Opinião: Economia Circular: conceito antigo, labirintos novos (Parte II/IV)
Por Catarina Pinto Xavier, advogada SLCM // Serra Lopes, Cortes Martins & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL.
Ao contrário do anterior, o novo Regime Geral da Gestão de Resíduos (“RGGR”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, refere-se seis vezes a “Economia Circular”, deixando claro que a política e legislação em matéria de resíduos visa a transição para uma economia circular.
O conceito é moderno quando perspetivado em termos globais, para toda a economia, mas já estava ínsito no anterior conceito dos 3Rs (Reduzir, Reutilizar e Reciclar), quando apenas era considerado para os resíduos.
A economia circular é um modelo de produção e de consumo que visa a manutenção na economia dos recursos utilizados pelo maior tempo possível. Se, por um lado, este modelo pressupõe a redução do consumo e, consequentemente, dos resíduos, por outro lado, implica que o ciclo de vida dos recursos seja alargado. Idealmente, quando um produto chega ao fim do seu ciclo de vida, tornando-se resíduo, os seus materiais poderão reentrar no circuito económico, se forem utilizados outra vez.
A grande porta para a almejada Economia Circular está, portanto, no setor dos resíduos. Mas, até aqui, nenhuma novidade. A questão está em saber se a recente reforma legislativa no sector dos resíduos trouxe novas ideias ou novas ferramentas para mais rápida e eficientemente se chegar lá.
Olhemos para o regime legal dos subprodutos, integrado desde 2011 no RGGR.
A fim de promover a utilização sustentável dos recursos e a simbiose industrial, a Diretiva Resíduos dispõe que os Estados-Membros deverão tomar medidas adequadas para facilitar a classificação como subprodutos das substâncias ou objetos resultantes de um processo de produção cujo objetivo principal não seja a produção dessas substâncias ou objetos.
O novo RGGR contém essas medidas facilitadoras? Parece que sim. Mas talvez não.
As condições para que um resíduo passe a ser considerado subproduto mantêm-se iguais. A diferença está no procedimento administrativo que confere essa classificação. E aqui importa atender a dois aspetos.
[blockquote style=”1″]Primeiro: os critérios.[/blockquote]
Estando as condições descritas com recurso a conceitos indeterminados, assume particular importância a definição dos critérios que garantem o cumprimento dessas condições. Atualmente, permitindo a lei que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) defina esses critérios, aquilo que existe são duas folhas com, nas palavras da própria APA, “critérios e considerações (…) genéricos, de carácter meramente indicativo e não exaustivos”, em jeito de mero guião para os serviços e sem qualquer elemento de um verdadeiro e próprio regulamento administrativo que vincule os particulares.
O novo RGGR, embora não prime pela clareza, obrigará, a nosso ver, a uma alteração do status quo. É que passa-se a prever que a APA pode definir, para substâncias ou objetos específicos, critérios pormenorizados. A APA terá, portanto – e finalmente, valha o desabafo – que aprovar um regulamento técnico, seguindo os trâmites legais previstos no Código do Procedimento Administrativo, que estabeleça, para determinados e concretos materiais, os critérios que esses terão de cumprir para passarem a subprodutos. Será de todo conveniente, em benefício da poupança de tempo e de recursos humanos e financeiros, que a APA aproveite e compile o know-how adquirido com procedimentos anteriores de classificação de subprodutos promovidos e custeados por particulares. Com certeza que, se um objeto foi considerado subproduto no âmbito da atividade de um operador económico, com grande probabilidade o mesmo tipo de objeto poderá ser considerado subproduto em atividades similares ou que usam processos produtivos idênticos.
[blockquote style=”1″]Segundo: a classificação.[/blockquote]
Hoje, para que um resíduo passe a ser considerado subproduto, os interessados apresentam um pedido junto da APA, pagam uma taxa de EUR 5.000,00 e, em princípio (se não houver atrasados ou suspensões do procedimento), a APA emite decisão ao fim de 90 dias úteis.
No novo RGGR, se o produtor do resíduo cumprir as condições da lei e os critérios estabelecidos pela APA, basta que o declare no SIRER como subproduto, juntando os documentos que o comprovam (não se sabe ainda se vai pagar taxa).
Fácil? Sim, mas arriscado.
É que a lei prevê que a APA pode “cancelar” – conceito novo no Direito Administrativo – essa declaração no SIRER a todo o tempo, se considerar que as condições não estão cumpridas, assim como estabelece que tal incumprimento constitui contraordenação ambiental grave. Além disso, uma tal declaração só é exequível se já houver critérios aprovados.
Mas e se o operador não quiser arriscar fazer a declaração, considerando, por exemplo, a novidade da substância em causa ou a falta de critérios publicados? A lei deixou de prever que possa ser dirigido um pedido de classificação como subproduto à APA. Refere-se, agora, que a APA, em articulação com as entidades administrativas com responsabilidade no licenciamento dos processos produtivos em questão, define o procedimento de classificação como subprodutos e que pode, por sua iniciativa ou sob proposta dessas outras entidades, autorizar a classificação como subproduto.
Trocando por miúdos: ou o operador fecha os olhos e salta, ou vai bater à porta da autoridade licenciadora da sua atividade, para que esta bata à porta da APA…
Se o labirinto se adensa ou se há uma saída de emergência, tudo está nas mãos da gigante e cada vez mais poderosa APA. Como desejo para 2021, fazemos votos de que os técnicos responsáveis pela desclassificação de resíduos queiram verdadeiramente abrir (e não apenas entreabrir) a porta da Economia Circular e não nos ponham a andar em círculos, como fez este legislador.
E se a Economia Circular é mesmo o objetivo, não deviam os particulares que promovem a desclassificação de resíduos estar isentos de qualquer taxa?
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