#Opinião: Hidrogénio – A molécula para o desafio climático e da paz
Por Hugo Xambre
As previsões não deixam espaço para dúvidas: para evitar um cenário em que a temperatura global aumente 1,5ºC é necessário investir rapidamente na descarbonização da Europa. Para isso, muitos caminhos são possíveis e todos devem ser explorados, nomeadamente, os que permitem aproveitar as potencialidades do nosso país. Um caminho que estou convicto que vai ter grandes resultados em poucos anos é o Hidrogénio Verde. E com a Estratégia Nacional do Hidrogénio lançada já em 2020, Portugal está na linha da frente.
E se a aposta no Hidrogénio já estava certa, o conflito na Ucrânia reforçou esta certeza. Se o clima continua a precisar; Portugal, a Europa e a Liberdade precisam agora, ainda mais, do Hidrogénio. A invasão da Ucrânia evidenciou que a dependência do gás russo é uma ameaça à liberdade económica e social de todos os países europeus. Um futuro sem emissões, com novos combustíveis e formas de energia, é também essencial para fortalecer a Democracia, proteger a Liberdade e construir novos paradigmas.
Para isso, é fulcral reconhecer a variedade de recursos naturais disponíveis no nosso país. Sim, em Portugal não temos petróleo nem gás natural, necessitando de importar a totalidade dos nossos consumos. Mas para as fontes do futuro sustentável, como o Hidrogénio Verde temos tudo o que é preciso: água – desde o Oceano Atlântico às águas residuais tratadas das nossas Fábricas de Água (as ETAR 2.0); Sol para as centrais solares e Vento para complementar o fotovoltaico com o eólico, sem esquecer as ondas do mar ou a geotermia nos Açores, que pode completar este mix energético verde.
Para contextualizar os leitores, a tecnologia mais comum para a produção do Hidrogénio Verde é a utilização da corrente elétrica para separar o hidrogénio do oxigénio na molécula da água, num processo conhecido por eletrólise. Quando esta eletricidade (em quantidades significativas) é obtida através de fontes renováveis, temos o Hidrogénio Verde, produzindo uma fonte de energia sem emitir dióxido de carbono para a atmosfera, que pode ser armazenado e utilizado para vários fins.
Relativamente aos usos do Hidrogénio, o modelo dos 5 Ps é bastante explicativo, sendo utilizado frequentemente em vários documentos de referência, como no preâmbulo da já referida Estratégia Nacional.
- Power-to-Industry (P2I) que se refere à sua utilização em processos industriais que necessitam de altas temperaturas, como a Indústria do cimento, da refinação e da metalúrgica em que não é possível a sua eletrificação.
- Power-to-Mobility (P2M) referente a todos os usos em mobilidade como combustível, especialmente no transporte pesado, tanto de passageiros como de mercadorias, marítimo e ferroviário, através de células de combustível.
- Power-to-Gas (P2G), em que o hidrogénio é injetado em redes de distribuição de gás natural, permitindo a sua descarbonização parcial, visto tratar-se de um combustível fóssil.
- Power-to-Power (P2P), onde a eletricidade produzida em excesso é utilizada na produção de hidrogénio, armazenado e posteriormente reconvertido novamente em eletricidade.
- Power-to-Synfuel (P2Fuel), em que se produz combustíveis sintéticos de origem renovável, produzidos a partir de hidrogénio e dióxido de carbono, sendo uma forma com potencial para descarbonizar a produção de combustíveis.
Destes usos possíveis existe um grande foco na mobilidade, nomeadamente na mobilidade pesada que é o nicho onde é mais difícil o processo de descarbonização. A este nível é importante de referir os projetos Hycarus e Cryoplane, promovidos pela União Europeia, que vão permitir dentro em breve introduzir o hidrogénio em aviões de passageiros. Na mobilidade individual, pode resolver alguns constrangimentos da mobilidade elétrica com baterias, conseguindo-se maior autonomia e abastecimentos mais rápidos, semelhante à realidade que estamos habituados com os combustíveis fosseis, de ir “à bomba” e encher o depósito com hidrogénio. No entanto, não há motivo algum para não continuar a haver uma clara aposta no “elétrico”, porque a transição energética e climática obriga a mentes abertas, a utilizar várias soluções, não existindo de todo a solução única e providencial. Até porque continuaremos a ter motores elétricos, com a única diferença a residir se a eletricidade é “guardada” em baterias de lítio ou em tanques de hidrogénio.
A relação do hidrogénio com a indústria já vem de longe – não o hidrogénio verde mas o cinzento produzido com energia de fontes não renováveis. Este gás foi usado como combustível desde o início do século XIX na indústria química. Com o avanço da tecnologia, o seu custo de produção tornou-se cada vez menor, de forma mais descentralizada e permitindo utilizações a distâncias variáveis, desde milhares de quilómetros com pipelines até in loco. Sem os fundamentalismos que critiquei, o hidrogénio é a melhor forma de se conseguir descarbonizar progressivamente as redes de gás natural que serão utilizadas, ainda, por muitos anos. Introduzindo o hidrogénio nestas redes, consegue-se um mix energético para múltiplos usos, com equilíbrio entre a oferta/procura e alcançando a descarbonização da economia necessária para ontem. Permite a rentabilização da infraestrutura de transporte gasista já instalada, podendo-se utilizar, para além do hidrogénio, outros gases renováveis como o biometano, produzido através das lamas de depuração das ETAR e dos resíduos, nomeadamente dos resíduos orgânicos.
Um último aspeto relevante: facilita uma melhor gestão do mix energético do país. Em momentos de excesso de produção de energia verde, permite o seu escoamento com produção de hidrogénio, armazenando-o no estado gasoso ou liquefeito, com a possibilidade de reconversão em energia elétrica, através de centrais a gás ou pilhas de combustíveis, que até podem ser domésticas. Em última análise, pode ser a solução para o fornecimento de energia elétrica a zonas mais remotas, sem necessidade de construir redes com cablagem e postes durante vários quilómetros.
Havendo projetos em que se aproveita a água do mar para o processo da eletrólise, devemos aproveitar o enorme potencial das águas residuais tratadas para este efeito com a instalação de unidades de produção à saída de Fábricas de Água (as ETAR 2.0) de média e grande dimensão, aproveitando o biogás da digestão das lamas como fonte de energia. Um exemplo de circularidade, sem os problemas da salmoura que a utilização da água do mar sempre provoca.
Os números de produção nacional de energia renovável, apesar de ambiciosos, com a meta do aumento da quota de renováveis para 80% em 2030, são realistas visto que Portugal vai conseguir chegar a este objetivo em 2026 – 4 anos antes. No entanto, para atingirmos a neutralidade carbónica em 2050, precisamos ainda de reduzir em 85% as nossas emissões, com a meta de reduzir 55% dos gases com efeito estufa até 2030. Conseguimos assim concluir que o país tem a energia renovável necessária para a produção do hidrogénio verde.
A potencialidade do hidrogénio na descarbonização da economia mundial foi destacada por Bill Gates no seu livro “How to Avoid a Climate Disaster”, que considerou a utilização massiva do Hidrogénio como combustível, “a melhor inovação dos últimos tempos para combater o efeito estufa”.
Os benefícios do hidrogénio verde para a descarbonização do país são claros, temos a energia renovável necessária para a sua produção e visão, descrita na EN-H2. Será uma transição com várias fases para acompanhar, mas onde Portugal sairá com maior autonomia energética e “verde”. E um passo foi dado recentemente, com o lançamento do projeto MadoquaPower2x em Sines, para instalar 500 MW de capacidade de produção de hidrogénio verde e 500 mil toneladas de amónia verde por ano, evitando a emissão de mais de 600 mil toneladas de dióxido de carbono e criando empregos verdes. Precisamos de mais passos destes, com rasgo, inovação e ambição.