#Opinião: Gerir a água subterrânea em tempos de escassez
Por: Maria Paula Mendes, Presidente da Comissão Especializada de Águas Subterrâneas da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos (APRH), Investigadora do Centro de Investigação e Inovação Em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CERIS) do Instituto Superior Técnico
A falta de água tem-se agigantado como dos maiores problemas que Portugal tem que enfrentar face às preocupantes alterações climáticas que já sentimos e às que se avizinham. Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) a duração, a frequência e a intensidade das secas irão aumentar no nosso país, verificando-se já nos últimos anos uma maior frequência destes episódios, que se fazem sentir numa percentagem cada vez maior do nosso território, prolongando-se alguns deles por mais de um ano hidrológico.
De facto, durante o Verão passado foi notória a falta de água para abastecimento público, nomeadamente no Nordeste Transmontano, nas regiões das Beiras e do Algarve. Muitas das nossas cidades, vilas e aldeias revelaram deficiências no abastecimento com origem em captações subterrâneas. Contudo, a boa notícia é que uma parte dos problemas reportados podem ser mitigados, se houver um bom planeamento e financiamento. Em primeiro lugar, tem que haver uma maior consciencialização por parte dos decisores de que os episódios de seca vieram para ficar, tornando-se necessário diversificar as origens de água, usando-se não só a água proveniente das albufeiras, mas também a água com origem em captações subterrâneas.
A monitorização das águas subterrâneas (qualidade e quantidade) nunca pode ser descurada e deve ser melhorada. Não basta a existência de água disponível nas formações geológicas, é preciso certificarmo-nos que essa água tem boa qualidade e não existem fontes de poluição. Pontualmente, existem em certos locais, fenómenos naturais resultantes dos rebaixamentos dos níveis de água subterrânea, que implicam tratamento adicional ou mesmo o encerramento temporário da captação, e que necessitam de estar acautelados.
É ainda essencial, haver um plano de manutenção das captações de água subterrânea, redes de adução e reservatórios, com disponibilidade orçamental, e em que as obras calendarizadas sejam cumpridas. A construção de captações suplementares e a reabilitação de antigas já desativadas fazem também parte de uma boa estratégia de adaptação. Em pequenas freguesias, os custos de energia decorrentes da bombagem desta água pode ser um fator relevante, podendo-se optar por fontes de energia renováveis, quando exequível.
Muitas das povoações e cidades que evidenciaram falta de água, tiveram um acréscimo da sua população no Verão, resultante da chegada dos trabalhadores portugueses no estrangeiro, ou do turismo. A juntar a este pico no consumo doméstico, existem todos os outros gastos acumulados que podem ser evitados, como a rega dos espaços verdes públicos e privados, das piscinas municipais, dos fontanários, para nomear alguns de entre muitos. A construção ilegal de furos para irrigação necessita também de ser evitada com ajuda de uma fiscalização eficaz. Um sistema aquífero que abastece uma povoação, é o mesmo que é usado para a rega e, em caso de seca hidrológica, é preciso dar prioridade ao uso para consumo humano em detrimento da agricultura. Os consumos para a irrigação podem ser controlados através do uso de contadores nos furos e imagens de satélite.
A comunicação dos órgãos do poder local sobre a falta de água é fundamental, devendo o seu enunciado ser ajustado à população a que se destina. Aqui reside a fatia mais importante na adaptação a esta nova realidade, uma vez que os consumos de água estão relacionados com a avaliação das pessoas face ao risco de ficarem sem água. No caso do turismo, a falta de consciência da situação por uma grande parte de quem nos visita, faz com que os industriais do sector de turismo fiquem com ónus de terem de tomar medidas efetivas para a poupança de água, tendo que equacionar determinadas medidas que, quase nunca, são fáceis de tomar.
Os recursos hídricos subterrâneos são resilientes aos fenómenos de seca, desde que sejam bem geridos, haja um uso eficiente e a população esteja bem informada e participativa. Contudo, as secas hidrológicas vão fazer cada vez mais parte do nosso quotidiano, sendo indispensável estarem operacionalizadas medidas que antecipem estes fenómenos.