Sabemos que na área do ambiente a legislação tem de ter visão de longo prazo, estabelecendo metas ambiciosas que serão alcançadas com vários instrumentos de regulação.
A lei de bases do Clima, recentemente aprovada e com uma larga maioria onde apenas não se juntou a Iniciativa Liberal e o Partido Comunista Português, é das legislações nacionais mais ambiciosas e avançadas em matéria climática dos vários países europeus.
Começa por introduzir no ordenamento jurídico a emergência climática. Releva a cidadania como forma de luta pelo Clima, especificando que os cidadãos têm direito ao equilíbrio climático, através da “defesa contra os impactos das alterações climáticas, bem como no poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria climática, a que se encontram vinculadas”.
Esse direito, que abre caminho a uma maior responsabilização de todos na sociedade, elevando a luta climática como uma luta social de todos. Assim, fica claro que passa a haver o conceito de “cidadania climática” com deveres de “contribuir para a salvaguarda do equilíbrio climático, cabendo ao Estado promove-la nos planos políticos, técnico, cultural, educativo, económico e jurídico”.
Na definição de metas este diploma é também claro. Definindo metas de descarbonização para vários setores, com maior ambição que a maioria dos países europeus. Assim o país adota metas quantitativas de redução, face a 2005, de emissões de gases com efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas, com reduções em períodos temporais de cada década até 2050, em áreas setoriais como o sistema electroprodutor, como o setor dos transportes e mobilidade, incluindo aviação e marítimos internacionais, como o setor da indústria, como o setor dos edifícios, como o setor da agricultura, solos com agricultura e pastagens, setor dos resíduos e das águas residuais. Sendo o princípio correto, as métricas a adotar são um fator tão critico como difícil de concretizar e de monitorizar o maior desafio na aplicação desta legislação.
No entanto, estão previstos vários instrumentos de planeamento, que se devem conjugar de forma coerente. Ao nível macro o diploma prevê, por exemplo, a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, cujo objetivo é claro: o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, já previsto em diplomas anteriores[1], e a Unidade Técnica para a Estratégia Climática (UTEC) que se deve pronunciar sobre “o planeamento, a execução e a avaliação da política em matéria de alterações climáticas, bem como contribuir para qualificar a discussão pública sobre a condução desta política e o fenómeno em causa, tendo em conta as experiências internacionais”, apresentando cenários de descarbonização, identificar “tecnologias e inovações com melhor equilíbrio custo-eficácia, de maior valor acrescentado e que menos expõem a economia ao risco climático, para a obtenção das metas setoriais”, apresentando recomendações e servindo de regulador para outros instrumentos.
Anualmente o governo deve elaborar e apresentar à Assembleia da República um orçamento de carbono, onde se inclui a taxa de carbono já atualmente em vigor e cujos âmbitos se propõe ampliar.
Ao nível tático temos o Plano Nacional de Energia e Clima, onde se inclui, entre outros, o Inventario Nacional de Emissões Antropogénicas por Fontes e Remoção por Sumidores de Poluentes Atmosféricos (INERPA), que servirá para um benchmarking com requisitos e diretrizes europeias. De realçar a pormenorização na descrição do que pode ser executado em vários setores, exposto nas seções do diploma da Política de materiais e consumíveis, cadeia agroalimentar e da estratégia de sequestro.
Naturalmente que a política fiscal deve tornar-se num “instrumento da transição para a neutralidade reforçando a aplicação da taxa de carbono, promovendo uma maior tributação sobre o uso dos recursos, a consignação para a descarbonização, transição justa e aumento da resiliência e capacidade de adaptação às alterações climáticas das receitas da fiscalidade verde”.
Uma nota final: É difícil ter razão antes do tempo. E se ainda hoje, temos muitos concidadãos que ainda duvidam do impacto que as Alterações Climáticas estão a provocar nas nossas vidas, há poucas décadas atrás quem falava de alterações climáticas era considerado lunático, louco e irrealista.
Concluo relevando o papel de alguns dos cientistas: Charles Keeling, um dos primeiros a demonstrar que os níveis de dióxido de carbono estavam a aumentar na atmosfera a um ritmo mais acelerado, representando esse crescimento na “curva de Keeling”; Wallace Broecker que popularizou o termo “aquecimento global” já no longínquo ano de 1975; Hans Jonas que publicou “o principio da responsabilidade” aplicado ao ambiente e Bert Bolin que foi, em 1988, o primeiro Presidente do Painel Intergovernamental para a Mudança Climática da ONU.
O trabalho destes peritos ainda no século passado, num tema em que cada ano conta, obriga-nos a desenvolver planos de ação para aplicar da freguesia ao Mundo, ultrapassando qualquer cálculo político ou económico.
Vamos a isso…
[1] Aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019, publicado no Diário da República de 1 de julho.
[blockquote style=”3″]Hugo Xambre é o mais recente cronista da Ambiente Magazine.Todos os meses, o vice-presidente Executivo do Conselho de Administração das Águas do Tejo Atlântico dará o seu testemunho sobre a atualidade no mundo do ambiente.[/blockquote]
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