Opinião: “Energias Renováveis – Novo quadro regulatório”

Por Isabel Moraes Cardoso, Sócia Fundadora da AMMC LEGAL, e Ana Pires da Silva, Associada Sénior da AMMC LEGAL

 

Através do Decreto-Lei n.º 99/2024, de 3 de dezembro, foi assegurada a transposição, parcial, para o direito português da Diretiva (UE) 2023/2413, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de outubro (RED III) que, com o objetivo de acelerar a transição energética na UE reforça o compromisso dos Estados-Membros em aumentar a quota de consumo final bruto de energia proveniente de fontes renováveis.

O diploma concretiza algumas das conclusões da consulta pública promovida pela EMER 2030, não incorporando, porém, a transposição das disposições referentes ao plano das Zonas de aceleração da implantação das energias renováveis, dependente de AAE, e a regulação de processos judiciais simplificados e urgentes para a resolução de litígios relativos ao procedimento de licenciamento de centrais de energia renovável, incluindo, mecanismos de resolução alternativa, o que, quanto a estes últimos, não se compreende face à sua premência!

É, assim, alterado o Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro (SEN) e o Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental, para estabelecer, a obrigatoriedade, paradoxal à intenção de simplificação, de apresentação de uma proposta de definição do âmbito do estudo de impacte ambiental, no caso de centros eletroprodutores de energia renovável e infraestruturas sujeitos a esta avaliação e a clarificação quanto à isenção de AIA dos centros electroprodutores de fonte solar e suas instalações de armazenamento de energia quando instalados em edifícios/estruturas artificiais. O regime de isenção é, ainda, aplicável ao sobre-equipamento e reequipamento desde que este seja implementado na área do centro electroprodutor preexistente e cumpra as condições impostas nas decisões ambientais ou licenças anteriormente emitidas.

O diploma introduziu alterações significativas ao regime da hibridização, passando a ser concretizável através do armazenamento, que segue as regras genericamente aplicáveis à hibridização com a possibilidade de separação jurídica e clarifica e altera os conceitos de armazenamento, hibridização, reequipamento e proximidade no autoconsumo coletivo, no sentido de exigir, neste caso, alternativamente, a proximidade elétrica ou a proximidade geográfica para as UPAC e IU, aumentando, para o dobro, a distância máxima entre elas em territórios de baixa densidade.

O regime de cauções na modalidade de acordo com o operador de rede sofreu alterações quanto ao montante a fixar com o pedido de atribuição de reserva de capacidade, reduzindo-se, e quanto ao prazo de manutenção. Verificando-se, contudo, por omissão de alteração do regime jurídico da caução (art. 13.º SEN), incongruência quanto ao momento de apresentação da caução.

Os prazos dos procedimentos de emissão de licenças de produção e de exploração dos projetos de energias renováveis, foram reduzidos (2 ou 3 anos para projetos offshore) e, condicionada à ocorrência de circunstâncias extraordinárias a possibilidade de prorrogação de prazo. Exclui dos prazos os períodos de construção da central, ligação à rede, concretização e modernização desta e de impugnações administrativas e judiciais. São, também, reduzidos os prazos dos procedimentos de registo prévio e de decisão de pedidos de reequipamento e sobre-equipamento.

Possibilita aos Municípios, alterando o regime de cedências, optar por prestação em espécie ou pecuniária nos casos de centrais ou instalações de armazenamento com potência de ligação acima de 1 MVA.

O Estatuto do Cliente Eletrointensivo foi alterado para refletir as Orientações relativas aos auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e á energia 2022 e a incluir as ligações à rede em baixa tensão; revê, ademais a redução de tarifas de acesso à rede, e são aditatadas disposições referentes à atividade de registo de contratação bilateral de energia, cuja atividade será aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia.

O Decreto-Lei n.º 99/2024, embora clarifique que a implementação de infraestruturas de serviço público dispensa a demonstração de interesse nacional, é, porém, pouco ambicioso quanto às disfunções apontadas ao quadro regulatório em vigor em matéria de gestão territorial e licenciamento municipal, estando ainda por clarificar a prorrogação da vigência do Decreto-Lei n.º 30-A/2024, de 22 de abril. Permite, contudo, a implantação de centros electroprodutores solares e das respetivas linhas internas e de ligação à RESP em RAN sempre que as áreas afetadas representem menos de 10 % da área total contratada e tenham menos de 1ha.

A novidade mais significativa em matéria ambiental e de ordenamento do território, é a transposição de disposição da RED III e do Regulamento (UE) 2022/2577 do Conselho, de 22 de dezembro de 2022, que estabelece a presunção ilidível de que o planeamento, a construção e a exploração de centrais de energia renovável, a ligação de tais centrais à rede, a própria rede conexa, e os ativos de armazenamento são de interesse público superior e importantes para a saúde e a segurança públicas, para efeitos dos regimes das derrogações admitidas no âmbito da Rede Natura 2000 em caso da afetação de habitats ou espécies, e, também da Lei da Água, no que respeita aos objetivos ambientais das massas de água. Resta saber, qual será a posição das autoridades nacionais (ICNF), quanto à interdição de localização de centros electroprodutores em áreas da Rede Natura 2000, já incorporada nos PDM revistos e a constar de vários dos planos de gestão de zonas de conservação especial, a qual, a manter-se impedirá a aplicação do mecanismo de derrogação da presunção previsto na RED III e no citado Regulamento.