Por Filipe Ferreira, Mestre em Estudos do Ambiente e Sustentabilidade; Investigador na European Climate Foundation
A chama da extrema-direita está mais brilhante do que nunca. No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, tal afirmação teria provavelmente sido recebida com risos de escárnio, mas a verdade é que hoje, os disruptores da extrema-direita têm vindo a adquirir cada vez mais peso um pouco por todo o globo, com a Europa e o nosso país a não serem exceção. Tirando partido de uma onda de ressentimento resultante da pandemia, de constantes crises sobre o custo de vida e da fatura económica das guerras em curso, personagens exuberantes, quase cartoonescas, como Milei, Wilders, Trump e até Ventura, têm vindo a propagar-se como fogo.
Isto não deveria ser novidade, mas a extrema-direita comporta diversos riscos aos valores democráticos e à coesão social. Os seus proponentes apresentam frequentemente características de imprevisibilidade, reatividade e uma tendência para resistir a avanços anteriores de base liberal, particularmente no que concerne a assuntos climáticos e ambientais – uma arena onde os riscos atingiram proporções sem precedentes.
Em 17 de novembro de 2023, a temperatura da Terra ultrapassou pela primeira vez o limiar crítico de 2 °C e a um mês do fim do ano, 2023 está prestes a tornar-se o ano mais quente alguma vez registado. Nos próximos dias, todos os olhares irão convergir sobre a COP28, sendo a cimeira internacional reconhecida como a potencial última oportunidade do planeta para evitar exceder o perigoso limite de segurança de 1,5 °C. O foco dos especialistas gira em torno do que é visto como o desafio supremo: forjar um acordo global e abrangente que aborde de forma inequívoca a tarefa imperativa de reduzir decisivamente as emissões de carbono. No entanto, mesmo que tal aconteça, os fios de esperança poderão ser cortados a qualquer momento, se a tesoura da extrema-direita continuar a retalhar a manta política internacional.
A estratégia empregada pelos populistas de direita é bastante simples e é também aplicada em medidas de outro cariz, mas ao denunciar a transição verde como uma despesa substancial, elaboram uma narrativa que enquadra estas iniciativas como potenciais ameaças à estabilidade económica e laboral, capitalizando assim os medos mais fundamentais das pessoas. O objetivo principal é moldar a opinião pública em apoio da sua campanha, que pretensamente garante segurança de emprego.
Esta tendência tem-se manifestado um pouco por toda a Europa. Em Espanha, o Vox condenou a lei climática de 2021 do país como um “regresso às cavernas e à pobreza”. De forma semelhante, na Suécia, o governo de direita reduziu os impostos sobre os combustíveis e revogou o embargo à extração de novos combustíveis fósseis, invocando potenciais prejuízos para a competitividade das indústrias e das famílias. E, há poucos dias, a oposição dos agricultores holandeses aos limites de nitrogénio contribuiu em grande medida para a vitória de Wilders.
Como se não bastasse, esta estratégia vem exercer pressão sobre governos em exercício e partidos políticos que normalmente favorecem medidas climáticas. Temendo uma perda de apoio popular, estas entidades vêem-se obrigadas a proceder a uma reestruturação estratégica.
Encontrar um equilíbrio delicado entre a responsabilidade ambiental e a resposta às preocupações económicas alimentadas pela narrativa de extrema-direita torna-se um desafio premente. A situação na Alemanha é um perfeito exemplo. O partido AfD, negacionista climático, tem criticado veementemente medidas como a eliminação progressiva das centrais nucleares alemães e a proibição dos motores de combustão interna, o que pressionou o governo de Scholz a abandonar iniciativas de mitigação climática, como a suspensão de um
projeto de lei que previa a proibição de caldeiras a gás nas habitações.
Este desvio de foco poderá ter consequências desastrosas para o estado do planeta. Numa altura em que vários países europeus se preparam para eleições legislativas no próximo ano e a poucos meses da votação para o Parlamento Europeu, os governantes liberais estão mais preocupados com as urnas do que com o combate às alterações climáticas, falhando em transmitir eficazmente ao público os riscos da inação.
Sim, a transição energética é dispendiosa, 5,5% do PIB mundial em 2050, para ser exato, mas à medida que a crise climática evolui, o fracasso pode significar um custo de 20% do PIB mundial no mesmo ano, o que levaria a uma crise económica de proporções bíblicas.
Os órgãos de governo têm a obrigação de garantir que os eleitores entendam que os investimentos verdes são um caminho para uma prosperidade social duradoura. Mas esta comunicação deve ser efetuada de forma a evitar que a resistência faça descarrilar a jornada para o objetivo de net zero.
Embora difícil, é imperativo reconhecer que a prevenção da ebulição global e a redução da ascensão da extrema-direita são desafios interligados. Abordar um sem o outro não é viável, pelo que não temos outra opção senão enfrentar ambas as forças em simultâneo. A abordagem que os líderes liberais escolherem será mais critica do que nunca.