Por: Catarina Pinto Xavier e António Gaspar Schwalbach, ambos advogados na SLCM // Serra Lopes, Cortes Martins & Associados
A guerra contra os plásticos foi anunciada pela União Europeia em 2018[1]. E foi oficialmente iniciada com a publicação da Diretiva SUP[2], em 16 de junho de 2019.
Os argumentos são válidos e quando desembocam na poluição dos oceanos assumem o estatuto de nobres aos olhos de qualquer cidadão. Afinal, pareceria promíscuo tentar sequer esboçar algum contra-argumento quanto ao objetivo de alcançar um ciclo de vida circular dos plásticos e de, nesse contexto, encontrar uma solução para o constante aumento da produção de resíduos de plástico e para a dispersão de resíduos de plástico no ambiente. É fácil de compreender: a crescente utilização do plástico em aplicações de curta duração, as quais não são concebidas para serem reutilizadas ou recicladas, tem que ser revertida.
Desaparecidos os fumos de palco e amenizados os holofotes, é importante atentar no que está em causa: o alvo são os produtos de utilização única, tendo em vista a redução dos resíduos gerados. O plástico é útil e, em muitos sectores, essencial e, sim, pode ter um ciclo de vida circular, através da sua reutilização e/ou reciclagem. Não é uma guerra de tudo ou nada, como anunciam as manchetes. É uma batalha contra um alvo específico, que precisa de armamento de precisão.
A Diretiva SUP, além de outras regras, impõe a redução do consumo de embalagens de plástico de utilização única, mais concretamente de copos para bebidas, incluindo as suas coberturas e tampas, e de recipientes para alimentos, ou seja, recipientes como caixas, com ou sem tampa, utilizados para conter alimentos. Deixa a definição das medidas a tomar para esse efeito na discricionariedade dos Estados-Membros.
O Estado Português, no Orçamento de Estado para 2021, criou uma contribuição no valor de 0,30 € por embalagem, sobre embalagens de utilização única de plástico, alumínio ou multimaterial com plástico ou alumínio a serem adquiridas em refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio. Esta contribuição foi regulamentada pela Portaria n.º 331-E/2021, de 31 de dezembro, e a contribuição para as embalagens de plástico começou a aplicar-se em 1 de julho de 2022.
Ao longe a medida parece certeira. À escala 1/25 000, depressa se percebe que o míssil tem grande probabilidade de falhar o alvo, lançando o caos na área em que cai, mesmo sem detonação. É que esta contribuição de 0,30 € parece ter sido definida da mesma maneira que num discurso sobre ambiente se faz referência a “alterações climáticas” ou “poluição dos oceanos”. Considerando apenas a perspetiva ambiental, esta medida tributária evidencia falta de conhecimento técnico (quanto às embalagens e aos seus resíduos) e falta de conhecimento económico do mercado (em especial, do sector HORECA). Falta de conhecimento ou falta de know-how para a criação de um tributo para embalagens. O sucesso da taxa sobre os sacos de plásticos leves deveu-se à sua simplicidade: do seu objeto e da sua operacionalização. Simplicidade é o que não há nesta contribuição de 0,30 €.
A contribuição de 0,30 € está carregada de bonitas intenções, mas depende, essencialmente, do destino final que o consumidor tiver a intenção de dar à embalagem em causa – o último player da cadeia de valor.
E isto porque o trigger para a aplicação desta contribuição é este: se a embalagem se destinar a take away ou entrega ao domicílio, está sujeita a contribuição, caso contrário, não está. Bonito. Mas como se operacionaliza?
É que o sujeito passivo da contribuição é o primeiro player de uma cadeia de distribuição que não tem qualquer contacto com o consumidor. Como adivinhar o uso que o consumidor vai dar à embalagem? Por palpite ou adivinhação? Passa-a-palavra entre o primeiro operador económico e o último que tem contacto com o consumidor?
Se é verdade que o conceito de resíduo se alicerça na intenção de descartar o objeto, também parece evidente que uma medida tributária não pode, para ser transparente e compreendida pelo sujeito passivo, assim como eficaz, basear-se em intenções. O procedimento de tributação tem que ser simples e claro. Imagine-se como seria a tributação sobre o tabaco se a mesma dependesse do sítio onde fosse consumido…
Sucede que esta contribuição de 0,30€ é toda sobre as intenções declaradas do consumidor.
Assim, torna-se claro que o míssil vai falhar o alvo.
Os consumidores não vão perceber o objetivo (diferentemente do que aconteceu com os sacos de plástico leves). O sector HORECA não vai saber como fazer – esta contribuição será mais um pedregulho na engrenagem de um negócio duro e totalmente exposto à conjuntura económica de inflação. Por fim, incentiva-se a substituição dos materiais de que são feitos as embalagens descartáveis, em vez da efetiva redução desse tipo de embalagens, sendo expectável a crescente utilização de embalagens multimaterial com papel, assumidamente descartáveis, não recicláveis e despudoradamente disfarçadas de biodegradáveis: qual Greenwashing!
E o Ambiente vai sair, novamente, prejudicado com bonitas intenções.
[1] Cfr. Comunicação da Comissão Europeia de 16 de janeiro de 2018 intitulada «Estratégia europeia para os plásticos em economia circular».
[2] DIRETIVA (UE) 2019/904 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 5 de junho de 2019, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente.