Por: Miguel Subtil, Managing Director, Átomo Capital Partners
Nas últimas semanas, muitas têm sido as notícias sobre os preços da eletricidade e a forma de funcionamento do mercado grossista.
A verdade é que o mês de abril tem sido marcado por uma sucessão de acontecimentos inéditos no mercado de eletricidade: os preços grossistas médios estão em mínimos históricos de vários anos, assistimos a preços negativos pela primeira vez, vemos produtores a pagar para injetar eletricidade na rede e centrais solares a parar de produzir.
Mas o que explica tudo isto e serão estas boas ou más notícias?
Lamentavelmente, não há uma resposta simples.
A queda dos preços grossistas é em muito explicada pela produção acima da média de energia com origem renovável, sobretudo hídrica e eólica. Em Portugal, no primeiro trimestre de 2024, a energia renovável abasteceu 89% do consumo, o valor mais elevado desde 1978 para este trimestre. Isto ajuda a perceber por que motivo março teve o preço médio mais baixo no mercado grossista de eletricidade em quase quatro anos. A juntar a isto, começámos abril com um novo marco histórico: a 5 de abril, o Mibel (mercado ibérico de eletricidade, criado em 2007), registou pela primeira vez preços negativos. O que é que isto significa? Que houve produtores dispostos a pagar para injetar eletricidade na rede (tipicamente, são centrais termoelétricas, nas quais os custos de parar a produção são mais elevados do que pagar o preço negativo durante algumas horas para continuarem a operar). Por outro lado, neste dia houve também outro acontecimento inédito: várias centrais solares pararam de produzir durante algumas horas, para equilibrar o excesso de produção face ao consumo existente. Se durante muitos anos não aproveitávamos a energia solar porque não tínhamos como o fazer, em 2024 temos excelentes condições para produzir eletricidade a partir da energia solar, mas temos as centrais a parar, por não termos o que fazer com tanta produção. Vivemos, com isto, um momento marcante no mercado da eletricidade, que nos obriga a pensar sobre o futuro da energia, a sua produção e o seu consumo.
Perante isto, o que se pode esperar nos próximos meses? Muito provavelmente, fruto das condições meteorológicas, continuaremos com elevados níveis de produção de energias renováveis em abril e maio, pelo que continuaremos com preços grossistas na Península Ibérica muito baixos. Ainda assim, espera-se que no 2º semestre comece a haver uma estabilização, e os valores aumentem, ainda que mais baixos do que a média de 2023.
Se estes factos podem representar boas notícias para as famílias que tenham tarifas indexadas de eletricidade, ao verem as suas faturas de eletricidade reduzir, é inegável que representam também uma mudança no paradigma do mercado, que nos deve dar que pensar e olhar com expectativa para o que será o futuro do mercado grossista de eletricidade a nível nacional, ibérico e europeu.
Finalmente é importante salientar que a produção de eletricidade tem um custo, evidentemente, e que é bem diferente de zero.
Isto representa um problema que terá de ser enfrentado com urgência e coragem, pois dificilmente se encontrarão investidores interessados em projetos com remuneração tão baixa ao longo da vida útil que não compense o investimento inicial.
É um tema muito sério, que interessa a todos, de produtores a consumidores finais, e dará muito que falar nos próximos tempos.