#Opinião: “Moçambique – Massificação de Soluções de Cozinha Limpa”
Por: Susana Pinto Coelho e Hortência Machiana, da Miranda & Associados
O relatório publicado pela Clean Cooking Alliance, em Dezembro de 2023, – “O Futuro das Cidades Sustentáveis de África: a Importância da Cozinha Limpa” – salienta o papel fundamental das soluções de cozinha limpa para a redução das emissões, aumento da biodiversidade e alívio da pressão sobre as florestas e os ecossistemas. O Governo moçambicano parece estar alinhado com esta visão e, no âmbito da Estratégia de Transição Energética Justa (ETEJ), aprovada pela Resolução n.º 61/2023, de 29 de Dezembro, propõe um programa de massificação de soluções de cozinha limpa a implementar até 2030.
A substituição do uso tradicional de biomassa por soluções de cozinha limpas e modernas, é entendida como um passo crítico para reduzir as emissões e cumprimento dos compromissos assumidos ao abrigo das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) apresentadas no âmbito do Acordo de Paris. Para o efeito, o Governo prevê: i) a progressiva eliminação do uso de carvão vegetal e a sua substituição por biomassa refinada, ii) a introdução de fogões melhorados e promoção de práticas sustentáveis de recolha de lenha nas zonas rurais, e iii) o incremento do uso de fogões avançados nas zonas urbanas ligadas à rede.
O envolvimento das comunidades locais – através de campanhas de educação, sensibilização e formação – será fundamental para que estes objetivos sejam efetivamente alcançados. Ademais, o Governo planeia levar a cabo um estudo ambiental e socioeconómico para avaliar os impactos relacionados com a cadeia de produção de carvão vegetal doméstico, incluindo as emissões de carbono decorrentes do mesmo, e o número de empregos gerados ao longo da cadeia de valor. Prevê-se que este estudo identifique alternativas sustentáveis para a criação de empregos e atividades económicas capazes de promover a transição sem causar impactos adversos nas condições económicas e/ou nos meios de subsistência das populações locais mais vulneráveis.
Embora, até à data, não tenha sido criado em Moçambique qualquer regime jurídico específico destinado a regular a implementação de projetos de soluções de cozinha limpa e/ou a reforçar o investimento nesta área, este tipo de projetos está a tornar-se cada vez mais comum. O mercado tem sido, principalmente, impulsionado por iniciativas de doadores, subvenções, financiamento baseado em resultados, financiamento climático e/ou regimes de compensação de carbono. Também estão disponíveis, e espera-se que se tornem cada vez mais populares, soluções Pay-as-you-go (PAYG).
No entanto, estes projetos têm sido tipicamente implementados numa base ad hoc e sujeitos a requisitos pouco claros – ou muito limitados – o que tem suscitado algumas questões, em especial quando esses projetos estão associados a sistemas de financiamento climático e/ou de compensação de carbono. A título de exemplo, a titularidade e transmissão dos créditos de carbono não estão, atualmente, regulamentadas e, em regra, o investidor depende de acordos contratuais celebrados com as entidades locais relevantes e/ou os beneficiários do projeto. Embora, em regra, os projetos de compensação de carbono relacionados com soluções de cozinha limpa sejam realizados ao abrigo dos padrões Verra Verified Carbon Standard ou Gold Standard, a falta de regras nacionais e, em especial, a aplicação de medidas de controlo deficientes podem prejudicar a transparência do projeto e, em especial, a integridade dos créditos de carbono gerados no âmbito do mesmo.
No entanto, o Governo está consciente do potencial do mercado interno para soluções de cozinha limpa e do seu impacto no cumprimento dos objetivos de redução de emissões. O Governo parece também compreender a necessidade de estabelecer algumas bases legais que permitam a implementação harmoniosa deste tipo de projetos e a atração de financiamento. Assim, está prevista a adoção de um quadro regulamentar destinado a atrair fabricantes e distribuidores de fogões melhorados e avançados. Entre outros, estão a ser considerados benefícios fiscais e subsídios à importação deste tipo de equipamento. Espera-se também que, num futuro próximo, sejam promulgados regulamentos sobre o mercado voluntário de carbono, compensação de carbono e créditos de carbono. Paralelamente, o Governo pretende, também, incrementar projetos de produção de energia off-grid e mini-grid, com vista a aumentar o acesso à energia nas zonas rurais, assegurar 70% da produção de GPL no país e expandir a rede de distribuição doméstica de GPL.
Portanto, prevê-se que a massificação do acesso a soluções de cozinha limpa terá impacto no desenvolvimento de várias áreas de negócio em toda a cadeia de valor, sendo expectável o crescimento do investimento e o posicionamento de Moçambique como um player fundamental na transição energética.