Por Joana Silva Aroso, Advogada, sócia da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados
No passado dia 9 de abril, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) proferiu uma decisão já considerada histórica, dando razão à queixa apresentada pelas Klima Seniorinnen (Idosas Suíças para a Proteção do Clima), contra o respetivo Governo, pelo que podemos chamar de “inação climática”.
Esta associação, composta por cerca de 2500 mulheres suíças, com idades superiores a 70 anos, apresentou uma queixa neste Tribunal, invocando que o governo helvético não tem adotado as medidas necessárias para prevenir e combater as alterações climáticas, nomeadamente para respeitar e cumprir as metas definidas pelo Acordo de Paris no que se refere à redução do aquecimento global e da emissão de gases com efeito de estufa.
Argumentando que as ondas de calor fazem sentir os seus efeitos, com especial incidência, sobre os grupos mais vulneráveis, nos quais se incluem os mais idosos, esta Associação invocou, especificamente, a violação do artigo 2.º e do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou seja, do Direito à Vida e do Direito ao respeito pela vida privada e familiar.
As queixosas, representadas pela Associação acima mencionada, sustentaram, com sucesso, que a atuação – ou antes, a omissão do cumprimento das obrigações positivas de atuação em matéria climática – da Confederação Helvética, representa uma ameaça séria à sua vida, saúde, bem-estar e qualidade de vida, conduzindo à deterioração do seu estado de saúde.
Numa análise prévia acerca da admissibilidade da Queixa, o Tribunal considerou que a especificidade das alterações climáticas enquanto preocupação comum da humanidade, assim como a necessidade de promover a repartição intergeracional dos encargos, permitiam o recurso à ação judicial por parte das associações no contexto das alterações climáticas.
Nesse sentido, entendeu também que é obrigação dos Estados signatários da Convenção adotarem legislação e aplicarem medidas concretas, suscetíveis de atenuar os efeitos atuais e potencialmente irreversíveis das alterações climáticas, e que esta obrigação decorre do facto de a Convenção, enquanto instrumento de proteção dos direitos humanos, exigir que as suas disposições sejam interpretadas e aplicadas de modo a garantir a verdadeira efetivação desses mesmos direitos.
No entanto, o aspeto que queremos destacar é o de que, no contexto da intervenção dos peritos das Nações Unidas neste processo, estes confirmaram que que as alterações climáticas afetam o pleno gozo dos direitos humanos das pessoas idosas, fazendo ainda notar que o envelhecimento e as alterações climáticas têm também impactos diferenciados sobre homens e mulheres, e que as mulheres idosas enfrentam um risco particular de vulnerabilidade aos impactos climáticos, com maior probabilidade de sofrer de doenças crónicas causadas pela poluição atmosférica, e com taxas de mortalidade mais elevadas, devido aos fenómenos de calor extremo.
Assim, e no que consideramos constituir uma interpretação inovadora do artigo 8.º da Convenção, o TEDH entendeu que esta norma foi violada no caso concreto, o que nos conduz à conclusão – muitíssimo relevante enquanto precedente – de que se inclui, no espírito e âmbito de proteção da Convenção, o direito à autonomia pessoal dos mais velhos e o direito, de todos, a envelhecer com dignidade, incluindo, neste contexto, o direito à especial proteção dos idosos em face das alterações climáticas.
Pode ler-se, na decisão em causa, este emblemático excerto: “Convém recordar que a Convenção é um instrumento vivo que deve ser interpretado à luz das condições actuais e em conformidade com a evolução do direito internacional, de modo a refletir o nível cada vez mais elevado exigido no domínio da proteção dos direitos humanos, o que exige uma maior firmeza na avaliação das violações dos valores fundamentais das sociedades democráticas”.
Esta decisão toca naqueles que são os dois grandes temas dos nossos tempos: as alterações climáticas e a longevidade. Se dúvidas houvesse acerca da sua interconexão, a jurisprudência do TEDH evolui, mas no sentido de nos lembrar daquela que é considerada a primeira lei da natureza: “tudo está relacionado com tudo”.