Por: Carlos Pedro Da Silveira Coelho Ferreira, CEO da Sondar e Membro Sénior da Ordem Dos Engenheiros
Nos últimos anos temos vindo a perceber que existe uma divergência entre o que se apregoa como sendo o importante e inadiável ter de ser feito do ponto de vista ambiental, e os meios disponibilizados para poder atingir os objetivos. As preocupações com o Ambiente são generalizadas e pulverizadas por todas as fachas etárias e Países, sendo que as energias e recursos alocados não são distribuídas de forma eficiente. Diria mais, não são e parece não ser por acaso, já que as preocupações com o Ambiente passaram a ser um lugar-comum, obrigatório, politicamente correto e sobre o qual os caminhos para os resolver estão já traçados a régua e esquadro.
Hoje ninguém pode pôr em causa o aquecimento global, e ele próprio apresentado como um facto consumado, mas de difícil perceção mesmo para quem é da área, porque é um assunto tabu discordar não porque sim, mas por ex. perceber a importância de em 2020 ter tido em média 1,2°C acima das temperaturas da era pré-industrial (1880).
Um aumento de 1,2°C em 140 anos é afinal um quase nada, no Acordo de Paris, os Estados Membros comprometeram-se a limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C, de preferência a 1,5°C, em comparação com os níveis pré-industriais. Bem, sejamos claros os próprios objetivos são pouco rigorosos, 2°C de objetivo que se quer de preferência 1,5°C ou seja 25% de desvio no objetivo, aparentemente para um cidadão mais ou menos comum, diz-nos que 0,5 °C não são relevantes. Mas então porque nos preocupamos com não aumentar mais do que 1,5 °C do que o que tínhamos na era pré-industrial, e não colocamos o objetivo no abaixamento de 1.2 °C, ou seja, voltármos para as temperaturas de 1880?
A razão parece-me ser simples, é que queremos fingir que andamos preocupados, mas sem criar demasiado alarido que faça com que as pessoas deixem o politicamente correto e começam a gritar que lhes estão a tirar tudo aquilo que conquistaram. É que as políticas não resolvem coisa nenhuma, atenuam, só as pessoas mobilizadas conseguem baixar 1.2 °C se for efetivamente importante faze-lo, mudando comportamentos. Bastariam transportes públicos que poderiam ser gratuitos em todas as cidades e vilas, e o transito nas mesmas fechado aos transportes Individuais poluentes.
Estava resolvido o problema, as pessoas não precisavam de carro no seu dia a dia e assim os triliões de km diários efetuados por veículos que usam combustíveis fosseis acabavam. Vai-se pelo caminho mais suave, por ex. o carro elétrico como se ele não fosse poluente, é verde, é o máximo ele é o sonho de todos e a salvação do planeta. Claro que não é, grande parte da energia elétrica consumida ainda é fóssil pelo que o carro elétrico emite de forma indireta poluentes com potencial de efeito de estufa. Depois inventaram-se impensadamente as trotinetes elétricas como uma solução de mobilidade urbana, que agora é de morbilidade, e já está a ser desmontada em algumas cidades, porque alem de não resolver os problemas de mobilidade, origina uma percentagem extremamente elevada de acidentes. No fundo os governantes locais adquiriam brinquedos, caros e perigosos para os cidadãos e agora desmonta-se a rede. Estas soluções não se implementam porque, na minha opinião elas são do desagrado das pessoas, as pessoas não querem deixar de andar de carro, não querem ter a casa fria no inverno e quente no verão, querem comodidades no dia a dia, e portanto querem ter aquilo que têm, e os que ainda não têm, os milhões de chineses e Indianos etc.. vão querer ter carro e andar, casas confortáveis, viajarem de Avião, tudo o que o dinheiro possa comprar, coisas que sempre sonharam e agora já pode ser possível. O que interessa mais grau menos grau de temperatura no planeta a quem só tem uma vida e nunca teve nada? Não interessa nada, e percebe-se. Se de fato o aquecimento do planeta em 1.5°C for importante não se façam cimeiras que vão adiando as decisões, flexibilizando as mesmas e as metas, desde 1997 com o protocolo de Quioto, mas se tomem decisões de fácil implementação, baixo custo/ benefício e impacto imediato; i.e redes de transportes públicos de elevada abrangência e com ligações entre cidades e Países.
Qualquer pessoa que já tenha estado em Países com redes de metro com uma distribuição espacial adequada e horários compatíveis, nem pensa sequer em usar o carro, nem uma trotinete.
E não é sequer necessário proibir os carros no centro das cidades, basta taxá-los de forma absurda por ex. no estacionamento.
“Falta exemplo, disciplina, rigor, coordenação de políticas, ponderação de decisões e critérios e ponderação”
O que nós vemos hoje é um fenómeno de bipolaridade sobre verbalizações sobre; e acções sobre o mesmo. Dizemos que os combustíveis são caros, mas andamos de carro como se a gasolina fosse grátis. Dizemos que a água é cara e escassa, e depois gastamos em média 4 pessoas 500 litros/dia. Colocamos água potável na sanita, e afinal a água é mesmo barata; entre gastar 1000 litros/mês ou 15 000 litros/mês dependendo do concelho, mas em média falamos de mais 20 Euros. 20 Euros por 14 000 litros de água é caro?? A água a este preço pode ser considerada um bem escasso, e se for, como é que um bem escasso pode ser barato?
São estas pequenas grandes coisas que baralham e confundem as pessoas, e elas confundem e fundem-se entre conceitos alguns abstratos e outros concretos. Temos hoje uma amalgama de slogans e objetivos em simultâneo que são eles próprios contraditórios. Como se dão benefícios fiscais a veículos elétricos híbridos com motores a gasolina de 300 CV que consomem 12l/100km?
Não existe nada do ponto de vista ambiental que justifique tal decisão, a única justificação plausível é trazer para o Universo da chamada mobilidade elétrica, que só existe no nome, pessoas que gostam de carros potentes e desportivos e aproveitam para adquirir a um preço competitivo e simpático um brinquedo caro.
Assim não vamos a lado nenhum no que toca a questões ambientais, falta exemplo, disciplina, rigor, coordenação de políticas, ponderação de decisões e critérios e ponderação.
Temos uma grande facilidade em não querer fazer o fazível no curto prazo resolvendo rapidamente o que pode ser solucionado, assente numa estratégia pré-definida e globalizada.
Enquanto não houver este entendimento e a aceitação que não podemos decidir que outros não tenham o que já temos ou tivemos, não é possível encontrar consensos. E para conseguirmos ter algum consenso Universal, quem já teve, pode começar a abdicar de algumas coisas, andar mais a pé, de bicicleta, de Comboio, de Metro e deixar quem nunca teve nada o “luxo” de durante algum tempo andar de carro, mesmo que desnecessário.
Para pessoas mais esclarecidas sobre Ambiente e saúde, estes novos hábitos serão benéficos em todos os sentidos, só é preciso começar e depois deixar que rolar que depois do balanço inicial o comboio não para mais.
*Este artigo foi incluído na edição 99 da Ambiente Magazine