tejo (RNET) e em representação do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF); Maria Helena Alves, da Administração da Região Hidrográfica do Tejo (ARH-Tejo) e em representação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA); Hélio Justino, Vereador da Câmara Municipal de Benavente (CMB), em representação do Presidente da CMB; David Silva, Vice-Presidente da ASPEA; Francisco Simãozinho, pescador profissional na zona de Porto Alto; Carlos Alexandre, investigador no Centro de Ciências do Mar e dos Ambiente (MARE); Roberto Agostinho, pescador lúdico; e Cristina Gonçalves, do departamento de Cultura, Educação, Turismo, Desporto e Juventude da CMB. Esteve presente também um convidado da RNET e ICNF, Francisco Amaral.
Foi uma tertúlia produtiva, interessante e informal, com perspetivas diversas de 9 atores chave e que contou com a participação do público, através da plataforma de difusão.
No início, Maria João Correia deu a palavra ao Vereador da CMB e ao Vice-Presidente da ASPEA, que realçaram a importância deste tipo de iniciativas para a sensibilização das comunidades e contextualizaram o evento no projeto LIFE INVASAQUA e no Dia Mundial dos Peixes Migradores, que pretende sensibilizar o público para a manutenção de rios saudáveis, com especial destaque para os peixes migradores e as suas necessidades.
[blockquote style=”2″]Construção de barragens são uma ameaça[/blockquote]
De um modo introdutório, o investigador Carlos Alexandre explicou que os peixes migradores são aqueles que, para se alimentar ou para se reproduzir, percorrem grandes distâncias entre o rio e o mar. Em Portugal temos 2 tipos de peixes migradores: diádromos – que fazem migrações entre o rio e o mar, como a lampreia marinha e o sável; este tipo engloba os peixes anádromos – sobem o rio para se reproduzir – e catádromos – vão reproduzir-se ao mar (por exemplo, a enguia). O outro tipo de peixes migradores são os potamódromos, que apenas fazem migrações dentro dos rios, como os barbos e as bogas. Assim, ao longo do seu ciclo de vida, estas espécies estão expostas a muitas ameaças: as alterações climáticas, a poluição (que no rio Tejo é muito evidente), a destruição e alteração de habitat, a regularização do caudal dos rios, a destruição de vegetação ripícola e as espécies invasoras. O rio Tejo tem muitas, sendo que a mais falada atualmente é o peixe-gato-europeu, Silurus glanis, que tem tido um impacto significativo em populações peixes migradores. A construção de barragens e outros obstáculos também são uma ameaça para os peixes migradores, porque impedem-nos de aceder aos seus locais de alimentação e reprodução. Já há algumas soluções para isto, como as passagens para peixes. Perante este cenário de ameaças, Ricardo Espírito Santo referiu que o ICNF reconhece os estatutos de conservação para estas espécies, assim como a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), e que tenta garantir que os melhores princípios sejam aplicados para minimizar esta situação de ameaça nos estuários, zonas de transição entre rio e mar, muito importantes para os peixes migradores.
Em resposta à questão sobre possíveis limitações à pesca impostas pelos estatutos de conservação das espécies de peixes migradores, Francisco Simãozinho, pescador profissional, disse que existem, mas que os verdadeiros problemas para os pescadores actualmente são a pouca abundância de pescado, exceto de lagostim de água doce, a burocracia associada ao registo de barcos e o aumento de espécies invasoras, como o jacinto-de-água. Sobre esta espécie, referiu que cobre grande superfície do rio Sorraia.
Segundo Cristina Costa, da CMB, no âmbito municipal, têm vindo a trabalhar o rio para preservar este património, tendo recolhido muita informação de natureza histórica sobre o rio, considerado um recurso e uma via de comunicação. “Temos consciência que hoje não há pescadores em Benavente, temos no Porto Alto apenas, e são poucos”, afirmou Cristina Costa. Por outro lado, João Diogo, operador turístico, ao ser questionado sobre a existência de uma oportunidade turística em Benavente de valorização do património do rio, incluindo os peixes migradores e a pesca associada, respondeu que sim, por um lado, mas que existe dificuldade, por outro. Efetivamente tem barcos desde 2004 e faz passeios no rio Tejo que têm trazido uma grande quantidade de pessoas, tendo um grande potencial turístico. No entanto, a legalização, apesar de conseguida, foi difícil e morosa. Além disso, nos passeios de barco, necessitaria de uma pessoa especialista na área da pesca e dos peixes migradores, porque, como referiu João Diogo, a sua área é o turismo e não tem conhecimento suficiente para falar sobre peixes.
[blockquote style=”2″]Pesca desportiva[/blockquote]
Fazendo a ponte com a pesca lúdica, Maria João Correia questionou se em Benavente há oportunidade de desenvolver a pesca desportiva e qual a sensibilidade à diminuição das espécies e às invasoras. Roberto Agostinho, pescador lúdico, partilhou que a pesca desportiva tem um ponto de vista diferente do que foi falado neste evento e que ele faz pesca desportiva de competição em que todos os peixes que são capturados são devolvidos ao seu habitat, independentemente da espécie, visto que só praticam competição nos locais que têm uma concessão, com uma pessoa responsável por cuidar do espaço. No entanto, por lei essa devolução é proibida para as espécies invasoras. “Em Benavente temos a pista de pesca, é um projeto que a secção de pesca está a desenvolver com a Junta de Freguesia de Benavente e com a Câmara Municipal para desenvolver mais o espaço, para futuramente conseguirmos receber competições a nível regional e nacional”, referiu Roberto Agostinho. A verdade é que a pesca desportiva pode ter uma influência positiva na economia e comércio local, uma vez que as competições são de dois dias e trazem muitas pessoas à região.
Tendo em conta que um dos vetores de introdução de muitas espécies exóticas é a pesca e que pode haver transporte de espécies exóticas por embarcações e outros equipamentos, o projeto LIFE INVASAQUA tem uma campanha “Veja-Lave-Seque”, que pretende prevenir a disseminação de espécies exóticas em diversos locais.
[blockquote style=”2″]Dificuldades de licenciamento[/blockquote]
Em termos de planos de gestão da bacia do Tejo, para minimizar o impacto de obstáculos à migração de peixes, Maria Helena Alves afirmou que a atuação da APA é em parceria com o ICNF, nomeadamente no que diz respeito aos obstáculos que são construídos e que a passagem para peixes é aprovada pelo ICNF. Na APA intervêm ao nível do licenciamento, de infraestruturas hidráulicas e de barragens e açudes. “Temos tido dificuldades de licenciamento, tem sido difícil implementar passagens para peixes em barragens e açudes já construídos”, referiu Maria Helena Alves. No entanto, destacou dois aspetos positivos: conseguiram estabelecer caudais ecológicos para as barragens de Fratel e de Belver e este ano tiveram muita participação pública nas sessões de consulta dos planos, que foram online, com cerca de 100 pessoas por sessão.
Nas questões colocadas pelos participantes online, foram abordados vários temas, como planos de recuperação de peixes migradores, a importância do rio Sorraia para a lampreia, a opinião dos oradores sobre o projeto Tejo que prevê a construção de 6 açudes no rio Tejo, iniciativas de voluntariado ligadas às espécies invasoras como oportunidade para mobilizar pessoas, a participação pública sobre matérias ambientais, os cuidados com as embarcações que se devem ter e também sobre o impacto de plantas invasoras como o jacinto-de-água e o chorão.
Entre os muitos tópicos e perspetivas abordados na tertúlia, foi destacado o facto de o ser humano ser capaz de alterar a distribuição das espécies no planeta, mas também de ser capaz de juntar várias visões, discutir questões e propor soluções, como foi o caso deste evento. É fundamental existir um trabalho articulado e de continuidade entre os vários atores, para uma atuação mais eficaz na problemática das espécies exóticas invasoras e dos peixes migradores. Qualquer ação focada na gestão e reabilitação destas espécies tem que incluir a vontade e expressão dos múltiplos utilizadores do rio: os investigadores, a administração central, os pescadores, os municípios, os agentes turísticos, as entidades que fazem divulgação destes trabalhos. Só em conjunto, e atendendo aos múltiplos usos associados a estes ecossistemas e a estas espécies, é que é possível a concretização de medidas eficazes.