Por: José Conceição, diretor de Fiscalização na Riportico Engenharia
Atualmente, as alterações climáticas representam uma das maiores ameaças ao planeta e à Humanidade. Por essa razão, a Comunidade Internacional considera premente que a temperatura global anual média da superfície terrestre não exceda 1,50°C em relação aos níveis pré-industriais. Caso contrário, o aquecimento global irá promover o surgimento, cada vez mais frequente, de fenómenos climáticos extremos, tais como inundações, secas e vagas de calor que, por sua vez, induzem impactes severos do ponto de vista ambiental, social e económico. Como consequências mais significativas, os especialistas climáticos enunciam o derretimento de glaciares e a subida do nível do mar, a escassez de água e de alimentos, a extinção de espécies da fauna e da flora, o agravamento dos incêndios florestais, bem como as consequentes crises migratórias. Tendo este cenário presente, a União Europeia estabeleceu como meta vinculativa uma redução de pelo menos 55,00% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030 (em comparação com os valores de 1990) e, além disso, prevê alcançar a neutralidade climática até 2050. Como alternativas aos combustíveis fósseis subsistem as fontes de energia renovável (eólica, solar, hidroelétrica, oceânica, geotérmica, biomassa e biocombustíveis), as quais podem contribuir de sobremaneira para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, para a diversificação do aprovisionamento energético, bem como para a redução da dependência de mercados externos e consequentemente da respetiva volatilidade destes mercados. Nesse sentido, a Comissão Europeia determinou que, até 2030, cerca de 40,00% da produção de energia resulte de fontes renováveis. Desde 2018, a União Europeia tem vindo a defender o princípio da «prioridade à eficiência energética», com a fixação da redução do consumo de energia de, pelo menos, 32,50% até 2030. Como complemento, em julho de 2020, a Comissão Europeia propôs ainda uma Estratégia do Hidrogénio, com especial impacto nos setores associados à indústria e aos transportes.
Nas últimas décadas, Portugal tem implementado um conjunto significativo de políticas, de incentivos e de meios de financiamento com vista à transição energética, que têm dado frutos sobretudo no mercado de produção de energia elétrica. Em Portugal Continental, de janeiro a novembro de 2021 foram produzidos 42403GWh de eletricidade, dos quais 64,80% foram obtidos a partir de fonte renovável – a eólica com 26,34%, a hídrica com 25,85%, a bombagem com 3,32%, a bioenergia com 7,12% e a solar com 3,90%. Esta última exibe um potencial de crescimento significativo, visto que Portugal é um dos países da Europa com maior número médio anual de horas de sol. Além disso, a diferença horária entre Portugal e o centro da Europa poderá ser usada, no caso da energia solar, como uma vantagem no Mercado Interno Europeu da Energia. Não obstante, a imprevisibilidade e a volatilidade das energias renováveis, em especial da eólica e solar, desaconselha uma desativação total dos centros térmicos fósseis e, consequentemente, coloca dificuldades à intenção da descarbonização completa do setor elétrico nacional. Para ultrapassar a volatilidade das energias renováveis é essencial garantir capacidade de armazenamento de energia, recorrendo a baterias quando não existe produção (solar ou eólica), capaz de suprimir as necessidades de consumo. Ora as barragens são um elemento-chave neste processo de complementaridade, pois as suas albufeiras constituem reservatórios de energia, tanto maiores quanto maior for a capacidade de retenção de água. Esta capacidade inerente pode ainda ser maximizada por sistemas de bombagem, isto é, através do uso de grupos de turbinas reversíveis que permitem deslocar água de uma albufeira inferior para uma albufeira superior. Nestes casos, o excesso de energia produzida (em especial, pela eólica no período noturno) pode ser usado para transformar a energia elétrica em energia potencial gravítica (bombagem), sendo depois novamente “reutilizada” para a produção de energia elétrica durante os períodos com maior demanda da rede. Tal como já referido, em 2021, apenas 3,32% da energia elétrica foi obtida por bombagem e, portanto, é evidente o potencial existente por explorar caso as centrais convencionais sejam reequipadas com grupos reversíveis.
Apesar dos inegáveis impactes negativos – deslocação de populações, a inundação de terrenos agrícolas, a alteração de ecossistemas, e o assoreamento dos rios – as barragens assumem importância na atenuação dos fenómenos climáticos extremos cada vez mais frequentes. Em Portugal, no século XXI, já ocorreram períodos de seca em 2004/05, 2011/12 e 2017/19. É precisamente, neste contexto, que as barragens asseguram reservas essenciais para o abastecimento de água, para o regadio agrícola, tal como para o combate aos incêndios florestais. Ainda está bem presente o 15 de outubro de 2017, quando foram registadas 532 ignições, que causaram 51 mortos e cerca de 70 feridos. Aliás, em 2017, a seca extrema e a onda de calor contribuíram para que floresta portuguesa ardesse cerca de quatro vezes mais do que o habitual. Em contraste, as alterações climáticas promovem o surgimento de cheias associadas a precipitações repentinas e de elevada intensidade. Uma vez mais, as barragens permitem mitigar os riscos associados às cheias, por meio da sua capacidade de “modulação” dos caudais, isto é, quando se verificam elevados níveis de precipitação numa bacia hidrográfica a capacidade de armazenamento das barragens permite encaixar totalmente os volumes afluentes ou, caso isso não seja possível, descarregá-los de forma controlada para que se minimize os impactes sobre as zonas ribeirinhas.
Em suma, as barragens têm um papel imensurável no combate às alterações climáticas, quer pela energia renovável armazenada e produzida nos aproveitamentos hidroelétricos, quer pela mitigação dos riscos associados aos fenómenos climáticos extremos.