#Opinião: Habitação acessível: ir além do PRR
Por: Ricardo Bandeira, advogado da AMMC Legal, Sociedade de Advogados Portugal
Entre 2010 e 2021 os preços médios do arrendamento e da habitação cresceram, respetivamente, 25% e 70%, mas o salário médio subiu apenas 20%. É uma equação incongruente, artificialmente branqueada pela política de taxas de juro negativas do BCE. Estas permitiram a aquisição de habitação própria com prestações mensais comparativamente baixas. Uma opção pura de política pública que chegou ao fim em 2022 dada a necessidade de combater a inflação. Como tal, a equação que já não batia certo, ficou agora a “nu”.
Num país onde existem mais casas (6 milhões) do que agregados familiares (4,1 milhões), a dificuldade do acesso à habitação – portanto, da concretização daquele que é um direito fundamental – não se prende com a falta de casas, mas sim com a sua localização e com o seu preço.
Assim, perante a dificuldade em subir o salário médio, a que acresce a contínua subida da Euribor, é necessário, como alternativa à compra de casa própria, uma maior oferta de fogos para arrendamento a custos acessíveis.
É verdade que a Administração Central procura promover habitação acessível através do “Programa de Apoio ao Acesso à Habitação”, da “Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário” e do “Parque Público de Habitação a Custos Acessíveis”, todos financiados pelo PRR, num total de 2,6 mil milhões de euros.
Contudo, o PRR caracteriza-se pela morosidade na execução. Em matéria de habitação, o PRR promove obras de construção nova ou obras de reabilitação com um tempo médio de de 2 a 3 anos pós-adjudicação. Portanto, só com o PRR, a solução para o problema da habitação acessível é adiada para depois de 2026.
Por conseguinte, numa lógica de subsidiariedade, é necessário recorrer aos municípios. Estes têm criado Estratégias Locais de Habitação (“ELH”) – algumas já em fase de revisão – e podem promover Programas Municipais de Habitação Acessível (“PMHA”). Um objetivo possível: mobilizar no curto prazo alguns dos 723 mil fogos vagos para os seus PMHA.
Para tanto, os municípios devem lançar mão do Decreto-Lei n.º 89/2021, de 03/11, que regulamenta algumas das normas da Lei de Bases da Habitação (“LBH”). Os municípios num primeiro momento, delimitariam Zonas de Pressão Urbanística (“ZPU”), ou seja, zonas em que se verificasse uma dificuldade significativa de acesso à habitação para, num segundo momento, promoverem, dentro das ZPU, procedimentos de classificação dos imóveis habitacionais como devolutos, isto é, como desocupados durante mais de um ano.
Se estes reunirem condições de habitabilidade que permitam a sua imediata integração no mercado de arrendamento, a Câmara Municipal pode, aquando da notificação do “Projeto de Declaração do Imóvel Devoluto”, apresentar uma proposta de arrendamento para subarrendamento. O valor de renda será tabelado (cf. fórmulas dos Anexos II e III da Portaria n.º 176/2019, de 06/06, que regulamenta as disposições do Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22/05, alterado pelo Decreto-Lei n.º 90-C/2022, de 30/12).
O proprietário pode, assim, optar entre, ver o imóvel declarado como devoluto, com o inerente agravamento para o dobro da taxa de IMI aplicável, ou, aceitar um valor de renda controlado para o imóvel, que será integrado no PMHA para subarrendamento.
Esta abordagem não pode estar deslocada do planeamento do território. O município deve criar a sua Carta Municipal de Habitação (“CMH”) – o instrumento municipal de planeamento e ordenamento territorial em matéria de habitação, de acordo com a LBH – e articulá-la com o respetivo Plano Diretor Municipal (“PDM”). Por outro lado, a ZPU deve ser também conjugada com a Área de Reabilitação Urbana (“ARU”) e respetiva Operação de Reabilitação Urbana, as quais devem também ter entre os seus objetivos o aumento da oferta habitacional, o que permite diminuir os custos das eventuais obras de reabilitação.
Em suma: o aumento da habitação acessível não é uma tarefa apenas do Estado e não pode ser dissociado de um planeamento do território sistemático e integrado. Não basta dispormos de fundos supostamente capazes de solucionar um problema para que este desapareça.