A 24 de fevereiro foi publicado o Decreto-Lei n.º 16/2021 (“DL 16/2021”) que altera os sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes (“Sistemas Municipais”) e introduz medidas relativas à geração e recuperação dos desvios de recuperação de determinados gastos.
Este diploma introduz algumas alterações de monta que podem, e devem, ser analisados em três planos distintos.
O primeiro plano em que o DL 16/2021 deve ser analisado é o das alterações que introduz no âmbito dos Sistemas Multimunicipais, ao incluir como atividade a ser desenvolvida a produção de água para reutilização obtida a partir do tratamento de efluentes e a sua disponibilização (modificando, com esse propósito, quer o âmbito dos Sistemas Multimunicipais quer o objeto da atividade que pode ser prosseguido pelas Entidades Gestoras).
Trata-se, no essencial, de incluir no âmbito (principal) de uma concessão, por via legislativa, atividades que antes aí se não encontravam (encontrando-se relegadas para o âmbito das atividades acessórias ou complementares), com a inerente exclusão dessa atividade do âmbito da concorrência (ou, pelo menos, forte limitação ao seu exercício).
Entendendo-se que, até à entrada em vigor do DL 16/2021, a produção de água para reutilização obtida a partir do tratamento de efluentes, e a sua disponibilização, era uma atividade configurada como acessória ou complementar à desenvolvida a título principal, a sua prossecução pelas entidades gestoras era opcional e estava sujeita a autorização do membro do Governo responsável pela área do ambiente e a parecer obrigatório da Autoridade da Concorrência. Com a alteração agora aprovada, essa atividade passa a ser uma atividade obrigatoriamente prosseguida pelos Sistemas Multimunicipais.
Em paralelo com esta alteração, o diploma em análise procede a uma reconfiguração do entendimento desta atividade em matéria concorrencial – sendo este o segundo plano em que o regime deve ser analisado.
Tendo em conta (i) a inclusão da produção de água para reutilização obtida a partir do tratamento de efluentes, e a sua disponibilização no objeto principal dos Sistemas Multimunicipais; e (ii) a obrigatoriedade de os municípios procederem à ligação aos Sistemas Multimunicipais; as entidades gestoras consolidam a sua posição dominante num mercado que, antes, não era seu (ainda que nele pudessem atuar), sem qualquer análise concorrencial prévia.
É certo que se mantém o princípio de que o exercício de atividades complementares pressupõe que não seja posta em causa a concorrência. Contudo, a ausência de um controlo ex ante por uma entidade independente (a Autoridade da Concorrência) propicia a criação de uma situação de facto consumado de limitação ab initio à concorrência.
O terceiro plano em que o DL 16/2021 deve ser analisado é o reforço financeiro (independentemente da designação utilizada para o efeito) de algumas entidades gestoras.
Quanto aos Sistemas Multimunicipais do Centro Litoral de Portugal, do Norte de Portugal e do Vale do Tejo mantêm-se, no ano de 2021, as tarifas, rendimentos tarifários e demais valores cobrados nos termos dos contratos de concessão aplicados no último ano do período de convergência tarifária; no que concerne às Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S. A. mantem-se a componente tarifária acrescida para o ano de 2020 (que era, por si, a maior desde 2015); relativamente à EPAL, S.A., especifica-se, expressamente, que o Fundo Ambiental pode atribuir apoios destinados a contribuir para a sustentabilidade económico-financeira daquela, o que indicia que, brevemente, esse reforço da situação financeira da EPAL, S.A. pode ocorrer; no caso da Águas do Norte, S.A., que beneficiou, nos termos de uma norma transitória, de receitas extraordinárias atribuídas pelo Fundo Ambiental no montante de € 35.000.000,00 para o período de 2017 a 2021, atribui-se, pelo DL 16/2021, receitas extraordinárias para o período de 2022 a 2026 de € 10.000.000,00 por ano, ou seja, de € 50.000.000,00 (ou seja, o valor das receitas extraordinárias aumenta significativamente em face dos cinco anos anteriores).
Em suma, além das preocupações ambientais – muito realçadas no preâmbulo do DL 16/2021 – o referido diploma foi aproveitado para um reforço significativo dos instrumentos de atuação das entidades gestoras dos Sistemas Multimunicipais que visam o reforço da sua atuação (e da sua capacidade financeira), com inerentes consequências daí resultantes para o mercado.
[blockquote style=”3″]Pedro Vaz Mendes junta-se todos os meses à Ambiente Magazine para dar o seu testemunho sobre assuntos ligados ao meio ambiente.[/blockquote]
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