Num mundo em transformação acelerada, com desafios sem precedentes decorrentes das inevitáveis e ainda imprevisíveis alterações climáticas, o setor do ambiente assume-se como central para se ultrapassarem os enormes desafios da descarbonização e da sustentabilidade. A AEPSA entende que para se atingirem os novos desideratos do ambiente em Portugal é imprescindível um maior envolvimento do setor privado, alavancado na inovação e na sua capacidade de boa gestão e de financiamento.
Para o mercado são determinantes a transparência, a estabilidade e a previsibilidade do quadro regulatório e legislativo, para garantir segurança e confiança aos agentes do mercado. No entanto, deparamo-nos com o contrário, já que o OE de 2021 apresenta alterações substantivas a nível dos poderes regulatórios da ERSAR. Esta alteração é, infelizmente, o contrário do que deve o Estado fazer em matéria de políticas públicas.
No setor das águas, contrariamente ao que seria lógico e desejável, o Estado tem vindo a implementar medidas e orientações que comprometem a atividade das empresas privadas concessionárias, com prejuízo quer para a sustentabilidade ambiental, quer para a qualidade do serviço prestada aos utilizadores. A AEPSA entende que o Estado tem vindo a violar regras da concorrência, ao condicionar a atividade dos operadores privados, que apresentam melhores níveis de desempenho e praticam tarifas mais competitivas, ao mesmo tempo que subsidia entidades públicas ineficientes com ajudas de estado, razão pela qual, após esgotadas várias iniciativas junto das entidades governamentais nacionais, ao longo dos últimos anos, a AEPSA decidiu recorrer ao mecanismo de denúncia à Comissão Europeia.
Nessa denúncia foram identificadas diversas razões, nomeadamente: Ajudas de Estado ilegítimas a entidades públicas; Limitação de acesso das entidades privadas ao mercado; Bloqueio ou mesmo reversão da concessão a entidades privadas em “baixa”; Atribuição discriminatória de fundos europeus; Prática de tarifas insuficientes para cobrir os custos respetivos (por grande parte das entidades gestoras públicas em baixa, compensados pelo recurso ao orçamento do Estado ou pelos orçamentos municipais, violando o princípio do consumidor-pagador); Desenvolvimento desmesurado da AdP ( que intervém em condições privilegiadas de forma dominante e crescente em todas as fases da cadeia de valor do ciclo da água) e Criação de entidades gestoras dos sistemas multimunicipais (sem concurso público e com participação sempre maioritária do Grupo AdP).
A AEPSA entende que só promovendo a empresarialização das entidades gestoras, com maior envolvimento do setor privado, será possível melhorar a sustentabilidade ambiental e financeira do setor das águas e proporcionar uma efetiva qualidade do serviço.
No domínio dos resíduos em Portugal, como, aliás, também na Europa, o seu tratamento é cada vez mais central em matéria de proteção do ambiente e da economia circular. Numa altura em que o país tem de garantir metas ambientais europeias cada vez mais ambiciosas, o caminho só pode ser no sentido do cumprimento dos objetivos nacionais de sustentabilidade ambiental. Isto é ainda mais incontornável no que respeita aos resíduos elétricos e eletrónicos, uma fileira em crescimento acelerado, e em que o tratamento e a reciclagem adequados dos materiais usados são, por isso, decisivos, mas com resultados muito longe das metas definidas.
De facto, têm sido múltiplas as iniciativas estruturantes do governo no setor dos resíduos, como a revisão do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, (UNILEX), a aprovação do Regime Geral de Gestão de Resíduos pelo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, e o Decreto n.º 157/XIV aprovação pela Assembleia da República de uma alteração ao Decreto-Lei n.º 102-D/2020, cujas alterações propostas terão um impacto significativo nos procedimentos concursais promovidos pelas entidades gestoras, que estão no centro do processo e que fazem a ligação entre os produtores e os operadores de resíduos e têm como principal missão garantir o cumprimento desses objetivos.
Infelizmente, não é isso que se passa, muito pelo contrário, como se verificou no caso de concursos lançados recentemente em julho no âmbito de REEE, pela Electrão que tem uma posição dominante de mercado, que contrariam claramente as boas práticas de transparência, em que foram aproveitados períodos de “quase” promulgação de um diploma para lançar concursos em desconformidade com a vontade do legislador e sem a transparência que deve necessariamente imperar na gestão de serviços públicos. A AEPSA entendeu mesmo ter sido incontornável a tomada de medidas para suspender os concursos em causa, através do mecanismo de providência cautelar, interposta na devida altura do processo.
*Este artigo foi publicado na edição 90 da Ambiente Magazine.