Por: António Abreu Ferreira e Fernando Lamy da Fontoura.
A gestão dos Fluxos Específicos de Resíduos na União Europeia tem sido, nas últimas duas décadas e meia, um modelo de sucesso seguido em todo o mundo.
Inicialmente foram as Embalagens e Resíduos de Embalagens, mas sucessivamente as Pilhas e Acumuladores, os Veículos em Fim de Vida, os Pneus, os Óleos Lubrificantes, os Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos têm vindo a ser organizados de acordo com os princípios de Desenvolvimento Sustentável, entre os quais se destaca o da “Responsabilidade Alargada do Produtor – RAP” preconizado pela OCDE – Organização para o Desenvolvimento Económico e Desenvolvimento há cerca de vinte cinco anos.
O “RAP” foi enunciado com o objectivo de minimizar os resíduos produzidos, reduzindo ou mesmo eliminando os tradicionais encargos financeiros com a respectiva gestão para as Autoridades Locais que, com frequência, não têm os meios para a realizarem.
No entanto, em todo o espaço europeu, e também em Portugal, o maior fluxo de resíduos, em tonelagem e em volume, parece ter sido esquecido.
Os “RCD’s – Resíduos de Construção e Demolição” representam 1/3 do total dos resíduos produzidos na União Europeia, isto é, mais de 500 milhões de toneladas por ano, mas continuam a ser um gigantesco problema em muitos dos Estados-Membros.
A Comissão Europeia considerou-os, em 2011, como um Fluxo Prioritário, atendendo ao seu elevado potencial de reutilização e reciclagem e à necessidade europeia de uso eficiente dos recursos naturais. Em 2016 foram objecto da publicação de um PROTOCOLO EUROPEU, da autoria da Direção Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendorismo e das PME, baseado na necessidade de eficiência e racionalidade económica da indústria.
Não constituem, portanto, apenas um problema ambiental, são igualmente um tema de racionalidade industrial.
Parece, assim, estranha a diferença de tratamento dada a este fluxo de resíduos…
Analisando com mais profundidade este assunto podemos encontrar algumas razões:
• Enormes quantidades a tratar e valorizar.
• Grande complexidade e variedade de materiais. Alguns deles perigosos.
• Disparidade de características entre os vários Estados-Membros.
• Desconfiança nos materiais reciclados. Causada por desconhecimento técnico.
• Maus hábitos e práticas que o peso da mudança favorece.
• Falta de sensibilização e informação.
Em Portugal, como em todos os países do sul da Europa, a situação é grave:
• A legislação existe, mas o seu cumprimento é muito limitado.
• A fiscalização é manifestamente insuficiente e os meios para a realizar muito reduzidos.
• Os atentados ao Ambiente realizam-se em todo o território, prejudicando a qualidade de vida, o turismo e agravando a herança ecológica.
• As Autarquias têm custos diários com os vazadouros ilegais e não têm os recursos suficientes de controlo técnico e de fiscalização.
• A indústria da reciclagem, que fez investimentos significativos para responder à legislação publicada, está praticamente parada e sem possibilidade de amortizar os valores investidos.
• A indústria de construção está sem aproveitar o potencial de racionalidade económica, queixando-se de concorrência desleal e de falta de transparência.
Ao analisar as estatísticas nacionais verifica-se que os valores registados só consideram as declarações legais, o que corresponde a cerca de dez vezes menos do que as estimativas da Comissão Europeia para Portugal, isto é, mais de onze milhões de toneladas por ano. Os números não são fiáveis.
Cerca de 10 milhões de toneladas de resíduos de construção e demolição produzidas em Portugal todos os anos têm origens e destinos estatisticamente desconhecidos.
No entanto, aquilo que é oficialmente desconhecido pode ser encontrado por quem circula fora dos grandes eixos de comunicação. Em pinhais, caminhos municipais e mesmo em linhas de água de todo o território nacional são detectados com facilidade quantidades variadas deste tipo de resíduos.
Os danos ambientais e paisagísticos verificam-se por todo o lado, contaminando terrenos, cursos de água e lençóis freáticos, pois alguns “RCD’s” são perigosos.
E este perigo tem origem em muitos materiais inflamáveis, tóxicos, ecotóxicos, irritantes e mesmo cancerígenos. Referimo-nos a solos e lamas contaminados, colas, vedantes e aditivos, emulsões de alcatrão, amianto com fibras respiráveis, revestimentos e madeiras com retardadores de chama ou tratados com fungicidas ou pesticidas, impermeabilizantes e outros produtos com PCB’s, lâmpadas de mercúrio, sistemas de condicionamento de ar ou outros com CFC’s, solventes, tintas e canalizações de chumbo, para só referir alguns…
Ao longo de mais de um ano analisámos e estudámos em pormenor este assunto, contactando empresas e organizações com mais interesses no setor, de que se destacam os seguintes:
• Empresas de Construção Civil e as respetivas Associações (AECOPS; AICCOPN; CPCI; AICE).
• Empresas de Gestão de Resíduos e a respetiva Associação (AEPSA).
• Autarquias Nacionais com maiores problemas neste domínio.
• Organizações Não Governamentais do Ambiente (Quercus e Zero).
• Organização de Defesa do Consumidor (DECO).
• PTPC (Plataforma Tecnológica Portuguesa da Construção).
• Estabelecimentos de ensino e de investigação (FCT-UNL; IST; LNEC).
Consultámos, igualmente, as autoridades e organismos do Estado com responsabilidades na área e chegámos às seguintes conclusões principais:
1. A deposição correta de RCD’s implica, em muitos casos, grandes deslocações.
2. As pedreiras e areeiros recebem resíduos a valores próximos de zero euros e, muitas vezes, sem cumprirem os requisitos de qualidade legais.
3. As baixíssimas taxas de aterro tornam o tratamento e a valorização de RCD’s pouco interessantes, contrariando frontalmente as recomendações europeias.
4. Os materiais reciclados ainda são considerados inferiores aos provenientes dos recursos naturais, por desconhecimento técnico e falta de sensibilização.
5. As matérias-primas virgens nacionais têm vantagens competitivas, que devem ser aproveitadas, mas não existe ou é muito limitada a proteção aos nossos recursos naturais.
6. A muito limitada fiscalização a nível nacional e autárquico dá origem a situações de concorrência desleal na indústria e a graves atentados ambientais.
7. A deficiente informação estatística nacional sobre o setor impede um estudo e avaliação mais profunda e séria.
8. Os vários sistemas de Construção Sustentável (LEED, BREEAM, HQE,…) são cada vez mais solicitados no mercado e as mais valias que trariam à Indústria ficam em risco, por ser difícil a evidenciação da correta gestão de resíduos.
9. O potencial de racionalidade económica na indústria está a ser desaproveitado, impedindo o desenvolvimento de uma verdadeira Economia Circular.
Todas as entidades individuais e coletivas contactadas são unânimes em considerar que uma solução urgente tem de ser encontrada e que a criação de uma Entidade Gestora para este Fluxo Específico terá múltiplas vantagens.
Uma organização sem fins lucrativos, a exemplo das várias já existentes no nosso País e em toda a Europa, seria o modelo organizativo a licenciar pelo Estado que em conjunto com a consideração do “Princípio da Responsabilidade Alargada do Produtor”, já referido atrás, legalmente assumido para este Fluxo de Resíduos, permitiria desenvolver as atividades necessárias à mudança, entre as quais:
• Constituir de uma Rede de Recolha de âmbito nacional.
• Apoiar a logística de encaminhamento para os locais adequados.
• Fomentar o aumento do Tratamento e da Valorização.
• Lançar campanhas de Informação, Sensibilização e Formação tendo como “target” não só o mundo empresarial, mas, igualmente, as Autarquias, vários Organismos do Estado e os próprios cidadãos.
• Dominar progressivamente e de modo profundo, quer em quantidade, quer em qualidade, os fluxos materiais do setor, com encaminhamento dessas informações para as Autoridades.
• Desenvolver e apoiar financeiramente soluções técnicas inovadoras, em parceria com Universidades, Laboratórios de Investigação e Empresas.
Verificámos, por outro lado, que esta hipótese de solução foi acarinhada pela Autoridades Competentes, pelo que será entregue formalmente, muito em breve, na Secretaria de Estado do Ambiente um documento manifestando a necessidade e propondo a solução enunciada atrás, apoiado por empresas e autarquias de relevo nacional que se têm vindo a preocupar com o Desenvolvimento Sustentável e a Economia Circular.